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domingo, 30 de dezembro de 2012

Paradigmas: Futebol & Xadrez




Acabei de rever o jogo da final da Copa do Mundo de 58: Brasil 5 x 2 Suécia. Bem disputado, com os times ocupando todo o espaço do campo, alta velocidade. O Brasil se destacou nesta Copa pela sua defesa, pois no ataque quem mandava era a França, com Just Fontaine à frente, fazendo inúmeros e belos gols.

O Brasil já tinha aquele toque de bola maravilhoso, mas que ainda se revelaria mais afinado nas Copas seguintes. No entanto, pode-se dizer que nesta Copa de 58 o Brasil teve seu melhor: organização tática impecável, excelente defesa e meio campo bem entrosado com o ataque, além do alto nível técnico de todos os jogadores.

Quem assistir aos jogos desta Copa, como por exemplo os da França e da Alemanha, perceberá também o alto nível que o futebol apresentava como um todo. E tratava-se já de uma época de muita dificuldade para a prática, com os espaços no campo totalmente preenchidos e alta velocidade, possibilitando incríveis contra-ataques, como hoje.  Vendo estes jogos, com a imagens de época,  podemos ter a ilusão de alguma relativa facilidade para jogar. Ilusão, repito, pois as dimensões do campo não mudaram em nada, bem como as regras que quase não mudaram e a bola, que apenas melhorou em termos qualitativos. Podemos comparar quaisquer destes jogos com os atuais e observaremos que, guardadas as devidas proporções, as dificuldades são as mesmas.
Não estou dizendo que o futebol piorou ou melhorou. Isso depende do momento. Há épocas muito boas tecnicamente e outras sofríveis, sem criatividade, sem nenhuma empolgação no meio jogo, esperando-se apenas que o placar seja favorável no final.

O bom futebol hoje está na Europa. Pelo menos há uma década, alguns clubes reinventaram formas de jogar, abandonando antigos modelos de marcação - retranca, para ser claro. Um destes times é o Barcelona, claro. Resultado de décadas de investimento de jogadores na base, o time é fruto de diversas filosofias futebolísticas, sendo uma delas a holandesa.  Brasil? Sim, mas uma inspiração mais distante, na qual o toque de bola e jogadas  ensaiadas estão presentes. Futebol ofensivo, baseado no 4-3-3, é tônica que põe fim a um longo período de retrancados times vencedores.

Ocorre que futebol, bem como o xadrez, evolui segundo paradigmas. Sendo um pouco grosseiro, podemos simplificar assim: paradigmas baseados em defesa e paradigmas de ataque. No xadrez, após um longo período em que Karpov reinou absoluto, pensava-se que o estilo agressivo, baseado no ataque à moda Bob Fisher, tinha encontrado seu fim. Restava apenas calcular uma boa tática, selecionando pontos onde se acentuavam as defesas. Na verdade os enxadristas estão voltados para este paradigma. Não era o jogo, em si, que havia mostrado todas as suas possibilidades de cálculo, mas os jogadores que assim se empenhavam segundo um paradigma que para todos parecia ser verdade. 
O futebol pós 82, ano da grande derrota da seleção brasileira na Copa, também  ofereceu seu paradigma: mudou-se a mentalidade ofensiva e os times, com raras exceções, tornaram-se cada vez mais especialistas em defesas e retrancas. O gol tornou-se um detalhe, a ser explorado no "cochilo" do adversário. Ganhar com apenas um tento tornou-se a coisa mais banal. O espetáculo futebolístico deixou a desejar, apesar do mundo oferecer grandes atacantes. Uma pena é que estes eram simplesmente uma peça de uma engrenagem que funcionava para travar, não para desenvolver.
O jogo de Karpov não era exatamente um jogo feio, na mesma medida e proporção que alguns clubes de futebol retranqueiros ofereceram sua encenação lúdica. Encontramos no repertório do velho mestre enxadrista muitas partidas interessantes. Mas quando este se deparou com outro enxadrista chamado Kasparov, a coisa mudou. E Kasparov mostrou ao mundo do xadrez que o paradigma agora era outro: o do ataque. Kasparov chegou a ser praticamente imbatível, com lances nunca antes contemplados, quando todos pensavam ter chegado ao conhecimento total do xadrez.  Nos confrontos de mundiais contra Karpov nunca perdeu.

Assim, penso que com o futebol é o mesmo. Os paradigmas se impõem e se sucedem conforme cada período. Sendo um esporte coletivo, o futebol pode se apresentar, sim, como uma arte, uma construção, onde cada jogador procura dar a sua pincelada para a imagem final, que é o gol. No xadrez, embora apenas uma pessoa joga, as peças operam coletivamente para o xeque-mate. E isso também é uma construção que pode ser feita com arte.

Não estou querendo dizer que sou totalmente a favor do jogo ofensivo. Este pode resvalar em monotonia, às vezes. Por outro lado, defender-se pode se constituir numa arte também, mas desde que colabore para o grande espetáculo, sem tomar toda a atenção ou roubar a cena do lúdico. É o que fez aquela grande seleção de 1958 e também por isso acredito que seja a melhor  das seleções campeãs.

P.S. Leio um artigo no "O Estado de São Paulo" neste dia 30/12/12, de José Miguel Wisnik, a respeito do futebol brasileiro, que reflete em muito o que escrevi acima. Recomendo que leiam.