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sexta-feira, 31 de março de 2017

O Que Está Por Vir (L'Avenir), 2016, Dir. Mia Hansen-Løve. Crítica.

    O Que Está Por Vir (L'Avenir), 2016, Dir. Mia Hansen-Løve
    Sinopse:
    Nathalie (Isabelle Huppert) é professora de filosofia, tem dois filhos que pouco vê e um marido também docente, seu companheiro há 25 anos. Entre trocas de ideias com o pupilo anarquista, ligações insistentes da mãe solitária e piquetes de alunos, ela leva uma vida tranquila. Mas tudo está para mudar.

    Comentário.
    O que este filme talvez nos mostra é que as mudanças que se dão no mundo também nos alcançam, independente de nossa atitude mais ou menos ativa nele.
    Providencial que a protagonista seja uma professora de filosofia. Bom exemplo para refletir sobre a vida ativa e a vida contemplativa (de acordo com Aristóteles). A despeito de trabalhar como professora - dar aulas, corrigir provas e escrever livros - Nathalie leva uma vida absolutamente contemplativa. E bem burguesa, diga-se de passagem. As leituras não levam a ação; pelo contrário, levam à refração de qualquer atividade mais política ou engajada. Mas as coisas começam a mudar: divórcio, separação de bens, uma amizade com um jovem, a quebra de contrato com a editora, os protestos dos alunos frente às mudanças na previdência, a mãe doente, e um neto. Tudo isso agora "empurrando" a personagem para a ação, levando-a à atividade. Em cada círculo, uma reflexão prática, se podemos dizer assim: o divórcio: sair da relação acomodada, já que o marido, Heinz, comporta-se como apenas um colega de profissão; a amizade com Fabien: sair da acomodação contemplativa, dado que Fabien é um "ativista" e acredita numa alternativa social ao mundo capitalista; o trabalho na editora: sair da relação economicamente cômoda, pois é evidente que é o trabalho de escrever livros é que completa a renda; a mãe: sair da relação de filha, já que é obrigada a dar atenção cada vez maior à mãe, pois o estado social de bem-estar recua cada vez mais (lembrar da parte dos bombeiros); o neto: entrar na relação de avó, numa espécie de nova maternidade, um cuidado com a nova geração, pois o mundo é uma interrogação...
    O contexto do filme são as mudanças da França sob Sarkozy, o avanço neoliberal - momento que estão se discutindo as reformas previdenciárias, inclusive. Os alunos da professora querem fazer greve, em protesto às mudanças - mas o movimento está dividido. A professora nem quer tomar conhecimento. Está imersa em seu mundo contemplativo. Mas esse comportamento começa a se alterar com as próprias mudanças em seu meio - trabalho, família, amizade. Então, o que fazer? Acredito que seja essa reflexão que a diretora do filme quis que fízessemos. Por isso mesmo a trama não foi totalmente acabada; o filme termina em suspensão; os fios estão soltos para que nós mesmos façamos seu cerzimento. Não por acaso a filósofa embala um nenê, seu neto, uma promessa de futuro. É preciso ter esperança nas novas gerações.

    P.S.: A tradução melhor para L´Avenir talvez seja "o porvir", como o futuro. "O que está por vir", no português, pode dar a ideia do que imediatamente está por vir, algo que aconterá mais próximo de nós - essa ideia é uma decorrência do verbo auxiliar "está", que não deveria ser usado para a tradução.  
     A crítica equivocada, na minha opinião, é a do Do AdoroCinema. Leia no link abaixo:

sexta-feira, 17 de março de 2017

A Reforma na Educação e o movimento ESP

    -- Ou: como nos transformar em estúpidos sendo tolos

    Es.tú.pi.do. adjetivo. 1. Sem inteligência, sem discernimento (projeto estúpido, indivíduo estúpido). 2. Sem ação, transtornado, atacado de estupor: "Notei o pasmo com que meu pai ouviu, e fiquei de pedra, estúpido de dor, ao ouvir-lhe esta sentença..." (Camilo Castelo Branco, As três irmãs) 3. Que é excessivo ou insuportável: um calor estúpido o deixou exausto. 4. Bras. Que demonstra grosseria, brutalidade: Era muito estúpido com os subordinados. Substantivo masculino. 5.Indivíduo grosseiro, brutal: Estúpido aqui não tem vez, aqui vale a boa educação.[Aum.: estupidarrão] [F.: Do lat. stupidus.]
    Fonte: Dicionário Novíssimo  Aulete, Lexikon, 2011, p. 619.

    Este termo pode expressar uma "qualidade" - estupidez, mas também define uma patologia na ciência psicanalítica:
    Estupidez. (...) Limitação nos processos ideativos e na capacidade de julgar.
    Fonte: GALIMBERTI, Umberto. Dicionário de Psicologia. São Paulo, Loyola, 2010 (1992). p. 472

    Sendo um adjetivo ou uma patologia, o termo parece bem referir aqueles que sairão formados das escolas se a ideia do Escola sem Partido vingar e uma tal legislação desse tipo vigorar. A MP (medida provisória) da Reforma da Educação, convertida agora em Lei ( Nº 13.415, DE 16 DE FEVEREIRO DE 2017), nada mais é que um atendimento às reivindicações gerais da ESP e um preparo para reformas baseadas em seus pressupostos. Quem se dispuser a ler atentamente a lei e conhecer um pouco da LDB poderá perceber as contradições, pois se aplicada, a nova lei esfacela o ensino de humanidades. Obviamente, ao diminuir a grade e oferecer disciplinas como optativas, haverá diminuição de profissionais alocados para essas áreas. O que, por sua vez, fará com que se diminua a procura destas disciplinas por parte dos alunos. Um ciclo redutor entre oferta e procura, levando a um esvaziamento no ensino delas.

    Isso sem mencionar que a Lei quer promover mudanças sem que a base material necessária esteja pronta. Aumento da carga horária exige mais escolas. Os governos estaduais estão fechando escolas. Querem diminuir o teto de gastos, que incluirá os com a educação. Como será promovida tal reforma na educação, em termos práticos?
    Como se diria popularmente, no papel suportam-se todas as ideias. Mas parece que estamos vendo algo  típico do nacional ao adotar as boas intenções primeiro para depois observar o que sucede na prática. Resultado: muda aquilo que pode mudar, em termos práticos imediatamente; o resto, virá (espera-se) depois. E o que se pode mudar imediatamente é a base curricular, a BNCC, em sua grade. Ponto para o ESP, que quer nos tornar estúpidos, tanto qualitativamente quanto patologicamente, pois é assim que entendo em que transformarão as gerações futuras após tais mudanças. Formar para a profissão? Quais? Em quais condições? Se vão oferecer cursos técnicos a estrutura já está sendo providenciada, tais como laboratórios, etc? Alguma garantia de que esse cursos serão os mais modernos e adequados com as rápidas revoluções tecnológicas que se sucedem atualmente?

    Fontes na internet:

    Para saber um pouco mais, sugiro, além das fontes na internet, o seguinte livro:
    "A ideologia do movimento Escola Sem Partido. 20 autores desmontam o discurso." , São Paulo, Ação Educativa Ed., 2016.
    Em tempo.
    Segundo Deonísio da Silva, em seu "A vida íntima das palavras" (ed. Arx, 2002), do latim stupidu - admirado, "passou a significar tolo porque os muito bobos se espantam com tudo, dada a sua falta de conhecimento." (p.187)

domingo, 5 de março de 2017

Só porque é bem feito, não quer dizer que é bom. Crítica do filme Ave, César, 2016, Dir. Joel e Ethan Coen

Só porque é bem feito, não quer dizer que é bom.
Crítica do filme Ave, César. EUA/R.Unido, 2016, Dir. Joel e Ethan Coen



Direção: Joel CoenEthan Coen
Sinopse. Hollywood, anos 1950. Edward Mannix (Josh Brolin) é o responsável por proteger as estrelas do estúdio Capitol Pictures de escândalos e polêmicas e vive um dia intenso quando Baird Whitlock (George Clooney), astro da superprodução Hail, Caesar!, é sequestrado no meio das filmagens por uma organização chamada "Futuro". (retirado de <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-225859/>)

Comentário.
Um filme no mínimo duvidoso dos irmãos diretores. Trata-se de uma crítica à Hollywood? Ou uma apologia? Ou nada disso? Mas é bem curioso como ele apresenta as personagens-tipo em seu filme, sempre no tom irônico que beira o sarcasmo:
-atores: frágeis e suscetíveis, estão sempre precisando de uma ajuda para "brilhar";
-roteiristas: revoltados por se sentirem explorados, são eles que apoiam as ações da célula; estão envolvidos no rapto do ator;
-figurantes: gente que não é conhecida e, portanto, suspeita. Um grupo deles faz o rapto do ator principal de um filme que ainda está sendo filmado;
-críticos de cinema (ou os colunistas de fofocas): ácidos, mal-humorados, sempre à espreita de algo "podre" no reino da fantasia;
-produtor executivo: cuida de tudo, é homem bom; vai confessar-se ao padre; trabalha muito, não tem tempo para a família e mesmo assim é um bom marido; recusa um trabalho mais fácil e mais remunerado porque desconfia que é anti-ético. Ele é o verdadeiro "César", o menos caricato dos personagens.

Uma vez raptado, Whitlock, o ator principal do filme, cai numa "célula comunista" e é seduzido pelas ideias do grupo. Daí pode se imaginar os chavões e frases prontas que, evidentemente, são embaralhadas intencionalmente de modo tal a provocar confusão no público que assiste ao filme de verdade. Claro, a caricatura é para desqualificar. Por um golpe de sorte, o ator é resgato por um outro, que está ascendo no mundo do cinema. Na volta, Mannix, o produtor executivo aplica-lhe uma advertência e uma lição (física mesmo, dando-lhe uns tapas na cara e chamando-o à realidade, ou seja, ao trabalho). O produtor - o homem do dinheiro - não aparece. Mannix é o chamado produtor executivo, um gerente que cuida do estúdio e do andamento dos filmes.
Enfim, qual a mensagem do filme, se há alguma, pois os irmãos Coen gostam de passar a impressão de que não querem dizer nada? Hollywood é uma fábrica de sonhos, ninguém é explorado ali porque todos fazem, afinal, o que gostam de fazer. E a vida é assim, cada um no seu trabalho.
Simples demais, até mesmo para os irmãos Coen, que gostam de fazer filmes brincando com a teoria do caos.Há filmes bem melhores e mais complexos, mesmo produzidos em Hollywood (!), que tratam interessantemente o tema. Qual? Para ficar num antigo: o maravilhoso "Crepúsculo dos Deuses" (Billy Wilder, 1950), por exemplo. "Ah, mas os irmãos Coen fizeram apenas uma comédia". Então no mesmo enredo há o incomparável "Dançando na Chuva" (Stanley Donen, 1952) - uma crítica ácida, cheia de ironia fina e muito bem escrita sobre Hollywood, que é sim, uma indústria.

O que salva no filme. George Cloney. Faz perfeitamente o papel de ator ingênuo, suscetível na vida real, mas que na tela dos filmes aparece como corajoso, firme. Outra coisa que se salva no filme é a qualidade técnica da reprodução de cenas dos filmes antigos.
O que é falso. É apresentar tudo assim de modo tão caricato. Houve muitas revoltas de roteiristas em Hollywood, como sabemos (a última foi em 2007, organizada pelo sindicato, a WGA. Fonte: Wikipédia). Há motivo? Sim. Quem ler a biografia de Scott Fitzgerald sabe do que estamos falando (Meyers, Jeffrey -  Scott Fitzgerald, uma biografia). Precisando de dinheiro, Fitzgerald foi trabalhar como roteirista em Hollywood, recebendo uma remuneração baixa por semana, mas não era só isso que o atormentava mais. O que incomodava era o modo de trabalho a que era submetido: como numa linha de produção, os roteiros eram produzidos numa sala juntamente com outras dezenas de roteiristas, com horários fixos a cumprir. Os textos não eram necessariamente aproveitados, mas submetidos a uma seleção posterior. Ou seja, produção era em série, como em esteiras de fábricas fordistas.
Esse cinema um tanto cínico, sarcástico e de algum modo debochado está se tornando comum em Hollywood - não só, mas no cinema americano em geral. Fazer prevalecer o que há de pior no ser humano, sem maior aprofundamento ou complexidade, está se tornando típico de diretores  como os irmãos Coen e Tarantino, por exemplo. E sinto dizer, até mesmo diretores como Iñárritu, mas para isso há uma outra crítica que ainda estou para escrever. Sinceramente, sinto falta de diretores como Vincent Minelli, Victor Fleming, Otto Preminger e outros, só para ficar numa lista em que se produziu cinema comercial, mas de boa qualidade.  
O filme dos irmãos Coen finaliza por não conter uma ironia fina e de reflexão, a despeito de querer ser pretensamente sutil. Não é realista. É cômico, mas com humor sarcástico e debochador. Quer vender uma realidade exagerada na forma e fraca no conteúdo. O filme dos Coen não faz jus aos filmes da época que retratou. Nem um pouco.