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quarta-feira, 23 de maio de 2012
quinta-feira, 17 de maio de 2012
Jazz. Uma história social e crítica.
Na minha conceituação,
o ofício do historiador é o de interpretar os mitos e desconstruir os clichês,
buscando com isso, por meio de uma
exposição narrativa, iluminar parte do passado social dos homens. Cada uma
destas coisas – interpretar, desconstruir, narrar – envolve uma metolodogia
(como técnica) própria, mas que serão absolutamente definidas após a pesquisa. Que
é outro problema. O método, propriamente dito, que é uma relação entre sujeito
e objeto, pode (ou deve) parametrizar e conduzir o estudo. No meio de tudo
isso, estão os conceitos (como tipo ideal), que ajudam a empurrar para a frente
todo este trabalho.
Este trabalho de Hobsbawm é digno do ofício que mencionei.
Assim como a história da feijojada, a história do Jazz, envolve tantos clichês
quanto mitos, que juntos estes podem resultar em pura lenda. É a velha máxima
de que cada parte traz uma verdade, mas juntas todas, somadas, não traz nada de
realidade. E precisamos de alguma, se quisermos sustentar qualquer ficção.
À época anônimo e escrito
sob o codinome de Francis Newton, Hobsbawm faz uma síntese
excelente sobre a origem social do Jazz e seu desenvolvimento comercial, desde
as suas origens até o momento em que foi escrito, em 1959 - com um prefácio de
1989, atualizando algumas informações.
Em linhas
gerais, Hobsbawm entende o Jazz
como revolucionário, ou ainda, possuidor de aspectos revolucionários, tais como
sua forma, expressão e linguagem. Sempre foi um interesse de minorias, afirma
(p. 13); no entanto, alcançou difusão e popularidade internacional, havendo
fases de expansão, onde o interesse se renova, como é o caso do final dos anos
1930. Por outro lado o Jazz também sempre se renovou e inovou e é reconhecida a
sua resistência aos interesses comerciais e industriais mais massificados,
embora essa própria indústria o tenha promovido, cada vez mais.
Assim, diz Hobsbawm, foi o bepop - uma revolução
no estilo do jazz ocorrido em meados dos anos 1940, cujos músicos buscavam uma
forma nova, mas que foi encampada pela indústria musical. É preciso enfatizar
que o jazz, como apresentado por Hobsbawm, sempre foi
refratário a uma vulgarização maior - por isso se manteve como um interesse
entre intelectuais e jovens de esquerda.
Em seu prefácio de 1989 atualizada essa informação: quando adentramos na
era do rock - interesse especial dos mais jovens - o jazz passa a ser apreciado
por um público mais velho e de certo modo mais exigente com relação ao que
chamaríamos de arte, tanto na sua especificidade quanto na realização em termos
rítmicos.
Ao mesmo tempo o
jazz sempre se aproveitou da música pop e esta dele, numa clara
simbiose, mas sem imiscuir-se um no outro (v. cap. "Música popular").
Por isso mesmo o jazz também se presta à indústria, sendo fonte de inovação
melódica para outras formas, inclusive o pop. Como o livro foi escrito
em 1959 e atualizado apenas por um prefácio de 1989, a relação com o rock
não foi muito aprofundada. O autor fez questão de marcar as diferenças,
especialmente, e não as semelhanças e influências recíprocas, que certamente
existiram e existem. De todo modo, o jazz pode ser considerado uma arte
popular, de grande difusão, mas que não faz concessões fáceis ao comercialismo.
Nisso Hobsbawm parece estar
certo.
Mas o que é o jazz?
A resposta está por todo o livro, basta lê-lo e prestar atenção. É uma forma
musical revolucionária, distinta, caracteristicamente de resistência (dos
negros, inicialmente), mas sobretudo porque:
"(...) o
efeito mais poderoso do jazz está na comunicação da emoção humana de forma
intensificada. (...) O jazz é, portanto, música de músicos, música expressando
diretamente as emoções (...)" [p.151]
O jazz, segundo Hobsbawm, não busca a
excelência crítica, tal como a música clássica, mas seus músicos buscam uma
perfeição com relação à execução do instrumento. A não ser pelas mãos de
Ellington, o jazz fugiu de forma geral à notação e à escrita - inclinando-se
sempre para uma espécie de improvisação, que em grande parte é um mito, pois
seus músicos ensaiam muito. A improvisação fica por conta das jam session
- momento particular da vida do jazzista, já que neste ele toca para ele mesmo
e para seus companheiros, muitas vezes como desafios.
O jazz deriva de
uma música ritual, religiosa (música de gospel) e também das canções de
trabalho, especialmente no Sul do EUA. É uma música de origem rítmica negra,
mas que se encontra com as tradições musicais espanhola, francesa e anglo-saxã.
É nítida sua origem folclórica [embora eu não goste deste termo, Hobsbawm o emprega]. Além disso, o jazz
também deriva de uma forma de entretenimento musical popular que é a música de
rua. O primeiro estilo identificável foi o ragtime e o segundo o blues,
cada um com características próprias. Além, é claro, do estilo New Orleans, que
se tornou mítico. O entretenimento popular teve grande difusão nas cidades e
especialmente as portuárias, como New Orleans, espalhando-se depois para outras
cidades, especialmente para o norte, quando a migração de negros após a Guerra
Civil foi maciça. Nos anos 1920 o jazz tornou-se uma linguagem nacional. Houve
um recuo após o final desta década, renascendo após 1935 e revolucionando-se em
meados da década de 1940.
Hobsbawm valoriza por demais o
"fenômeno jazz", chegando mesmo a exagerar um pouco a
autonomia do movimento:
"Na verdade, o
jazz fez seu caminho às sua próprias custas. E só depois de tê-lo feito foi
reconhecido pelo governo americano como agente de propaganda do american way of
life (...) e enviando músicos de projeção ao exterior como 'embaixadores
culturais'"
(p. 82).
Não sem alguma
dificuldade, Hobsbawm consegue explicar
como o jazz foi sempre refratário ao comercialismo. Quando isso se torna
evidente sua justificativa para o fato desvia para a conduta do músico: sempre
quiseram ser profissionais, então tinham que ceder à produção industrial. Não
que este aspecto não seja verdadeiro, mas é que Hobsbawm, como dissemos,
sobrevaloriza o fenômeno. E é perfeitamente compreensível, já que ele mesmo
assume ser fã de jazz, embora tenha escrito o livro, à época, sob o pseudônimo
de Francis Newton.
Por outro lado, o
prefácio de 1989 relativiza tudo o que talvez tenha exagerado corpo do livro. E
exagerou um pouco mesmo no capítulo sobre o público de jazz (Parte 4 -
"Gente", cap. "O público"), onde aborda e descreve os
vários perfis de ouvintes e fãs do ritmo.
Talvez a melhor
parte, em termos de análise sociológica e ao mesmo tempo histórica, seja a
Parte 3 - "Negócios". Os dois capítulos que a compõem, "Música
popular" e "A indústria do jazz", são excepcionais. Trata-se de
uma verdadeira aula sobre a lógica industrial e sua relação com formas
pré-industriais da cultura popular, como esta é apropriada por aquela e as mudanças
e evoluções que isso implica, não necessariamente ruins.
O capítulo final,
"Jazz como protesto", contido na Parte 4 - "Gente", também
merece destaque. E aqui talvez o leitor compreenda melhor as colocações
anteriores do autor, que nos mostra como a música serviu inicialmente como
resistência e posteriormente como estandarte de luta da figura do negro pobre,
oprimido mas consciente - numa clara oposição à postura de "Pai
Tomás", isto é, a do negro que cede e se acomoda às formas sociais e
culturais dominadoras do branco. Mas também o capítulo possui uma passagem de
pequeno exagero; é quando Hobsbawm afirma que, devido
ao caráter de protesto da música, é possível aproximá-la de formas políticas
revolucionárias, em tempos de fermentação política (p.283). Só não identifica
claramente esse momento e nem seus sujeitos. Embora ele mesmo afirme que não é
fácil encontrar e nem implique necessariamente militância. Mas expressa
sobretudo um desejo de participar, interagir.
Ademais, o livro é
excelente não só como estudo histórico daquela tradição musical, mas também
como uma grande introdução ao assunto. Possui um capítulo especial para
discografia, leitura complementar e ainda um vocabulário, além de um precioso
índice onomástico, ponto fraco em muitos outros bons livros. Na minha opinião Hobsbawm empregou pouco espaço para análise
de Ellington, embora tenha lhe dedicado algumas preciosas páginas e ressaltado
muito sua importância. O grande músico, pela sua obra como um todo, talvez
merecesse um capítulo especial. Alguns outros músicos talvez merecessem também
uma minibiografia - como Charlie Parker, por exemplo - mesmo dentro do espaço
reduzido. Mas aí seria um compêndio grande e talvez fugisse à proposta do
autor.
Não se avalia um
livro pela capa, como sabemos, mas a desta edição é muito simpática,
valorizando seu conteúdo. O estilo do autor deve ser conhecido já por alguns.
Escreve de forma clara e bem inteligível, embora seja preciso ficar atento a
tudo quanto afirma, pois não consegue escapar a alguns paradoxos, como aqueles
que expus acima. Recomendo a todos.
Euclides Roberto.
P.S. em 22/05/12
Este pós-escrito me
ocorreu porque fiquei refletindo sobre outras obras de Hobsbawm em que algumas ideias se repetem.
Diz respeito tanto
ao texto original quanto ao prefácio de 1989.
Primeiro: ele diz
que o Jazz é música de minorias, ao menos em sua origem. Negros e
trabalhadores, muito bem (v. os primeiros capítulos sobre a origem). Depois
afirma que é um fenômeno de massas, apropriado pela indústria cultural (v. os
caps. sobre a indústria do jazz). Também podemos concordar. Porém ele afirma
por diversas vezes que o jazz é ouvido por poucas pessoas, especialmente jovens
e intelectuais e atendem a um gosto de minoria (v. cap. "O público",
p.246). E é aqui que chegamos a um paradoxo ou pelo menos uma forma de Hobsbawm acomodar o fenômeno jazz às
suas teses marxistas. Em várias passagens, também neste capítulo de certa
forma, Hobsbawm afirma que o
jazz é revolucionário, anticomercial. No último capítulo, "Jazz como
protesto", Hobsbawm reitera este
caráter revolucionário dizendo que o jazz é sobretudo uma forma de
protesto, desde sua origem. Era uma música dos povos e classes oprimidas
(p.275). Ora, como um fenômeno de massas, reconhecido internacionalmente, pode
ainda manter seu caráter de protesto, revolucionário? "O jazz é
contra a opressão, contra a pobreza..." (p.283). Hobsbawm se esforça em apresentar uma música
de vanguarda e que serve à vanguarda (jovens intelectuais). Se ela é tão
vanguardista assim, porque tanta aceitação, não somente em nossa época, mas
várias épocas, como nos anos 20 por exemplo? Hobsbawm tenta acomodar
essas contradições, paradoxos, eu diria, apresentando-nos o jazz
como um fenômeno de vanguarda,
revolucionário, e de certa forma organizado ("razoavelmente claro em
teoria" - p.284), apesar de espontâneo, individual e de forma privada.
Enfim, temos aqui a reprodução, por "linhas tortas", da imagem do
partido de vanguarda e da classe operária organizada e revolucionária, pronta
para orientar as massas (!). Sobra ainda para os anarquistas, que Hobsbawm nunca cansa de atacá-los:
"O Jazz é
contra a opressão, contra a pobreza, contra a desigualdade e a falta de
liberdade, contra a infelicidade. Ele é - de uma forma vaga e anárquica que foi
mal compreendida pelos intelectuais anarquistas que o levaram a peito - contra
a polícia e os juízes, contra as prisões, os exércitos e a guerra. (...) O ódio
a essas coisas não implicam militância." (p. 283)
No entanto, o jazz
não resistiu ao rock, como o próprio Hobsbawm conclui em seu
prefácio de 1989. [Será?] Há uma nova acomodação de suas teses aqui, reforçando
ainda o que disse a respeito do jazz no texto original: o jazz sempre
foi interesse de minoria (p.13) e o rock nunca foi uma música de minoria
(p.15). O autor pode até estar ligeiramente correto nessa asserção; não nega
que o rock é fenômeno de massas, especialmente de jovens, que procuram
uma expressão de suas vidas. No entanto, falha ao tentar obscurecer ou negar
aspectos de fenômeno de massas para o jazz. E falha também no inverso, ao
querer negar o de origem de minorias ao rock.
Ora, se fizermos
uma comparação, jazz e rock possuem história de nascimento e
evolução similares: humilde nas suas origens, apropriado pela indústria,
massificado - apesar de seus representantes serem avessos ao sucesso - ao menos
durante um período dessa evolução e possuem algo de protesto em sua letra e
música. No rock isso é muito mais patente, diga-se de passagem, e o modo
de se expressar é muito mais revolucionário (não apenas na apresentação, mas
também no uso dos instrumentos, por exemplo). E, por outro lado, como negar ao rock
o apelo a uma música de vanguarda? Não foi por meio dele as maiores inovações
na música?
Ademais, que garantia temos hoje em dia que determinado músico ou artista não quer fazer sucesso, levar sua música e arte a todos? O jazz é sim fenômeno de massas, assim como o rock. E é bem possível que este último tenha sido uma música de minoria nos seus inícios, mas que foi apropriada rapidamente pela indústria cultural de massas. A diferença estaria no tempo em que uma e outra forma foi apropriada, pois a própria indústria cultural aprendeu a ser rápida e observar melhor os movimentos culturais espontâneos e originais, absorvendo-os e adaptando-os às massas. O elemento de resistência ao comercialismo, identificado no jazz, pode ser igualmente encontrado também no rock. Mas Hobsbawm é amante incondicional do jazz. Entende que esta é uma música genuinamente de minorias e caracteristicamente de vanguarda, portanto, oportuna e apropriadamente revolucionária. Precisamos apenas compreender isso para entender as afirmações do autor, muito embora paradoxais.
terça-feira, 8 de maio de 2012
A Náusea. Jean-Paul Sartre. Lições do existencialismo. Resenha.
quinta-feira, 3 de maio de 2012
A partir da biografia de cada um do casal, o livro descreve a tumultuada relação da união, marcada pela competição. Embora Zelda tenha se posto aos cuidados de Scott e este tenha assumido uma postura paternalista com relação a ela, o casamento foi caracterizado desde o início pelo conflito e pela luta. Zelda queria independência e seu comportamento era libertário. Scott, nem tanto, assumindo invariavelmente uma postura conservadora. Em público demonstravam um liberalismo que não correspondia exatamente à realidade. As festas eram ruidosas e o casal esforçava-se em demonstrar "vanguardismo", querendo afinar-se a um espírito moderno. Isso os levou à falência, pois os gastos eram exagerados. As brigas se tornaram comuns; primeiro em público, depois reservadamente. Kyra Stromberg afirma que o casal viveu uma vida inventada. Scott mais tarde demonstraria arrependimento por ter forçado o casamento, que só foi aceito porque Scott fez sucesso rapidamente com seu primeiro livro, demonstrando-se um partido promissor. Stromberg mostra também como a vida do casal, bem como os diários de Zelda, serviram de inspiração a Scott Fitzgerald. A própria Zelda escreveria um romance. Esforçou-se demais para o balé, mas já tarde para isso (tinha 26 anos então). Queria dedicar-se a algo, ter sucesso nisso, mas a proximidade com alguém já tão famoso a sufocava. Zelda "perde a competição" - acaba na insanidade e vai se tratar em inúmeras clínicas, mas sem sucesso total. Segundo os amigos do casal, sempre parecia haver algo de loucura em seu atos e suas maneiras. Scott nunca conseguiu satisfazer Zelda e Zelda nunca contentou a Scott. Esse pode ser um dos balanços da relação.