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quinta-feira, 18 de maio de 2023

O Terceiro Homem.

GREENE, Graham. O terceiro homem. Trad. de Antonio Celso Nogueira. Porto Alegre/RS: L&PM, 2007 (1950).

Realizado para roteiro cinematográfico, originalmente, como o próprio Greene o expõe no prefácio do livro.

Este foi elaborado a partir de uma sugestão, um escrito em bilhete encontrado pelo autor posteriormente. Escreveu este livro como sinopse para o roteiro do filme, pois:

 

"Para mim é praticamente impossível redigir um roteiro cinematográfico sem antes contar a história." (p. 11)

 

Neste prefácio o autor revela também alguns detalhes do preparo do filme homônimo, dirigido por Carol Reed e com Orson Welles atuando e assinando o roteiro em conjunto com o autor e o diretor. Houve alterações, claro, em razão da nacionalidade dos atores.

 

A estrutura do livro é enxuta, bem a propósito para um roteiro. A história se passa no pós guerra de uma Viena ocupada pelos aliados, tal como na Alemanha. A conduta dos personagens obedece ao sistema de cada região sob ocupação. E é nesse clima tenso que a história se desenvolve, com a narrativa em off bem apropriada para o cinema noir.

 

Greene é o perfeito exemplo de autor comercial com qualidade literária indiscutível. Uma prova de que é possível realizar boas coisas para o amplo mercado. Basta abrir mão do lucro fácil e do vício das massas.  

Frases:

"Sem dúvida há algo de falso num homem que não aceita a calvície com elegância." (p. 38)

 

"As mãos dos culpados não tremem, necessariamente; só em contos um copo cai da mão, revelando descontrole. A tensão, com frequência, revela-se nos atos estudados." (p.42)

 

Observações sobre Kurtz, personagem suspeito na história.

 

Abaixo, uma sinopse oficial da editora L&PM:

O terceiro homem é soberbamente ambientado na Viena pós-Segunda Guerra Mundial, dividida e governada por quatro potências estrangeiras: Rússia, Inglaterra, França e Estados Unidos. Rollo Martins, um romancista de segunda linha, chega à cidade sem um centavo sequer, para visitar Harry Lime, seu inescrupuloso amigo de longa data. Logo descobre que Harry morreu, e em circunstâncias muito suspeitas. Enquanto se faz passar por um célebre escritor, ele dá início à sua própria investigação e busca respostas à pergunta: o que Harry fez para merecer a morte?

quarta-feira, 10 de maio de 2023

Manifestações de Junho de 2013. Ingenuidade, devaneio e vitória de Pirro

 



Assinado também por Luciana Lima, Marcelo Pomar e Pablo Ortelado. 

Um relato bastante ingênuo e enganoso sobre as manifestações de Junho, que foram, "manifesta" e comprovadamente, obra da guerra híbrida e motor da guerra cultural que preparou o impeachment de Dilma. 
Qualquer abordagem que não considere essa ordem de coisas é perspectiva parcial, incompleta ou mal intencionada. 
Se qualquer documentário ou obra quiser abordar as várias visões, campos ou ideologias envolvidos no movimento, torna-se necessário também investigar quais os interesses envolvidos no movimento. 
Para mim ficou bem claro, após muito visto e muito lido, sobre a manipulação do movimento pela inteligência militar e pela altright (nova direita). Não se trata apenas de cooptação, ou aproveitamento de um movimento cuja força política e de ação era ínfima e até certo ponto irrelevante em termos numéricos. Para além disso trata-se de apropriação de signos e símbolos de várias qualidades dos movimentos sociais, subvertendo e canalizando a energia dos jovens para pautas antidemocráticas, ainda que revestidas de "roupagem" moderna, tal como nas demandas identitárias. Sim, jovens que caíram como patos abatidos em pleno voo, por caçadores com artilharia certeira. 
Das melhores investigações sobre o fenômeno indico: Luis Nassif e Wilson Roberto Vieira Ferreira, em vários artigos e livro deste último: "Como aquilo deu nisso", publicações do blog Cinegnose.  

Avaliemos essa passagem: 

"A revogação do aumento criou o precedente de reduzir o preço da passagem pela primeira vez -- foi assim em Florianópolis em 2004 e em São Paulo em 2013. A redução redirecionou a lógica da tarifa, da ampliação para a redução crescente, até o limite lógico da tarifa zero." (p. 237)

Comentário.
Como? A passagem não diminuiu. Simplesmente não houve majoração naquele ano. Tarifa zero? O movimento simplesmente diluiu-se e os seus representantes — os que se apresentaram para dizer alguma coisa — não possuíam em mãos nem uma ordinária planilha para justificar suas demandas. Isso, apenas de passagem, num fraco artigo no Jornal Folha, na coluna "Tendências e Debates". Mas, se dermos crédito às considerações deste livro, seus protagonistas apresentam-se como grande vencedores de uma larga batalha. 
Evidente que imprensa fez péssima cobertura inicial, posteriormente abraçando o movimento quando este se voltou contra o governo. Mas isso é a continuação da história. Foram os vinte centavos mais caros para a nossa República, havendo até quem comparasse o movimento à Revolta do Vintém, de 1880 — revolta popular que agitou o combalido governo monárquico, ao instituir um víntem de imposto sobre o valor das passagens dos bondes que circulavam na cidade do Rio de Janeiro de então. Comparação tola, a despeito da simetria política, posto que andava mal o regime, não o governo em si. 


Bibliografia.
JESUS, Ronaldo Pereira de. A REVOLTA DO VINTÉM E A CRISE NA MONARQUIA. Rev. HISTÓRIA SOCIAL, Campinas - SP NO 12 73-89 2006

FERREIRA, Wilson Roberto Vieira. Bombas Semióticas na Guerra Híbrida Brasileira (2013-2016): Por que aquilo deu nisso? São Paulo: Publicações Cinegnose; 1ª edição (29 julho 2020).


 


domingo, 7 de maio de 2023

FÉ E SABER. FUNDAMENTALISMO E RAZÃO NA CRÍTICA DE HABERMAS.

HABERMAS, Jürgen. Fé e Saber. Trad. Fernando Costa Mattos. I.ed — São Paulo: Editora Unesp, 2013 (Berlim, 2001). 

Logo após o 11 de Setembro de 2001, com a derrubada das Torres Gêmeas, Habermas se propôs a repensar as questões que envolvem o sagrado, pois não basta simplesmente condenar aquela ação como "bárbara", a despeito de criminosa. É preciso compreender o fenômeno como sempre Habermas e a Teoria Crítica tentaram fazer. É preciso compreender a motivação dos que levaram a fazer aquilo, a empreender um tal projeto que se constituiu num acontecimento que fez tremer as bases da modernidade. Ou seja: para que isso não possa ocorrer novamente não basta rejeitar e ou ignorar, como faz o discurso político secularizado e racionalizado, as bases do sagrado que fundamentam a religiosidade. E é preciso compreender, portanto, as bases do fundamentalismo.  E é preciso, além de tudo, compreender as razões do outro, uma atitude que envolve a tolerância. Por isso, a resposta política ao 11 de Setembro, isto é, a "Guerra ao Terror" é equivocada, pois não empreende nenhum esforço de compreensão ou de tolerância. Pelo contrário, permite apenas aumentar a escalada de violência. Daí a sua asserção [grifo meu]:

 

"A 'guerra contra o terror' não é uma guerra, e no terrorismo também se expressa um choque desastrosamente silencioso de dois mundos que precisariam desenvolver uma linguagem comum, para além da violência muda dos terroristas e dos mísseis. Em vista de uma globalização imposta por meio de mercados sem limites, muitos de nós têm a esperança de um retorno político sob outra forma — não a forma hobbesiana original de um Estado de segurança globalizado, ou seja, com dimensões de polícia... mas a de um poder mundial de configuração civilizadora." (p.4)

 

É preciso ir além da secularização pura e simples, e do fundamentalismo, extremamente conservador. É preciso, na percepção compreensiva de Habermas um papel civilizador não nos moldes anteriores dos do Ocidente, mas um modelo que leve em conta um "terceiro partido", entre ciência e religião, um modelo pautado no que ele chama de "senso comum democratamente esclarecido".

Por um lado as religiões devem renunciar à imposição violenta de sua fé. Isso equivale também, sob nosso ponto de vista, a abandonar ou ao menos tentar discutir assuntos importantes e que estão na pauta do conservadorismo.

Por outro lado, nossa sociedade que estabeleceu uma secularização também de forma violenta, ou seja, a violentar a "autocompreensão pessoal", não pode vir a ser um bom modelo de sociedade.

O que Habermas quer dizer que essas duas faces da nossa civilização ocidental atuam de forma a desprezar uma à outra dessas duas faces, sem mediações.

 

"A crença cientificista em uma ciência que possa um dia não apenas complementar, mas substituir a autocompreensão pessoa por uma descrição objetivante, não é ciência, é má filosofia."  (p.13).

 

O Estado democrático e liberal, secularizado, legitimou-se nas bases de uma tradição religiosa que há muito profanou-se, isto é, secularizou-se, buscando uma universalização que desprezou e até mesmo excluiu os argumentos religiosos. A resultante não poderia ser outra: um dos polos, isto é, a própria religião, apega-se aos seus pontos mais ortodoxos e conservadores. Portanto:

 

"...o estabelecimento de uma fronteira controversa deve ser compreendido como uma tarefa cooperativa em que se exija dos dois lado aceitar também a perspectiva do outro." (p.16)

 

E para isso, é importante aquela proposta do senso comum democratamente esclarecido:

 

"O senso comum democraticamente esclarecido não é algo singular [isolado], mas algo que descreve a constituição mental de uma esfera pública com muitas vozes. As maiorias seculares não devem chegar a conclusões ... antes de dar ouvidos à objeção dos oponentes que se sentem lesados em suas convicções religiosas; elas devem considerar essa objeção como uma espécie de voto suspensivo e verificar o que podem aprender com isso." (p.16)

 

Isso está nas bases do que Kant empreendeu, no que diz respeito à autonomia do ser.

Linguagens seculares, diz Habermas, que puramente eliminam aquilo em que se acreditava, causam perturbação (p.18). É essa "perturbação" que vai se cristalizar nos fundamentalismos.

 

Comentário.

Habermas ocupa-se de uma sociedade secularizada onde a religião não é central, ao menos como proposta de um Estado liberal e democrático. Trata-se da sociedade europeia. E daquele tempo, início dos anos 2000, onde a integração e a tolerância estavam em pauta.  Valeria para hoje? Talvez lá, sim. E para a nossa sociedade ocidental "latina"? E mesmo para a "anglo-saxônica"? Não é certo que nestas últimas a religião — especialmente como fundamentalismo — tomou, nos últimos anos, uma centralidade preocupante? Haja vista os negacionismos atuais. Negacionismos estes aos quais a própria sociedade da Europa não escapa. Então teríamos uma situação reversa: o secularismo não é dominante, ao menos não na compreensão da cultura intermediária. E invade cada vez mais a razão de Estado, como vimos na culminância da epidemia Covid-19. Estabelecer uma linguagem que permitisse acesso a uma e outra esfera, como propõe H., seria o ideal. Mas perguntamos: como? É preciso criar tal linguagem e talvez fosse o agir comunicativo  que devesse mudar da forma como o estamos — se estamos — realizando. O diálogo entre surdos-mudos continua sem essas pontes. Mas Habermas está certo que devemos e precisamos encontrar esse "senso comum democraticamente esclarecido". E talvez seja essa mesma a principal tarefa do agir comunicativo, embora esse próprio agir não possa se originar, em minha opinião, apenas de simples diálogo, sem perceber e levar em conta os interesses conflitantes das sociedades em questão — não só em seu interior, mas nas relações que elas estabelecem entre os Estados.  Habermas ainda confia bastante em uma sociedade iluminada pela "razão esclarecida" assentada em bases democráticas. Mas talvez seja o caso, também, de expandir em muito, em todos os cenários sociais, a materialidade desse exercício democrático, tanto em suas acepções formais quanto reais: tolerância, respeito, mas também acesso à riqueza e prestígio social.