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terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Antropofagia ou: quando a leitura deve ser literal

Antropofagia.
1.Ação, comportamento ou condição de antropófago; CANIBALISMO; 2.Aantr. Prática, ger. com caráter ritual, de canibalismo entre seres humanos; 3.Bras. Hist. Liter. Art. pl. Movimento brasileiro de vanguarda, na literatura e nas artes, que, no fim dos anos 1920, defendia uma combinação de modernização e nativismo, pregando a assimilação crítica, irônica e irreverente de elementos estrangeiros (...) tomando como modelo a antropofagia dos antigos tupinambás (ingestão do inimigo para a apropriação de suas qualidades guerreiras) (...)
Fonte: Novíssimo Aulete, Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, Rio de Janeiro, Lexikon, 2011, p.122.

Defesa de Sakamoto.

No artigo de seu blog:
O ódio à Marisa Letícia: É o Brasil antropofágico que pede passagem
 O referido post de Sakamoto causou alguma celeuma entre intelectuais, que se viram "ofendidos"ou afetados com o uso do termo acima pelo jornalista. Não vi razão para tanto e ainda mais para um “puxão de orelha” tão exemplar e público, desproporcional ao erro, no meu entendimento.  Talvez haja quem não concorde e diga que eu é que estou exagerando. Mas para quem ler o texto de Beatriz Azevedo, coloque-se no lugar do sabatinado e tente avaliar suas próprias percepções das coisas que lhe afetam. O artigo da autora é xistoso, recheado de trocadilhos ("Sakamoto, você não saka..."), "adorável" de se ler, bem ao gosto de algumas literaturas atuais.  Não para o meu. Não aprecio essa estética. O artigo de Sakamoto optou pelo peso, a fim de ilustrar uma situação trágica da vida nacional, então empregou o termo na sua acepção quase literal, genética, anterior à consagração semântica que os modernistas lhe emprestaram.  Tenho muitas ressalvas aos modernistas, brasileiros ou não, mas isso não cabe aqui - uma certa tendência de se apropriar de termos e torná-los exclusivos e universais, é uma delas. Os estudiosos do modernismo tratam o movimento como se ele fosse o ponto culminante da cultura em geral. Não é o meu ponto de vista.
O que me pareceu evidente é que foi muito oportuno para a Revista Cult publicar a tal crítica, na Coluna de Márcia Tiburi, em artigo de Beatriz Azevedo - tese de seu livro, resenhada em 2016 pela própria Márcia.
E enfim, a despeito de tudo isso,  Sakamoto publicou um adendo ao seu artigo, assinado pelo jornalista Rodrigo Savazoni, que explicou muito bem, sim, quais as diferenças entre o movimento e o termo de mesmo nome. E, ao final, o próprio Sakamoto não empregou o termo em seu sentido estritamente literal, pois ninguém "comeu" ninguém na vida política, mas o termo quis indicar a eliminação política da figura pública. Então Sakamoto empregou o termo também em sentido simbólico, tão válido quanto o dos modernistas. E pelo que me consta, o sentido antropólogico, que não é o dos modernistas, ainda continua perfeitamente válido. Para a Antropologia ao menos.
Mas tratou-se Sakamoto como se ele nada soubesse ou desconfiasse a respeito do uso do termo pelo  movimento modernista. E de forma lamentável. 

Antropofagia no Brasil em 1557, segundo a descrição de Hans Staden.