O mesmo papo de sempre do Jornal O Estado de São Paulo.
O artigo a seguir é com relação ao editorial de domingo, "Uma nova guerra fria" de 26/07/2020, acessível em: https://opiniao.estadao.com.br/noticias/notas-e-informacoes,uma-nova-guerra-fria,70003376155
O
editorial do Estadão não demonstra apenas o alinhamento tradicional e
cego às políticas de Washington, mas, frente ao panorama geopolítico atual, não
há como não constatar um certo anacronismo mórbido das análises.
"Democracia liberal" se opõe ao "regime autoritário", como
se os EUA estivessem vivendo desde sempre o sonho dourado dos anos 1920, bem
como os "trinta anos de ouro" do pós Segunda Guerra. Mesmo
considerando apenas estes períodos, democracia seria uma prática sob suspeita.
Não basta haver eleições.
Muito que
bem. Sem falar da guerra do Vietnã e outras inúmeras guerras empreendidas por
aquele país que se gaba de democrático, sem mesmo haver eleições diretas,
falemos de outras coisas a partir da era Reagan. Desemprego e
desindustrialização, com milhões fora do sistema de saúde. Encarceramento em
massa, sendo a maioria a população negra. Número de homicídios estratosférico
considerando ser um país desenvolvido. Violência policial que vem se esmerando
na forte repressão aos direitos civis após o 11/9, com a eternização do Patriotic Act. Cidades como Nova York, com a
instituição das leis de "Tolerância
Zero", tornaram a vida artística e intelectual um inferno, devido às
restrições exageradas.
Sim,
um país que não possui um governo autoritário, não é? Apenas o judiciário e a
polícia é que exageram um pouco, então? Um país onde foi necessária a difusão
de uma imagem grotesca de um policial assassinando um negro para haver uma
revolta geral, agora incluindo até manifestantes brancos que se cansaram do
racismo estrutural. Liberdade para se manifestar? É preciso estudar melhor a
história dessa nação para conferir melhor isso. Nação onde assassinatos de
presidentes quase se tornou comum e assassinatos de líderes de movimentos
sociais é decididamente "comum". Assim como se tornou comum morrer
milhares por falta de atendimento médico. E não para por aí: é um dos países em que mais ocorrem
feminicídios, mortes no trânsito, suicídios e assim por diante. Sim, tudo isso no país da
liberdade. A questão: tudo isso abona as mazelas do outro lado? Claro que não.
O problema são as comparações estúpidas, anacrônicas e sem os mesmos pesos e
medidas, levantando problemas que não estão necessariamente relacionados entre
si. Hong Kong está sendo insuflada pela guerra híbrida norte americana, quando
tudo caminhava para a estabilidade da união, num território cindido pelo
imperialismo mais bárbaro que já houve antes do norte americano. Os uigures,
por sua vez, estavam até então estabelecidos pacatamente na região autônoma
dentro do território chinês. Há um elemento étnico que precisa ser respeitado,
reconhecido, pois a maioria é muçulmana. Mas isso não justifica tolerar grupos
armados (romanticamente chamados de "rebeldes" no ocidente)
estimulados de fora do território, por grupos fundamentalistas −̶ suspeitos de serem financiados por EUA e
Arábia Saudita. A isso o melancólico jornal não faz referência, pois seria
comprometer seu padrão ideológico.
Em
resumo, estabelecer uma tal oposição entre "democracia liberal" e
"regime autoritário" sem qualquer nuance, é mais que ideológico nos
dias de hoje. É grosseiro, é um insulto à inteligência de qualquer um que vive
neste planeta. Mas Washington precisa continuar sua guerra por todos os lados −̶ a propaganda negativa de seus opositores,
todos que não se alinham servilmente aos seus princípios, doutrina e política
econômica −̶ e
para isso se vale de seus think tanks
e agências de notícias no Ocidente, fartamente reproduzidas pela mídia local.
Até mesmo progressista, às vezes por ignorância, às vezes por má fé. Um pouco
dos dois, no caso deste jornal.