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sábado, 12 de novembro de 2022

Custo Bras(z)il. Parte II.


Vimos em artigo meu anterior que aqueles que acusam o país (ou o Governo) de possuir um "elevado custo" para investimentos justificam suas asserções pela suposta alta carga tributária e alto custo do trabalho. Mas percorrendo alguns gráficos, abaixo, verificamos que o Brasil não está entre as cargas de impostos mais elevadas, nem entre os maiores salários do mundo. Por outro lado, o PIB já esteve entre os 10 maiores. Portanto, não seria por falta de riqueza ou devido à carga tributária a justificar os baixos salários.

 


Comparemos dois gráficos, a seguir.

 

1.




2.



A carga tributária brasileira que incide sobre Bens e Serviços está entre as quatro maiores, considerando a média da OCDE; enquanto que  os tributos que incidem sobre a folha de pagamentos (a parte que os patrões deveriam pagar) está abaixo dessa média. Então este problema está descartado para os empregadores. Ou para boa parte deles, pois talvez o problema esteja na assimetria da carga tributária.

Bem, então quem “sustenta o governo" (o Estado, na verdade)?  Vejamos a tabela a seguir exposta no gráfico 3.

 

3.



 

Observe-se, pelo Gráfico 3 acima, que Renda e Folha de Salários, bem como Bens e Serviços são as maiores contribuições. Ou seja: a arrecadação maior incide sobre quem paga e quem recebe salários; e sobre quem compra as coisas -- bens de consumo e serviços. Um mísero sem teto, ao se alimentar com um café e pão com manteiga, paga imposto! Propriedade (riqueza) e transações financeiras (em especial as especulativas) contribuem com menos, muito menos, para sustentar o Estado, que deveria devolver, na aplicação do orçamento, em serviços públicos tais como saúde (no atendimento universal de qualidade) e educação (idem, mas no intuito de desenvolver os potenciais individuais e as habilidades inatas de cada um). Também teria que devolver em segurança -- mas mesmo esta, a despeito dos altos dispêndios, não está garantida aos de classe e renda mais baixa. Pelo contrário, o investimento em área de segurança reflete apenas em mais insegurança a estas camadas “inferiores”. Mas isso é outra história: o outro lado da execução do orçamento. As grandes empresas, inclusive bancos, escapam mais facilmente aos tributos do que as pequenas empresas; e se evadem de todas as formas (quando não . Portanto, quem sustenta o país são trabalhadores e empregadores de empresas médias para baixo. Em resumo, pagam a conta: capital produtivo e o trabalho. Pequenos produtores, sejam industriais ou rurais, são obrigados a entregar sua produção ao amplo mercado, praticamente dominado por grandes varejistas, bem como os produtores de commodities vendem sua produção a grandes grupos financeiro-exportadores [1]. Não estamos falando ainda em custo de infraestrutura. Este é outro grande "gargalo", como se antes se dizia,  que impede o setor produtivo de se desenvolver e ampliar sua oferta. Não é o único problema, evidente, pois ainda encontramos pela frente o alto custo do crédito, resultante do monopólio financeiro que enfrentamos por aqui.

Some-se tudo isso (e algo mais) e teremos o verdadeiro Custo Brazil. Com Z. Assim mesmo.

 

Vejamos outros dados. O Brasil é 30º colocado em termos de salário mínimo [2], abaixo de Costa Rica, Chile e Colômbia! Em termos de média de salários não melhoramos. Ficamos muito abaixo de países desenvolvidos e até mesmo bem subdesenvolvidos [3], tipo Botsuana, Malásia, Belarus, Romênia, Bahrein, Panamá e Ilhas Maurício... Alguns economistas destacam, considerando a macroeconomia, a “armadilha da renda média”:

 

A “armadilha da renda média” refere-se às dificuldades enfrentadas pelos países que atingiram um certo nível de desenvolvimento e renda ao fazer a transição estrutural para uma economia que pode aumentar a renda nacional de forma sustentável. [4]

 

A renda média fica estagnada num patamar e não há meio de avançar, é isso. Em outras palavras, o país não encontra meios de desenvolver, economicamente, e a renda média não aumenta em razão disso. E os fatores que implicam essa estagnação não estão nas alegações clássicas e neoliberais de que os impostos são elevados e os salários são altos e/ou a folha de pagamento tem um alto custo:

 

...políticas de longo prazo para promover o crescimento do emprego e da renda, combinadas com políticas industriais, científicas e tecnológicas, são importantes para cruzar a “armadilha da renda média” e alcançar o desenvolvimento sustentável. [idem]

 

E nem estamos falando ainda sobre distribuição de renda e riqueza, que poderia provocar impacto positivo sobre o investimento...

 

Portanto, antes da reclamação da quantidade ou volume dos impostos, reflita bem sobre os gráficos e a tabela acima, comparando e medindo com nossa posição no mundo em termos salariais -- e refaça a pergunta: quem são os que não pagam imposto? Ou: quem é que afinal paga imposto demais?

 

 

Fontes:

[1] DOWBOR, Ladislau. A Era do Capital Improdutivo. São Paulo: Autonomia Literaria, 2017.

[2] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/10/salario-minimo-no-brasil-e-o-segundo-menor-entre-31-paises-mostra-ocde.shtml#:~:text=Segundo%20o%20ranking%2C%20o%20Brasil,com%20US%24%2012%2C2.

[3] https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2012/03/120329_salario_include_jp

[4] https://monitormercantil.com.br/como-atravessar-a-armadilha-da-renda-media/

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Custo Bras(z)il - Parte I


Fala-se muito em "Custo Brasil". Uma definição que não é econômica, visto que pouco demonstrável.  Dimensionar o custo para abrir ou fechar empresas não pertence à ciência econômica — nem à economia política, nem à macroeconomia. Desconheço os meandros da microeconomia, mas a isso também não pertence, por exclusão. O que importa aqui para nós é desconstruir esse termo, muito mais um sintagma ideológico (no puro sentido) que um conceito ou definição. Trata-se de uma construção semiótica, uma manipulação simbólica dos dois termos que, unidos e apropriadamente empregados pela imprensa, vendem uma ideia totalmente invertida da triste realidade brasileira — a dos pobres, claro. E esse "marketing" é um sucesso em termos de efetividade comunicacional e sociológica, dado que afeta os comportamentos individuais em massa, tornando as ações do coletivo uma reação contra si mesmo a ponto de ajudar alcançar as metas que se escondem aí — que são aquelas ditas por todo o lado: Estado mínimo, etc.

Nosso objetivo aqui não é fazer demonstrações exaustivas de economia, mas apontar para a contradição — em cada ponto — e desconstruir o sintagma e expor a manipulação, num sentido amplo.

 

Vamos ver como isso se apresenta.

 

Segundo o Portal da Indústria:

 

"Custo Brasil é a expressão usada para se referir a um conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas, trabalhistas e econômicas que atrapalham o crescimento do país, influenciam negativamente o ambiente de negócios, encarecem os preços dos produtos nacionais e custos de logística, comprometem investimentos e contribuem para uma excessiva carga tributária. A estimativa é que o Custo Brasil retire R$ 1,5 trilhão por ano das empresas instaladas no país, representando 20,5% do Produto Interno Bruto (PIB). "

 

Prestem atenção à definição: "conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas, trabalhistas e econômicas...". Quer dizer, é o país inteiro errado, já que as dificuldades vão desde a estrutura até a economia! Isso é amplamente repercutido nos órgãos de  Imprensa, por meio de jornalistas, colunista e agora... influencers!

 

"Estima-se" que "o Custo Brasil retire R$ 1,5 trilhão por ano das empresas instaladas no país...". Pergunta-se: em que base é realizado esse cálculo? Isso é algo obscuro. Mas eles indicam o seguinte [1]:

 

1. Sistema tributário complexo e com carga elevada

2. Custo do capital elevado

3. Legislação trabalhista

4. Educação de baixa qualidade

5. Infraestrutura inadequada (transporte, energia, saneamento, telecomunicações)

6. Insegurança jurídica e burocracia excessiva (em diversas áreas: relações de trabalho, meio ambiente, tributos, regulação econômica, comércio exterior)

7. Ineficiência do Estado

8. Saúde e segurança pública de baixa qualidade

9. Desequilíbrio fiscal

 

Pergunta-se de novo: o critério adotado para cada uma dessas coisas é algo assente, pacífico? Provável? Item por item, pode-se demonstrar, são todos muito discutíveis. Mas estes pontos tornam-se assentes, ou aceitáveis, por uma operação comunicacional muito bem sucedida.

 

Nossa carga tributária é elevada?

Porém estamos atrás de muitos outros países... mais ou menos desenvolvidos. O economista Victor Young [2] escreve em seu site:

 

"A Alemanha e a Itália, que também têm economias maiores do que a do Brasil, registram cargas tributárias de 38,2% e 42,1% respectivamente. Neste conjunto, apenas 9 países tem uma carga tributária menor do que 33%."

 

A do Brasil é de 33,1 [Gráfico 1, site Unicamp]. E quanto ao "complexo sistema tributário" jaz aqui uma bravata, pois qualquer empresa, mesmo a mais simples, pode ter um consultor, contabilista ou advogado tributário, a fim de cuidar do recolhimento dos impostos. Fiquemos por aqui, por enquanto.

 

Mas antes de finalizar o assunto e ficar por aqui, vamos nos introduzir ao estudo de um verdadeiro (!) "Custo Brasil". Ou "Custo Brazil", melhor dizendo. Vamos a ele.

 

Segundo o site do economista Ladislaw Dawborg [3]:

 

"O Economist de 13 de dezembro de 2018, na reportagem “Jair Bolsonaro must tackle Brazil´s soaring pensions spending” apresenta o nosso novo ministro da Economia: “Paulo Guedes, who studied at the University of Chicago and co-founded BTG Pactual, Brazil’s foremost home-grown investment bank”. Portanto, universidade de Chicago, onde se formaram os chamados “Chicago boys” que apoiaram ditaduras e desastres sociais por onde passaram. E no Brasil, co-fundador do Banco BTG Pactual."

(...)

"O que o Pactual faz mesmo é wealth management, ou seja, gestão de fortunas, trabalhando com o que se chama internacionalmente High Net Wealth Individuals, ajudando os muito ricos a ganhar mais dinheiro com dinheiro. E assegura também a intermediação financeira para empresas que buscam “otimizar” os seus fluxos financeiros, na linha do asset management. No conjunto, trata-se de otimizar os ganhos financeiros dos mais ricos. Não se trata, evidentemente, de desenvolver atividades produtivas, pelo contrário, trata-se de drená-las."

(...)

"É útil lembrar que segundo o Tax Justice Network de Londres, em 2012, o Brasil tinha 519,5 bilhões de dólares em paraísos fiscais, equivalentes a cerca de dois trilhões de reais, um estoque que representa, como ponto de referência, quase um terço do PIB do país"

 

Pergunta-se: como afirmar que temos um "custo elevado do capital" com uma evasão de divisas dessa monta? Já não seria um capital formado ou excedente? Se sim, como saberemos qual o seu custo? Então: o cálculo em 1) e em 2) estão "furados". Estes capitais seriam importantes para realizar inversões diretas na economia, ainda mais em uma potencialmente promissora, como é a do Brasil, com toda certeza. Aposto nisso, pois temos o mais importante: uma mão-de-obra muito poderosa e um povo trabalhador e criativo. Esse é o segredo de qualquer riqueza de um país.

 

Quem paga por essa evasão? Esse dinheiro não foi tirado do nada. É um capital que foi gerado aqui e foi para fora. Se toda riqueza vem do trabalho, como afirmava o grande Adam Smith, então esse dinheiro é fruto de sangue e suor. Ou seja, muita exploração da classe que trabalha ou que trabalhou para gerar essa riqueza que vai embora. Ainda que seja oriunda da especulação financeira. 

 

Então retomemos: o custo Brasil retira 1,5 trilhão das empresas, como afirma o site do portal da indústria? Ou será que esse valor é justamente o montante que é evadido do país? Onde está o custo? no Brasil ou no Brazil? Muitos economistas afirmam que essa riqueza vai embora justamente devido à carga tributária alta. Mas já apontamos para o Gráfico 1, que demonstra que a história não é bem essa. Então, em breves linhas, fica demonstrado que nem a carga tributária, nem o custo do capital são elevados. Pelo contrário, ele é exportado justamente porque facilmente obtido.

 

E segue o fato que o país — bem como quem trabalha, de verdade  — empobrece, dado que a sonegação de imposto influi na baixa arrecadação fiscal. Esse dinheiro é exportado por meio de sistemas facilitados aos exploradores (podem chamar de investidores... ou até de um nome mais apropriado para quem se vale do resultado alheio...), tais como as contas CC5, que permitem o envio de dinheiro por meio de "empresas" off shore [4], criado nos anos 1990, durante o avanço neoliberal aqui no Brasil (e que continua). De fato, esse dinheiro não paga (ou não pagava) imposto nenhum. Já é um mecanismo conhecido por aqui. Não damos conta de outros, ante a complexidade do fluxo internacional de dinheiro. 

 

 

 

Fontes:

[1] https://www.portaldaindustria.com.br/industria-de-a-z/o-que-e-custo-brasil/#:~:text=Custo%20Brasil%20%C3%A9%20a%20express%C3%A3o,de%20log%C3%ADstica%2C%20comprometem%20investimentos%20e

 

[2] https://www.blogs.unicamp.br/sobreeconomia/2022/05/02/o-brasil-tem-a-maior-carga-tributaria-do-mundo/#:~:text=A%20Alemanha%20e%20a%20It%C3%A1lia,tribut%C3%A1ria%20menor%20do%20que%2033%25.

 

[3] https://dowbor.org/2019/04/l-dowbor-de-onde-vem-o-nosso-super-ministro-da-economia-6p.html

 

[4] https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=2127:catid=28&Itemid=23#:~:text=S%C3%A3o%20contas%20especiais%2C%20mantidas%20no,o%20dinheiro%20em%20moeda%20estrangeira.

 

Outras fontes:

Dicionário da Comunicação; 2ª edição, revista e ampliada/Ciro Marcondes Filho (org.)/São Paulo: Paulus, 2009. [especialmente para este artigo o verbete “manipulação”, por Josimey Costa]


Gráficos:

1 - (site da Unicamp):