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sábado, 6 de agosto de 2016

Omar Khayyán. Rubaiyat. Delícias de algumas traduções.

Omar Khayyán. Rubaiyat. Traduções.
Leituras realizadas este ano, com base em três traduções da obra de Khayyan. Uma primeira de Octavio Tarquínio de Souza, cuja primeira edição é de 1928. Uma segunda de 1959, na tradução em versos de rimas variadas de J.B. de Mello e Souza, irmão de Malba Tahan. A terceira, bem mais recente, acompanha uma pequena biografia, interpretação da obra e um inventário crítico das muitas edições do Rubbaiyt. Comecemos pela edição de Mello e Souza.




KHAYYÃN, Omar. Rubaiát. Trad. em verso por J. B. de Mello e Souza. Rio de Janeiro, Topbooks, 2013 (1959).

Irmão de Malba Tahan, Mello e Souza empregou traduções francesas (Franz Toussaint) e inglesas (Waringhien, Christensen, Rempis e Fitzgerald) para esta edição original de 1959, que a mantém em versos.
As poesias estão bem justapostas nas quadras. As rimas variam, não seguem um esquema fixo - como ABAB ou AABA, mas vão desde isso até um AAAA ou ainda totalmente brancos.
O autor desta tradução considera Khayyán como o poeta da Desesperança (p. 19), com toques de melancolia, sarcasmo e desalento. O poeta persa foi, na sua concepção, um "exaltado panteísta" - não que acreditasse em algum deus, mas numa força desconhecida que rege o Universo e que o submete a leis imutáveis e eternas. Trata-se do Eterno Enigma, na versão traduzida por Luiz Antonio de Figueiredo. Segundo Mello e Souza, o poeta não se conformava admitir um Deus supremo que tivesse criado um ser tão imperfeito quanto o homem.
E com relação ao amor, ao invés de desconfiança, como frisa Octavio Tarquínio de Souza, Mello e Souza observa o entusiasmo pelo amor, umas das efêmeras condições de felicidade terrena (p.21).
Bem destacado por este autor, em que pese as diferenças para com outros tradutores, é a observância no que diz respeito à falta de alusão à Família, à Pátria ou à Raça. Nem poderia ser diferente, pois estes temas pertencem à modernidade. Mas com razão, não há a menor referência. Khayyán só abraça os grandes temas da vida.
O vinho também é bem destacado pelo tradutor. Há uma verdadeira exaltação do vinho; além de ser uma bebida valorizada por estes povos antigos, a embriaguez também assim é igualmente. Então parece-nos que o vinho é uma maneira natural de fugir ao ceticismo e ao materialismo que oprime o espírito, ao mesmo tempo uma forma de atingir estado de espírito mais elevado. Podemos chamar de "metafísica do vinho" - uma forma de transcender e olhar com mais admiração, mais beleza, para a vida.

Um cético, mas que acreditava na força viva da vida, no seu fluxo incessante, como um rio. Assim podemos considerar Khayyán por aqui. Por isso mesmo não podemos concordar com Mello e Souza que seja o poeta da Desesperança.


KHÁYYÁN, Omar. Rubaiát. Trad. Octavio Tarquinio de Souza. Rio de Janeiro, José Olympio Ed., 1944, 5ªed. (1ª ed. 1928).
O tradutor leu várias versões francesas, mas a que lhe serviu de base, segundo o próprio, é a de Franz Toussaint. As considerações do tradutor em seu prefácio sobre Khayyán não diferem muito das de Figueiredo, outro tradutor que se valeu não da tradução francesa, mas da inglesa, de FitzGerald.
A forma não foi a de versos, mas de prosa no estilo de aforismos.

Segue alguns trechos do prefácio de Tarquínio:
"Ninguém melhor que Omar Kháyyám viu a precariedade do destino humano (...) Só existe, só vale o momento presente. O passado não volta mais, o futuro é incerto e virá provavelmente cheio de tristeza e decepções. Cumpre, pois, aproveitar intensamente o momento atual, que passa rápido como o esplendor transitório da rosa. (...)
O passado não tem interesse. É um cadáver que deve ser sepultado. Nada esperemos também do futuro. Para não perder a coragem de viver, é necessário embriagar-se do momento presente.  (...)
Beber vinho! Vinho cor de rubi, vinho cor de rosa, vinho cor de sangue!
O vinho faz perdoar a pena de viver. (...)
O vinho é a fonte do entusiasmo. (...)
Nada de largas esperanças, nada de grandes ilusões. A vida há de ser sempre uma constante renúncia. (...)
A filosofia e a ciência não vão além das aparências. O homem diante do mistério do universo é o cego ferido de cegueira total. (...) Os sistemas dos filósofos e as construções dos sábios são palavras ocas e têm a consistência das miragens no deserto. (...)
Cumpre também não confiar no amor. Não divinizemos a mulher. O amor é apenas a sensação passageira, o delírio fugaz. (...)
A vida, se tivesse sentido, seria dom funesto, presente trágico. Não há por que agradecê-la. É uma imposição caprichosa." (p. III e segs.).
Segue alguns trechos do prefácio de Tarquínio:
"Ninguém melhor que Omar Kháyyám viu a precariedade do destino humano (...) Só existe, só vale o momento presente. O passado não volta mais, o futuro é incerto e virá provavelmente cheio de tristeza e decepções. Cumpre, pois, aproveitar intensamente o momento atual, que passa rápido como o esplendor transitório da rosa. (...)
O passado não tem interesse. É um cadáver que deve ser sepultado. Nada esperemos também do futuro. Para não perder a coragem de viver, é necessário embriagar-se do momento presente.  (...)
Beber vinho! Vinho cor de rubi, vinho cor de rosa, vinho cor de sangue!
O vinho faz perdoar a pena de viver. (...)
O vinho é a fonte do entusiasmo. (...)
Nada de largas esperanças, nada de grandes ilusões. A vida há de ser sempre uma constante renúncia. (...)
A filosofia e a ciência não vão além das aparências. O homem diante do mistério do universo é o cego ferido de cegueira total. (...) Os sistemas dos filósofos e as construções dos sábios são palavras ocas e têm a consistência das miragens no deserto. (...)
Cumpre também não confiar no amor. Não divinizemos a mulher. O amor é apenas a sensação passageira, o delírio fugaz. (...)
A vida, se tivesse sentido, seria dom funesto, presente trágico. Não há por que agradecê-la. É uma imposição caprichosa." (p. III e segs.).

Aqui, ainda que pela tradução presente, não é possível concordar com o tradutor no que diz respeito à mulher e à renúncia. Khayyán renuncia ao que é ilusório, não aos prazeres - portanto, não à vida como um todo, mas somente àquilo que vai além dos sentidos. O amor aparece em Khayyán mais nesta forma material, que dá prazer, mas não destituído do belo. Neste sentido, a mulher assume uma forma tão contemplativa quanto a natureza, representada pela primavera, pela lua, pela rosa, etc. Os lábios da mulher são vermelhos, como a rosa, digna de admiração, contemplação. O vinho é rubi como alguns lábios femininos. O efêmero não retira a beleza da vida, que é vista não em sua forma metafísica, mas plástica e dinâmica. Há beleza no movimento da vida. Vejam este aforismo da página 56:

Meu nascimento não trouxe nenhum proveito ao universo.
Minha morte não lhe diminuirá a imensidade, nem a  beleza.
Ninguém pode explicar-me porque vim, porque me vou embora.

A beleza do mundo está neste próprio mistério da vida e esse mistério se faz expressar nas coisas que vemos e sentimos. Luiz Antonio de Figueiredo, outro tradutor, fala de hedonismo trágico. Eu prefiro falar simplesmente de hedonismo. Dado que o fim é certo, deixa de ser trágico, transformando-se em resignação, não exatamente em desespero. 


KHAYYÁN, Omar. Rubáiát. Trad. Luiz Antonio de Figueiredo. São Paulo, Editora Unesp, 2012.
Recriação em quadra de versos que usa como base a tradução inglesa de Edward FitzGerald, que traduziu diretamente do persa.
Rubái quer dizer quadra; rubáiyát é o plural de rubái. Na recriação do autor, tentando ser o mais fiel possível a FitzGerald, manteve o terceiro verso branco:  AABA.

Comentário. Algumas quadras funcionaram bem, outras nem tanto; mas no geral ficou agradável aos sentidos. Os versos ficaram melhor no esquema de rimas variadas, não rígidas,  da tradução de J. B. de Mello e Souza, editora Topbooks, 2013, reedição de 1959.

Na segunda parte do livro encontramos uma pequena biografia de Khayyán e sua obra, além de uma interpretação. Um último capítulo desta segunda parte é dedicada aos comentários das várias edições, onde o autor faz um pequeno inventário das traduções.  Destaque para esta edição é esclarecer sobre a escolha dos rubáiyats entre os milhares conhecidos, trabalho a que se entregaram os críticos.
No que se sobressai da obra de Omar:
Hedonismo trágico. Para suportar a brevidade e a falta de sentido da vida é preciso gozar os momentos, pois a vida é ilusão de Eternidade; trata-se de uma espécie de "Carpe Diem", que permeia toda a poesia.
Prazer e Beleza. O vinho e a rosa. Esse deleite da vida é interposto por símbolos recorrentes na obra de K.: o vinho, a rosa, a lua, o rouxinol, etc. encarnam a música, a o amor e a amizade e a primavera - momentos que devem ser aproveitados; 
Véu da ilusão. Universo é ambíguo e obscuro, assim como a existência humana. A chave do enigma do Universo não nos é acessível; o Eterno nos dá apenas um aceno por meio da beleza do mundo - como os pássaros e as flores;

Figueiredo tenta uma interpretação aproximativa da poesia de  Khayyán com a filosofia de Schopenhauer (p.124 e ss.), mas um pouco forçada, no meu entendimento. Para o filósofo alemão a vida é breve, dolorosa e sem sentido. Neste caso, Khayyán estaria de acordo mais com o último e o primeiro, mas não concordaria com a vida dolorosa e muito menos em renunciar ao prazer devido a isso, como aconselharia Schopenhauer. Nas páginas que se sucedem, Figueiredo força cada vez mais essa aproximação, esmiuçando a filosofia de Schopenhauer.

Oleiro. O oleiro aparece em várias quadras da poesia de Khayyán, representando o criador que modela a argila (matéria) para produzir o vaso (homem). Mas pelo que depreendemos dos versos do poeta, o Oleiro é uma figura fictícia ou não assumida como existente - ou seja, é sempre posta em dúvida. O que é certo é que o homem vem da argila e a ela voltará, integrando um ciclo natural.
Vaso imperfeito. Somos imperfeitos - isso é expresso pela nossa ignorância das coisas (v. p.129). A "solução" é o vinho, que nos induz a sonho, um meio de sair da dura realidade. Podemos dizer que é um materialismo que se impõe aos nossos sentidos e do qual o poeta tenta escapar? Sou levado a acreditar que sim.
Vinho. Segundo Figueiredo, o vinho, por ser uma "criação divina" deve ser louvado. Mas aqui também é um pressuposição do poeta - o vinho é tão bom que se houvesse um Deus o teria criado de qualquer maneira. O vinho é o bálsamo da vida.
Incerteza da origem e do destino humano. Esse mundo é uma torrente de coisas que flui e que desdenha a origem, tanto quanto o destino. Não sabemos de onde viemos e nem para onde vamos.
Incerteza do Eterno. O poeta quer o eterno - há uma nostalgia do Eterno em seus versos; mas como alcançá-lo é impossível, então investe-se avidamente no prazer - daí o hedonismo trágico. Há uma certa renúncia do poder, da ambição do conhecimento, da glória, mas não do prazer, não da celebração da vida. Não importa de onde ela tenha vindo ou como tenha vindo. A vida é celebrada pelos seus símbolos: a rosa (primavera), a lua (o belo que pode ser visto), etc.
Ceticismo. O ceticismo de Khayyán revela-se por toda a sua poesia - mas trata-se de um ceticismo hedonista, como afirma Figueiredo. Khayyán descrê de uma vida invisível, mas acredita no mundo que se apresenta, em sua beleza; daí também a renúncia ao poder e aos tesouros.
A mulher. É a figura adorada e admirada, representada também pela Rosa. A mulher não é apenas matéria a ser deleitada, mas beleza que merece seu lugar quase divino, como o vinho. Portanto, trata-se de uma figura elevada, mas não totalmente divina, pois seria assim inalcançável. Pelo contrário, a mulher é algo bem próximo.
Véu do mundo e o Rio. Se tudo que vemos é como um véu (uma ilusão), então o que é o Mundo? Em uma de suas quadras, o poeta afirma: "Cascata que flui sem saber" (p.35). Ou seja, a vida é como o curso de um rio, como no Tao e como em Heráclito. Atentemos para essa quadra:

A este Mundo - Cascata que flui sem saber
Por quê, ou de Onde vem - também vim sem querer,
e como o Vento errante ignora Onde vai,
Desconheço Onde vou, ao desaparecer.

Ela resume bem a "filosofia" do poeta. A vida é como o curso de um rio, uma cascata que despeja água incessantemente; não sabemos de onde viemos nem para onde vamos, como o Vento, que ignora seu destino.

Eterno Enigma e o Tao. A vida é um mistério, onde tudo aparece e desaparece. Por aqui podemos nos aproximar da filosofia do Tao, ou o Tao, simplesmente. Vamos ler estas quadras:

Sua secreta Presença invade a Criação
por todas as artérias. Tem a compleição
das coisas mais extremas, como a Lua e o Peixe:
mutante, tudo morre. Ele, no entanto, não

Surge por um Instante, então desaparece,
dissolve-se no Escuro e com Ele Anoitece,
eternamente Autor e Ator do mesmo Drama,
repete o mesmo Enredo, onde Nada acontece.

Ora, não é o Tao o eterno preenchimento e esvaziamento, para onde tudo vai e de onde tudo vem? Figueiredo não faz essa aproximação, mas isso parece-me evidente. Khayyán era um bom observador, mas também um bom pensador. Não é de se surpreender que tenha chegado a essas reflexões, que se aproximam de outras filosofias. Até mesmo uma dialética é possível identificar em seus versos. Por minha conta e risco, tomemos como exemplo máximo este verso, entre outros:

Se baixas teu olhar, fitando o duro Chão,
ou ergues para o Céu, em Sua Imensidão,
lembra que tu é tu neste exato Momento,
mas e Amanhã, depois da própria negação?

Observemos as oposições: Chão-Céu/Momento-Amanhã. Olhando para o aqui, no Chão ou olhando para o Céu, independente disso, amanhã seremos diferentes de hoje, posto que seremos negação da existência de hoje e assim por diante.

Conclusões e Comentários.
O tradutor aproxima Khayyán de Schopenhauer, mas eu o aproximo mais do Tao, embora destituído do ascetismo dessa Ideia. O Tao como explicação do movimento do universo, não como explicação de sua origem. Não podemos aproximar Khayyán de Schopenhauer, pois este tenciona ao ascetismo, à renúncia do material. Khayyán não quer renunciar a nada, embora menospreze o poder e a glória; o materialismo de Khayyán é imediato: os prazeres e a beleza da vida, embora não possam ser explicadas, estão aí. Não sabemos se foram feitas para nós, mas por que não aproveitá-las? O Eterno Enigma não é explicável posto que não é alcançável por nossa ciência, que ilumina alguns movimentos, mas não vai além das aparências. 
No geral, destaca-se o vinho: bebida que intermedia o humano e o divino, embora este seja uma ilusão, um produto da imaginação; na verdade o vinho é o que nos torna divinos, pois é ele que nos induz a fugir da tragédia humana material, esquecer o efêmero e aproveitar melhor o momento. Nas minhas palavras:

"O vinho nos remove o excesso de realidade" .

Com relação às traduções aqui consideradas, podemos afirmar, por elas,  mais ou menos tudo o que foi exposto acima sobre o grande poeta persa. 



terça-feira, 21 de junho de 2016

Sobre Ayn Rand



The Nightingale - René Magritte
"As riquezas pintam o homem, e com as suas cores cobrem e escondem não apenas os defeitos do corpo, mas também os da alma." (Boccaccio, Lettere, a Pino de' Rossi).

"O amor-próprio é o maior de todos os aduladores." (F. la Rochefoucauld, Maximes, V.2)

Ayn Rand foi a intelectual em voga após a crise de 2008, sendo lançado aqui um de seus livros mais conhecidos: "A Revolta de Atlas". Segundo muitos pensadores, é a "Bíblia" do pensamento liberal na segunda metade do século XX.
Ao fazer a pesquisa sobre a autora, pela internet, percebi que as indexações iniciais não trazem diversidade de crítica, mas na sua maioria matérias apologéticas. Compulsando um pouco mais e refinando com o termo chave "crítica" ou "resenha", encontramos alguma coisa. O primeiro verbete em destaque é o da Wikipédia, que a respeito da autora é demasiado superficial. Por aqui dá-se a impressão de realmente tratar-se de uma intelectual. O que é falso. Basta ler a entrevista realizada pela Playboy em 1964 e assistir à de Mike Wallace, em 1959, para constatar o discurso ideológico-falacioso daquela autora - uma filosofia (?) carente de fundamentos e que envergonharia mesmo os autores  liberais mais conhecidos, tal como Adam Smith - para fazer jus a essa corrente de pensamento, que hoje em dia, considerando seus defensores atuais, não nos diz mais nada.
Ayn Rand nasceu ainda na Rússia como Alisa Zinovyevna Rosenbaum, foi para EUA após a Revolução Russa bolchevique. Estudou filosofia em São Petersburgo. Nos EUA começou a trabalhar no cinema, nos estúdios de  Cecil B. DeMille.
Um estudo desinteressado aconselharia a ler a obra da autora, mas as premissas em que se baseiam desestimula qualquer intelectual sério, pois são muito explícitas em determinados pontos muitos controversos. Eu enunciaria três básicos:
1 - A classe produtora de riqueza são os capitalistas, empresários - eles deveriam ter liberdade total, sem interferência do governo;
2 - O homem deve mover-se pelo egoísmo e não pelo altruísmo - não devemos nos sacrificar pelos outros; não deveríamos pagar impostos;
3 - (Base de tudo, inclusive de 1 e 2) que o homem deve guiar-se exclusivamente pela razão;
Provar isso com apenas obras de ficção é possível, mas acredito que tal coisa seja de difícil realização. O que separa Marx de Balzac? O primeiro indica todas as suas fontes, diferentemente do segundo. Mas isso é só o começo. A obra de Balzac ainda possui todo o seu valor devido à verossimilhança e à crítica social. Não sei se encontramos isso em Rand, pois seu "objetivismo" é todo calcado em crenças e afirmações que seriam muito válidas na literatura de auto-ajuda, nada mais. Em todo caso, reafirmo, as premissas acima são explícitas e duvido que a autora as demonstre em sua obra. Pelo contrário, parece-me que ela quer - assim como incorreram nesse erro muitos autores - mostrar e não demonstrar.
Em todo caso, fico devendo algo mais consistente, da minha parte. Investigações para o futuro. Por enquanto, deixo as indicações abaixo, do que eu consegui selecionar de melhor:

1-A entrevista para a Playboy:
2 - Do site Diário do Centro do Mundo:
3 - Do site Esquerda Republicana:
4 - Do site Revista Dita & Contradita:
5 - Do site Instituo Ordem Livre (de tendência liberal e mais favorável à autora):

Uma entrevista de 1959, concedida à Mike Wallace, onde as ideias de Rand são expostas como uma "filosofia inovadora e desconhecida". De fato, poderia chocar um pouco à época, que não estava preparada para esse ultra-liberalismo, muito atraente nos dias de hoje:

É considerada hoje uma "libertária", assim como são denominados alguns ativistas de hoje em dia que recebem dinheiro de ONGs suspeitas. Então cabe uma questão: foi uma intelectual financiada pela CIA? Vamos investigar mais.


domingo, 15 de maio de 2016

PATÉTICO

"As pessoas são ridículas apenas quando querem parecer ou ser aquilo que não são."

(G. Leopardi, Pensieri, IC)

Segundo o dicionário Novíssimo Aulete, 2011, em sua acepção 1: Que desperta compaixão, piedade, tristeza (cena patética);TOCANTE, TRISTE. Na acepção 2: Que encerra ou se caracteriza pela emoção, piedade, terror, etc, extremados ou impróprios (às circunstâncias, situação ou condições) (discurso patético; palavras patéticas; gesto patético).
Comentário. É o que não nos tem faltado. Cenas, circunstâncias, situações, palavras, discursos e gestos patéticos. Os exemplos vão desde um grupo de autoridades ansiosos por incriminar e prender políticos até os políticos mesmos, desejosos por tomar de volta um poder que lhes escapou. Mal escondem as infidelidades partidárias, os compromissos rompidos, os acordos sub-reptícios e silenciosos, quando buscam se reposicionar no cenário político.
A fina sintonia entre autoridades (juízes, promotores, ministros) e determinados políticos passa-nos despercebida na maior parte de nossa vivência social. Essa realidade vem à tona e se nos apresenta quando presenciamos tais cenas patéticas. E é nesse momento que as instituições político-jurídicas mostram sua face obscena, ideológica, pois elas mesmas nos dizem sobre toda a falsidade em que são firmadas: as regras valem não formalmente, para todos igualmente, mas segundo certas condições e a determinadas pessoas. Não nos acostumamos muito facilmente - por meio da leniência do tempo histórico - com a injustiça contra os desfavorecidos? E que a lei, o rigor da lei, vale para os inimigos e não para os amigos? Dura lex, sed lex, mas somente para a maioria desguarnecida.
Por isso é que entender a encenação do patético, na vida real, é importante - para nos fazer ver o cair das máscaras, mostrar-nos não só a feiura desses atores, mas a cena mesma imprópria. E é por isso que nos causa compaixão, tristeza, uma certa piedade, mas não sem terror - como quando olhamos para um monstro, tal como uma criatura remendada com membros de outras. É aí que percebemos que estamos instalados num circo de horror - só não nos damos conta enquanto não estamos no centro do picadeiro, a servir de espetáculo. Nos damos conta que pagamos por um show de horrores, disfarçado pelo esforço de mágicos e palhaços. Pagamos caro o ingresso e acreditamos no show até o momento em que o patético se apresenta. A falsidade se descortina, mas não temos como recobrar o dinheiro. A bilheteria está fechada. O que fazer? Talvez tomar o comando do espetáculo...
Schiller, filósofo, médico, historiador e especialmente poeta, designou com este termo ("patético"), segundo o dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano, página 868, uma das espécies do sublime. O sofrimento, na tragédia, funciona para a arte apenas como um meio para atingir o seu fim (catarse ou purgação, segundo Aristóteles). O patético seria um meio do artista expor o sofrimento, mas de tal modo a atingir o público pela compaixão, pelo humano. Complicado? Não. Pense em Chaplin. O genial Chaplin, cujas tragédias eram disfarçadas de comédias patéticas. O genial Chaplin empregou o patético em suas obras para provocar catarse sobre a tragédia de nossas vidas. Na vida real, porém, alguns atores-autoridades assumem autenticamente o patético e demonstram, com isso, a farsa em que estão instituídos e na qual querem que todos acreditem. É o momento em que a ficção desnuda a realidade - e esta se nos apresenta nua e crua, onde o palco deixa transparecer os bastidores. Sim, logo ali, onde podemos observar os artistas se maquiando, decorando textos que não compreendem, vestindo roupas anacrônicas, com odor de mofo e naftalina.
Querem acreditar nesta realidade ou na de Chaplin? Escolham.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

HIPÓCRITA.



"Ninguém pode, por muito tempo, ter um rosto para si mesmo e outro para a multidão sem ao final confundir qual deles é o verdadeiro." (N. Hawthorne, in: A letra escarlate) 

Ser hipócrita, segundo A. Comte-Sponville, em seu Dicionário Filosófico,  é "querer passar pelo que não é, a fim de tirar proveito" (p.276).  Não por vaidade ou outro sentimento qualquer, mas por puro cálculo e envolvendo interesse, não para imitar os que admiramos, mas para menosprezar a quem odiamos.
A hipocrisia, continua o filósofo, é uma má fé lúcida e interesseira - ela quer provocar um dano, um prejuízo, ainda que apenas no plano moral.
Comentário. De fato, a hipocrisia exige um momento de rara lucidez, mas não aquela lucidez positiva, crítica. Ela tem origem numa lucidez reativa. Como aquele indivíduo, que abre diariamente a página de seu provedor de internet, repleto de nudez semi-pornográfica (porque a pornografia é o nu objetivado em mercadoria) e até então tudo se passa como se tudo fosse natural; ocorre que um determinado momento, posterior, ele identifica, na aparência, uma semelhança de formas - daquelas formas pornográficas - em algum outro círculo social que não o dele; neste momento ele ganha consciência de sua própria cupidez, mas é justamente neste momento que sua catarse será revertida em negatividade, isto é, em reação negativa - não passiva, mas negatividade contundente. E virá o momento da hipocrisia - o de apontar, nos outros, aqueles mesmos defeitos que possui e transformá-los em defeito moral dos outros. Defeito moral em aparência, vamos repetir, pois trata-se de uma ação reflexiva - isto é, oriunda do próprio sujeito hipócrita. Na prática, é aquele que comenta maldosamente sobre o decote da vizinha do apartamento ao lado, a saia justa demais da outra, etc., isso para ficar apenas naqueles aspectos que envolvem a nudez, como vimos. Qual o objetivo do malvado? Depreciar, diminuir o valor. Por quê? Por que talvez a vizinha o tenha desprezado, não riu de uma piadinha sua, etc. Mas o hipócrita transforma isso num evento em que ele obtém um ganho, de respeitabilidade, de crédito. Na próxima reunião de condomínio sua palavra terá maior peso do que aquele, ou aquela, a quem o hipócrita denegriu naquele meio. Enfim, esse é cálculo final. O hipócrita retornará às suas atividades de concupiscência banal diária, pois não será a consciência disso, nem de seus atos antiéticos, que o farão mudar.  É ligeiro e rasteiro, mas é assim que funciona na vida social, pois há quem dê crédito ao hipócrita. É assim que funciona, ainda mais, na vida política. Exemplos não faltam todos os dias. Mas há quem dê crédito aos hipócritas.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Os problemas atuais da ALIMENTAÇÃO HUMANA – sugestão de documentários
Gostaria de indicar aqui alguns documentários a que assisti recentemente, relacionados aos problemas da alimentação e da indústria alimentar. Assim, os comentários são apenas um indicativo, não uma resenha exatamente, visando estimular a iniciativa de reflexão sobre o assunto apresentado nessas produções. A seguir, os documentários na sua ordem cronológica de produção; ao final, acrescento um filme de ficção como sugestão sobre o assunto e  acredito seja de bastante interesse para o tema.

Super size me. 2004, EUA - Dir. Morgan Spurlock
Filme que demonstra os efeitos de uma alimentação baseada em carbohidratos de fast-food. O autor e ator se submeteu a essa dieta por 30 dias e ao final surgiram vários problemas de saúde. O mais impressionante é a velocidade com que os problemas aparecem. Evidentemente, ninguém faz suas refeições em fast-food por 30 dias seguidos (ainda), mas a experiência é uma demonstração de como uma dieta assim, com alguma frequência, pode levar o indivíduo a "contrair doenças" rapidamente - de várias ordens: pressão, níveis altos de colesterol, só para começar.
Há um tema subjacente não discutido no documentário: e quando não estamos comendo no fast-food, estamos nos alimentando bem? De nada adianta nos distanciarmos das lanchonetes se comemos "junk food" em casa - salgadinhos, comida pronta, enlatados, refrigerantes, etc. Questões: estamos evitando tudo isso? quais os níveis seguros de consumo? é melhor evitar totalmente?
Questões para um outro documentário. Mas este já nos faz pensar bem sobre efeitos decorrentes de uma dieta baseada nestes carbohidratos que, ressalte-se isso, não são todos iguais.

A carne é fraca – 2005, BRA - Dir. Denise Gonçalves; roteiro Nina Rosa Jacob
Documentário produzido pelo Instituto Nina Rosa; um dos entrevistados é o jornalista Washington Novaes. O vídeo ilustra como a produção de carne cria um forte e destrutivo impacto no meio ambiente. Ao mesmo tempo demonstra as consequências da dieta de carne sobre a saúde humana. 

Comida S/A – 2008, EUA - Dir. Robert Kenner
Esse documentário tem por base muito do que foi desenvolvido no livro "O Dilema do Onívoro", Michael  Pollan, contando inclusive com sua consultoria para a produção do roteiro.
Este documentário deixa claro que a comida do tipo fast-food não diz respeito somente às lojas de hambúrguer, mas a todo tipo de alimento processado industrialmente e de pronto uso. Por meio dos supermercados esse tipo de comida é comercializado. Estamos tão acostumados a esse modelo de comércio que não conseguimos vislumbrar outro modo de obter alimentos. Nos supermercados a comida está à pronta disposição e em abundância e variedade. Mas que tipo de comida? A maior parte não natural. Aprofundando-se na pesquisa da composição desses alimentos, encontraremos um produto em comum: o milho. O processamento desse produto resulta em amido de milho e goma, matéria-prima para uma multiplicidade de alimentos que vai do refrigerante, bolos, doces e salgados (petiscos), biscoitos, massas e até molhos e condimentos. Os produtos naturais, produzidos longe das cidades, ficam caros e mais escassos; são preteridos pelas comidas industrializadas.
O gado confinado é também abordado no filme. O confinamento é um modelo de produção cruel para os animais. No documentário fica manifesto o sofrimento dos animais, embora as imagens não sejam exploradas intensamente, nem dramaticamente. O drama dos animais é notadamente perceptível. Pouco ou nenhum espaço, alimentação exógena à natureza do animal (milho é a base), são os ingredientes para uma criação que está sempre exposta a contrair doenças. Daí o emprego maciço de antibióticos, para que o animal fique vivo. Mas isso não impede o surgimento de bactérias resistentes. Quando essa carne vai para o processamento industrial, ela é tratada com um produto à base de amônia, que tenta eliminar essas bactérias.
Há muitos outros aspectos  da indústria alimentar abordados no filme, como por exemplo, a dependência cada vez maior do fazendeiro com relação aos subsídios governamentais. Para produzir mais milho, os fazendeiros recebem empréstimos com juros irrisórios. Compra-se máquinas, equipamentos e insumos. A produção aumenta, mas o preço de venda do grão não é garantido. Pelo contrário, com o aumento da produção o preço do milho cai. Os lucros não são suficientes, assim, para pagar o que foi contraído de dívida. Os fazendeiros contraem mais empréstimos, tornando-se cada vez mais endividados. É a "praga do milho barato", como Michael Pollan enuncia em seu livro. A questão do milho transgênico da Monsanto e suas táticas de imposição desse grão também é discutida.
Enfim, o que temos ao final é uma comida inapropriada e que traz inúmeros problemas de saúde, sendo um deles a obesidade, que por sua vez acarreta outros males de difícil tratamento. Os custos para o poder público aumentam. As classes mais pobres são mais afetadas, pois são as que compram esse tipo de comida - mais acessível e mais barata.
Há um contraponto. No documentário é apresentada a fazenda Polyface, modelo proposto por seu proprietário como o oposto da indústria alimentar. Nessa fazenda os animais, vegetação e homem, interagem e são obedecidos os seus ciclos naturais. Revezamento de terras, gado que pasta e se alimenta de grama, galinhas criadas com acesso à luz natural, etc. A fazenda é uma exceção, um modelo que funcionou no passado e que agora se nos coloca como uma utopia.

O lado negro do chocolate.2010, Dinamarca - Dir. Miki Mistrati e U. Roberto Romano
Este documentário tem como tema principal o trabalho escravo de crianças. Grandes empresas da indústria do chocolate, entre elas a Nestlé, não reconhecem que esse tipo de mão-de-obra é empregada na produção de cacau - matéria-prima para o chocolate, especialmente o vendido na Europa. O tráfico de crianças para esse tipo de trabalho é realizado com a condescendência ou leniência dos governos envolvidos, tanto de um lado como de outro. As crianças são traficadas em Mali para trabalho na Costa do Marfim, um dos grandes produtores de cacau. Entrevistas com crianças e câmeras escondidas foram as técnicas que permitiram a realização do filme.
Embora não esteja associado diretamente ao problema da alimentação, o documentário revela uma faceta do comportamento da indústria alimentar: ela é irresponsável com relação à totalidade da cadeia produtiva; enquanto houver lucros, nada é questionado e se ninguém levantar nenhuma questão, nada é investigado ou inspecionado.

Muito além do peso, 2012 - BRA - Dir. Estela Renner
Esse aborda, além dos problemas do peso causado pelo consumo de produtos industrializados, a relação entre o consumidor e a propaganda, demonstrando como o marketing atua massivamente e dirigido às crianças. Um documentário bem completo, que abrange vários aspectos com relação ao problema da obesidade, embora não aprofunde muito em cada um. Podemos mencionar, entre outros:
·         influência desleal da indústria de alimentos e bebidas em decisões do governo;
·         falta de educação nutricional;
·         excesso de produtos processados na merenda escolar;
·         falta de políticas públicas para prática de atividades físicas;
·         quantidade de horas gastas em frente à TV;
·         dificuldade de acesso a alimentos mais saudáveis (naturais e frescos);
·         questão dos rótulos nos produtos, cujos ingredientes verdadeiros são escamoteados pelas grandes empresas.

Superalimentado – Açúcar. 2014, EUA - Dir. Stephanie Soechtig
Documentário pouco conhecido entre nós, apresenta os problemas relacionados à ingestão do açúcar. O mérito é demonstrar como esse problema é mundial e até que ponto estamos dependentes do açúcar, tanto física, como economicamente. Fisicamente pela ingestão exagerada, pois há açúcar em tudo, em todos os produtos e na maior parte disfarçadamente - o que nos leva ao vício do açúcar. Economicamente pela rede de indústrias que empregam o açúcar em seus produtos, seja como produto principal ou componente. Os investimentos e lucros em torno do açúcar alcançaram níveis extraordinários. Enfim, a ingestão de açúcar é equiparada a uma epidemia - difícil de se controlar e difícil de tratar.

Nação Fast-food (Fast Food Nation). EUA, UK, 2006. Dir. Richard Linklater.
Se não entendermos como uma mera ficção, o valor do filme é apresentar o funcionamento da cadeia produtiva de uma rede de lanchonete fast-food, bem como os problemas (e soluções) que envolvem o negócio. Todas as partes envolvidas no sistema, ou que lutam contra ele, estão representadas, inclusive o ponto de vista do consumidor.
Uma observação quanto ao subtítulo em português: "uma rede de corrupção". Nada como uma simples frase para tentar enganar o espectador. Quer dar a entender que o filme é uma simples ficção, tendo como pano de fundo uma rede de lanchonete. Corrupção? Ora, não há ninguém corrupto o se corrompendo no filme. O processo produtivo é realizado daquela forma mesma, dentro dos padrões legais permitidos. O que ocorre na verdade é que esses padrões legais, especialmente na área de alimentação, são muito flexíveis. Essa indústria conta com muito poder, influência, dinheiro e advogados. Estratégias para envolver o consumidor restam sem limites dentro desse universo.
Voltando à questão do subtítulo, não seria essa a primeira vez que tal ordem de coisas ocorre. Títulos de filmes em português são questionados já há algum tempo. Na minha memória o melhor - ou pior - exemplo, é o filme de Sidney Lumet, "Network", de 1976 - aqui traduzido e apresentado como "Rede de intrigas". À época o público talvez tenha sido apanhado mais desprevenido quanto a essas traduções, pois lembro-me de que muitas pessoas não associavam o filme a nenhum aspecto da realidade das redes de televisão. Ora, a imprensa e a TV ainda eram veículos inquestionáveis de difusão da informação e portanto da verdade. Pouca gente relacionava aquelas questões com problemas relativos aos fatos e às versões. O que se noticiava era um fato. Ponto. Esse debate ficou para as décadas seguintes, quando algumas questões factuais ficaram mais claras com relação às versões apresentadas pela imprensa. De qualquer forma, talvez o título não tenha influenciado tanto assim, ou talvez nada. Mas serviu para esmaecer qualquer ponta de desconfiança. E não quer dizer também que o título tenha sido criado justamente para isso. Mas no mundo das comunicações nada é inadvertido. Certamente que não.
Enfim, uma obra de ficção nunca é algo criado sem uma realidade subjacente, por mais fantasiosa que seja a obra. A verossimilhança vai depender da proposta do autor e de sua capacidade técnica para reproduzi-la.