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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Os problemas atuais da ALIMENTAÇÃO HUMANA – sugestão de documentários
Gostaria de indicar aqui alguns documentários a que assisti recentemente, relacionados aos problemas da alimentação e da indústria alimentar. Assim, os comentários são apenas um indicativo, não uma resenha exatamente, visando estimular a iniciativa de reflexão sobre o assunto apresentado nessas produções. A seguir, os documentários na sua ordem cronológica de produção; ao final, acrescento um filme de ficção como sugestão sobre o assunto e  acredito seja de bastante interesse para o tema.

Super size me. 2004, EUA - Dir. Morgan Spurlock
Filme que demonstra os efeitos de uma alimentação baseada em carbohidratos de fast-food. O autor e ator se submeteu a essa dieta por 30 dias e ao final surgiram vários problemas de saúde. O mais impressionante é a velocidade com que os problemas aparecem. Evidentemente, ninguém faz suas refeições em fast-food por 30 dias seguidos (ainda), mas a experiência é uma demonstração de como uma dieta assim, com alguma frequência, pode levar o indivíduo a "contrair doenças" rapidamente - de várias ordens: pressão, níveis altos de colesterol, só para começar.
Há um tema subjacente não discutido no documentário: e quando não estamos comendo no fast-food, estamos nos alimentando bem? De nada adianta nos distanciarmos das lanchonetes se comemos "junk food" em casa - salgadinhos, comida pronta, enlatados, refrigerantes, etc. Questões: estamos evitando tudo isso? quais os níveis seguros de consumo? é melhor evitar totalmente?
Questões para um outro documentário. Mas este já nos faz pensar bem sobre efeitos decorrentes de uma dieta baseada nestes carbohidratos que, ressalte-se isso, não são todos iguais.

A carne é fraca – 2005, BRA - Dir. Denise Gonçalves; roteiro Nina Rosa Jacob
Documentário produzido pelo Instituto Nina Rosa; um dos entrevistados é o jornalista Washington Novaes. O vídeo ilustra como a produção de carne cria um forte e destrutivo impacto no meio ambiente. Ao mesmo tempo demonstra as consequências da dieta de carne sobre a saúde humana. 

Comida S/A – 2008, EUA - Dir. Robert Kenner
Esse documentário tem por base muito do que foi desenvolvido no livro "O Dilema do Onívoro", Michael  Pollan, contando inclusive com sua consultoria para a produção do roteiro.
Este documentário deixa claro que a comida do tipo fast-food não diz respeito somente às lojas de hambúrguer, mas a todo tipo de alimento processado industrialmente e de pronto uso. Por meio dos supermercados esse tipo de comida é comercializado. Estamos tão acostumados a esse modelo de comércio que não conseguimos vislumbrar outro modo de obter alimentos. Nos supermercados a comida está à pronta disposição e em abundância e variedade. Mas que tipo de comida? A maior parte não natural. Aprofundando-se na pesquisa da composição desses alimentos, encontraremos um produto em comum: o milho. O processamento desse produto resulta em amido de milho e goma, matéria-prima para uma multiplicidade de alimentos que vai do refrigerante, bolos, doces e salgados (petiscos), biscoitos, massas e até molhos e condimentos. Os produtos naturais, produzidos longe das cidades, ficam caros e mais escassos; são preteridos pelas comidas industrializadas.
O gado confinado é também abordado no filme. O confinamento é um modelo de produção cruel para os animais. No documentário fica manifesto o sofrimento dos animais, embora as imagens não sejam exploradas intensamente, nem dramaticamente. O drama dos animais é notadamente perceptível. Pouco ou nenhum espaço, alimentação exógena à natureza do animal (milho é a base), são os ingredientes para uma criação que está sempre exposta a contrair doenças. Daí o emprego maciço de antibióticos, para que o animal fique vivo. Mas isso não impede o surgimento de bactérias resistentes. Quando essa carne vai para o processamento industrial, ela é tratada com um produto à base de amônia, que tenta eliminar essas bactérias.
Há muitos outros aspectos  da indústria alimentar abordados no filme, como por exemplo, a dependência cada vez maior do fazendeiro com relação aos subsídios governamentais. Para produzir mais milho, os fazendeiros recebem empréstimos com juros irrisórios. Compra-se máquinas, equipamentos e insumos. A produção aumenta, mas o preço de venda do grão não é garantido. Pelo contrário, com o aumento da produção o preço do milho cai. Os lucros não são suficientes, assim, para pagar o que foi contraído de dívida. Os fazendeiros contraem mais empréstimos, tornando-se cada vez mais endividados. É a "praga do milho barato", como Michael Pollan enuncia em seu livro. A questão do milho transgênico da Monsanto e suas táticas de imposição desse grão também é discutida.
Enfim, o que temos ao final é uma comida inapropriada e que traz inúmeros problemas de saúde, sendo um deles a obesidade, que por sua vez acarreta outros males de difícil tratamento. Os custos para o poder público aumentam. As classes mais pobres são mais afetadas, pois são as que compram esse tipo de comida - mais acessível e mais barata.
Há um contraponto. No documentário é apresentada a fazenda Polyface, modelo proposto por seu proprietário como o oposto da indústria alimentar. Nessa fazenda os animais, vegetação e homem, interagem e são obedecidos os seus ciclos naturais. Revezamento de terras, gado que pasta e se alimenta de grama, galinhas criadas com acesso à luz natural, etc. A fazenda é uma exceção, um modelo que funcionou no passado e que agora se nos coloca como uma utopia.

O lado negro do chocolate.2010, Dinamarca - Dir. Miki Mistrati e U. Roberto Romano
Este documentário tem como tema principal o trabalho escravo de crianças. Grandes empresas da indústria do chocolate, entre elas a Nestlé, não reconhecem que esse tipo de mão-de-obra é empregada na produção de cacau - matéria-prima para o chocolate, especialmente o vendido na Europa. O tráfico de crianças para esse tipo de trabalho é realizado com a condescendência ou leniência dos governos envolvidos, tanto de um lado como de outro. As crianças são traficadas em Mali para trabalho na Costa do Marfim, um dos grandes produtores de cacau. Entrevistas com crianças e câmeras escondidas foram as técnicas que permitiram a realização do filme.
Embora não esteja associado diretamente ao problema da alimentação, o documentário revela uma faceta do comportamento da indústria alimentar: ela é irresponsável com relação à totalidade da cadeia produtiva; enquanto houver lucros, nada é questionado e se ninguém levantar nenhuma questão, nada é investigado ou inspecionado.

Muito além do peso, 2012 - BRA - Dir. Estela Renner
Esse aborda, além dos problemas do peso causado pelo consumo de produtos industrializados, a relação entre o consumidor e a propaganda, demonstrando como o marketing atua massivamente e dirigido às crianças. Um documentário bem completo, que abrange vários aspectos com relação ao problema da obesidade, embora não aprofunde muito em cada um. Podemos mencionar, entre outros:
·         influência desleal da indústria de alimentos e bebidas em decisões do governo;
·         falta de educação nutricional;
·         excesso de produtos processados na merenda escolar;
·         falta de políticas públicas para prática de atividades físicas;
·         quantidade de horas gastas em frente à TV;
·         dificuldade de acesso a alimentos mais saudáveis (naturais e frescos);
·         questão dos rótulos nos produtos, cujos ingredientes verdadeiros são escamoteados pelas grandes empresas.

Superalimentado – Açúcar. 2014, EUA - Dir. Stephanie Soechtig
Documentário pouco conhecido entre nós, apresenta os problemas relacionados à ingestão do açúcar. O mérito é demonstrar como esse problema é mundial e até que ponto estamos dependentes do açúcar, tanto física, como economicamente. Fisicamente pela ingestão exagerada, pois há açúcar em tudo, em todos os produtos e na maior parte disfarçadamente - o que nos leva ao vício do açúcar. Economicamente pela rede de indústrias que empregam o açúcar em seus produtos, seja como produto principal ou componente. Os investimentos e lucros em torno do açúcar alcançaram níveis extraordinários. Enfim, a ingestão de açúcar é equiparada a uma epidemia - difícil de se controlar e difícil de tratar.

Nação Fast-food (Fast Food Nation). EUA, UK, 2006. Dir. Richard Linklater.
Se não entendermos como uma mera ficção, o valor do filme é apresentar o funcionamento da cadeia produtiva de uma rede de lanchonete fast-food, bem como os problemas (e soluções) que envolvem o negócio. Todas as partes envolvidas no sistema, ou que lutam contra ele, estão representadas, inclusive o ponto de vista do consumidor.
Uma observação quanto ao subtítulo em português: "uma rede de corrupção". Nada como uma simples frase para tentar enganar o espectador. Quer dar a entender que o filme é uma simples ficção, tendo como pano de fundo uma rede de lanchonete. Corrupção? Ora, não há ninguém corrupto o se corrompendo no filme. O processo produtivo é realizado daquela forma mesma, dentro dos padrões legais permitidos. O que ocorre na verdade é que esses padrões legais, especialmente na área de alimentação, são muito flexíveis. Essa indústria conta com muito poder, influência, dinheiro e advogados. Estratégias para envolver o consumidor restam sem limites dentro desse universo.
Voltando à questão do subtítulo, não seria essa a primeira vez que tal ordem de coisas ocorre. Títulos de filmes em português são questionados já há algum tempo. Na minha memória o melhor - ou pior - exemplo, é o filme de Sidney Lumet, "Network", de 1976 - aqui traduzido e apresentado como "Rede de intrigas". À época o público talvez tenha sido apanhado mais desprevenido quanto a essas traduções, pois lembro-me de que muitas pessoas não associavam o filme a nenhum aspecto da realidade das redes de televisão. Ora, a imprensa e a TV ainda eram veículos inquestionáveis de difusão da informação e portanto da verdade. Pouca gente relacionava aquelas questões com problemas relativos aos fatos e às versões. O que se noticiava era um fato. Ponto. Esse debate ficou para as décadas seguintes, quando algumas questões factuais ficaram mais claras com relação às versões apresentadas pela imprensa. De qualquer forma, talvez o título não tenha influenciado tanto assim, ou talvez nada. Mas serviu para esmaecer qualquer ponta de desconfiança. E não quer dizer também que o título tenha sido criado justamente para isso. Mas no mundo das comunicações nada é inadvertido. Certamente que não.
Enfim, uma obra de ficção nunca é algo criado sem uma realidade subjacente, por mais fantasiosa que seja a obra. A verossimilhança vai depender da proposta do autor e de sua capacidade técnica para reproduzi-la.