No
momento em que os servidores são atacados pela mídia, Governo e Congresso se
preparam para uma nova investida sobre os serviços públicos, via "reforma
administrativa". Esta reforma na verdade vai incidir apenas sobre aquilo
que rege o estatuto dos servidores públicos. Ocorre que a chamada PEC 32 vai
interferir não só sobre os direitos dos servidores, mas também sobre os
chamados “serviços públicos”. De que modo? Escapa ao grande público, inclusive
aos próprios usuários dos serviços públicos, como a nova legislação
constitucional afetará suas vidas.
Então
se faz necessário um esclarecimento maior sobre o assunto “servidores
públicos”. Esclarecimento esse que normalmente
não se faz, nem mesmo a mídia alternativa — por mais boa vontade que possua — não
somente por falta de dados ou informações jurídicas, mas por uma confusão com a
lei que vem desde a promulgação da Carta e que os meios de comunicação não
fazem nenhuma questão de desfazer. A lei diz uma coisa. No imaginário popular,
construído pela mídia e manipulado por ela, está outra coisa. A confusão
envolve dois termos: “servidor público”, “funcionário público”. A conveniência
dos vários interesses envolvidos na questão dos serviços públicos faz dirigir o
emprego do termo para, ora um, ora outro. Então vamos discernir melhor sobre eles,
pois é a confusão deles que obscurece o debate e atrasa a luta por melhores
serviços públicos.
[o
popular reclama contra o funcionário público e o funcionalismo, mas o que está
na cabeça dele neste momento?]
O que está na cabeça de todo mundo.
"Brasil
gasta muito com servidores"; "pagamos
muito imposto para pouco e péssimo serviço". Essas são as frases mais proferidas pelos articulistas e jornalistas
da grande imprensa. A construção da frase pode variar, mas o assunto é sempre o
mesmo −̶ pode haver um câmbio entre as
palavras “servidor público” e “funcionário público”, que são empregadas sempre
com carga negativa e grande peso Por detrás dessas meias verdades
escondem-se interesses que não são explicitados de nenhum dos lados: do poder
público, de quem esconde os altos salários; da área privada, pela tentativa de
implodir com os serviços públicos e, por esse meio, abranger a oferta deles —
em outras palavras, privatizar.
É
preciso começar desfazendo um mal entendido sobre a palavra "funcionário
público". Esse termo não existe em nossa atual legislação
constitucional. A última referência a ela consta na Carta de 1946 [1] em seu
título VIII, artigo 184 e seguintes. A CF de 1988, comumente denominada de
"Constituição Cidadã" emprega o termo "servidores públicos"
e são assim referidos a partir do capítulo VII deste documento. A nossa Carta estabeleceu ainda a criação do
Ministério Público como órgão independente do Judiciário, com funções executivas,
fazendo parte, portanto, do Poder Executivo, embora esteja abrigado no Título
IV (DA ORGANIZAÇÃO DOS PODERES), Capítulo IV, da Carta em tela, como "DAS
FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA", com seus respectivos artigos a partir da
seção I (DO MINISTÉRIO PÚBLICO).
O
Judiciário, propriamente, está contemplado no Título IV, Capítulo III (DO PODER
JUDICIÁRIO) com seus artigos nas seções seguintes. Em toda a Carta, os
integrantes destes poderes são referidos como "membros",
distintos de "servidores" que, como mostraremos, são descritos
em capítulo à parte.
Esta
introdução é fundamental para entender o que segue. Vejamos.
A
diferença fundamental é que magistrados, promotores e procuradores são, de
agora em diante, denominados apenas como
"membros"; o restante dos empregados públicos são denominados "servidores".
Não há mais referência a “funcionário
público”. Os servidores serão disciplinados pela Lei do Servidor Público
— L. 8.112/90, redigida pouco depois
da Carta e entrando em vigência naquele ano de 1990. Da mesma forma as Leis
Orgânicas do Ministério Público e do Judiciário. A Lei Orgânica do
Ministério Público da União rege os Ministérios Públicos Federal, do Trabalho,
Militar e do DF. Ainda está em vigor a Lei de No 1.341, DE 30 DE JANEIRO DE
1951, complementada pela Lei Complementar nº 75, de 20 de Maio de 1993. Nesta
última não absolutamente nenhuma referência a "funcionário público".
Na lei 1951 há apenas uma referência, em relação à admissão na carreira, que
diz o seguinte:
Art. 3º O
ingresso nos cargos iniciais das carreiras far-se-á mediante concurso de provas
e títulos, entre bacharéis em Direito de comprovada idoneidade moral e que
tenham mais de quatro anos de prática forense e idade máxima de trinta e cinco
anos. Se se tratar de funcionário público, será de quarenta e cinco anos a idade
máxima para a inscrição no concurso.
Como
se vê, o servidor público era tratado como "funcionário público"
antes da CF/88. Portanto, mesmo antes da referida Carta os membros de poderes não eram considerados como funcionários públicos
comuns. Quer dizer, a confusão de quem é ou não servidor já vinha desde antes
da Constituição democrática de 1988.
Assim, pelo que se depreende, a denominada Lei do Servidor Público
de 1990 realizou a tarefa de retirar o termo funcionário público do
código, não com o intuito de desfazer confusão, mas sim com o objetivo de
facilitar a observância da lei como um todo aos servidores, cabendo aos
Tribunais Superiores decisões sobre casos omissos — como da aplicação de lei
penal (válida para todos) ou de equiparação de direitos (válida para os
membros, quando os servidores são beneficiados, mas não vale a recíproca).
Portanto,
em resumo, a Lei 8.112/90, Lei do Servidor Público não se aplica
aos denominados membros do Ministério
Público e do Judiciário. Quer dizer, juízes, promotores, procuradores, desembargadores
e ministros do STF não são servidores.
Os membros de poderes possuem
tratamento específico nas respectivas leis
orgânicas. No caso do MP do Estado de São Paulo temos a LEI COMPLEMENTAR Nº
734, DE 26 DE NOVEMBRO DE 1993. Esta estabelece, entre outras prerrogativas,
como será exercida a autonomia do órgão.
Portanto,
membros dos poderes não são — nos termos da lei — servidores públicos, muito
menos funcionários públicos, embora possuam uma função pública (múnus público); sendo assim, são considerados,
na interpretação jurídica, agentes
públicos. Agentes públicos também são os servidores, mas de outra classe.
No entender de Bandeira de Mello — entendimento esse que decorre não apenas da
própria letra da lei, mas do exercício do poder — classificam-se os agentes
públicos em: agentes políticos e servidores públicos [2]. A categoria de agentes
políticos é composta, segundo este jurista, dos detentores dos cargos da
mais elevada hierarquia e tem como incumbência traçar e imprimir a orientação
superior da Administração Pública. E segundo Meirelles:
"Têm normas
específicas para sua escolha, investidura, conduta e processo por crimes
funcionais e de responsabilidade, que lhe são privativos."
[3]
São
privativos — isto é, lei específica regula suas funções e desvios, tal como os crimes
de responsabilidade, previstos na própria CF.
Portanto,
servidores públicos respondem diferentemente pelos seus atos, funções e
desvios, daqueles agentes de alta hierarquia, como mencionou o ilustre jurista.
O termo "funcionário público" ainda aparece no código penal, em seu
Título XI, em especial nos artigos 312 a 326 — crimes cometidos por
funcionários públicos contra a administração em geral. Estes crimes,
denominados "crimes próprios" só podem ser praticados por pessoas que
exercem uma função pública. E é exatamente por este motivo — somente nestes
casos — que agentes políticos são equiparados a funcionários públicos, isto é,
para aplicação do crime próprio. Aos agentes políticos também são resguardados
todos os direitos que os servidores possuem — tais como adicional de férias,
quinquênios, licença-prêmio, etc. Mas também possuem algo mais, que são
tratadas como "vantagens do cargo" -- estas vantagens estão em lei
própria [4] e não na lei dos servidores. Vantagens garantidas tais como férias
de 60 dias e outras ocasionais, tais como diárias e indenizações por acumulação
de cargo -- todas estas vantagens que o servidor não possui.
Toda
essa digressão jurídica para chegar até aqui e afirmar: juízes, promotores,
procuradores de justiça e procuradores federais NÃO SÃO SERVIDORES PÚBLICOS.
São agentes políticos, dotados de poder de orientação e decisão, recebendo por
isso, além dos direitos previstos ao funcionalismo em geral, vantagens
específicas do cargo -- uma retribuição social totalmente desproporcional e que
os coloca muito acima de todos os outros agentes.
O
próprio reajuste de salários é realizado de forma diferente para um e para
outro. Diárias, por exemplo, não dependem de aprovação e não entram na Lei de
Responsabilidade Fiscal, pois são recursos inclusos na fatia do orçamento que
dota o órgão. Ao receberem tais diárias não há desconto de Imposto de Renda,
nem na fonte nem na declaração. As diárias estão previstas, como no caso do Ministério
Público, para acumulações, deslocamentos e plantões. Além da parcela em valores
há uma anotação de dias para compensação de folgas futuras. Na prática,
magistrados e promotores — ou melhor, todos os agentes políticos — vendem suas
férias de sessenta dias e gozam suas folgas com este dias para compensação.
Se
tudo isso estivesse muito esclarecido para a população em geral, muito que bem.
Mas o problema é: para a percepção da população em geral FUNCIONÁRIO
PÚBLICO é todo mundo que trabalha para o governo (o Executivo) ou faz parte
dele. Parte da população acredita que “funcionários públicos” são os deputados
e senadores. E boa parte dela nem sabe que, por exemplo, professores são
servidores. O grande público não faz distinção entre ESTADO e GOVERNO. Funcionário Público é um conceito. Não
é uma categoria profissional, pois não está contemplada na lei. O que está
contemplado na lei é a categoria de SERVIDORES do Estado, de um lado, e a de
MEMBROS, do outro. O próprio termo MEMBRO, como numa metáfora, nos remete a
algo que é essencial: um membro faz parte do corpo, como um braço faz parte da
estrutura do corpo humano. A percepção sobre si mesmos destes membros de
poderes não reconhece na sua pessoa um funcionário público. Na sua absoluta
maioria, veem-se numa posição distinta, elevada, acima da sociedade. Não é
exagero o que estou afirmando — basta colher o testemunho de alguns advogados
que lidam frequentemente com estes agentes para se ter uma ideia do assunto.
Dessarte
quando se coloca a questão da Reforma Administrativa não se está falando
em Reforma dos Poderes. É por isso
que os servidores estarão incluídos na reforma, mas magistrados e promotores
não. Não é necessário nem ler a PEC, basta acessar o site do Senado e ler o
resumo do projeto, que na sua abrangência diz o seguinte:
Não vale
para os chamados membros de Poder: parlamentares, juízes, desembargadores,
ministros de tribunais superiores, promotores e procuradores.
O governo alegou que haveria vício de iniciativa e não poderia propor mudanças
para tais tipos de agentes públicos pertencentes a outros Poderes. Também não
vale para militares.
Fonte: Agência Senado — https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/09/08/veja-os-principais-pontos-da-reforma-administrativa-proposta-pelo-governo
De
reforma em reforma, os privilégios dos agentes políticos continuam, mas os
serviços públicos -- dada a diminuição e esmagamento da classe dos servidores
-- se degradam. Ninguém quer esclarecer estas coisas: o maior gasto é com a
manutenção dos agentes políticos, que são a estrutura do Estado. Não é de hoje
que a mídia em geral — jornal, TV, rádio e agora até mesmo a internet — luta
incansavelmente contra a figura imaginária
do "funcionário público". Apresentadores de jornal, tal como o
falecido Ricardo Boechat, aproveitam o seu espaço diário para bombardear os
serviços públicos e os gastos governo com pessoal, confundindo a população
entre uma coisa e outra. O Jornal Folha de São Paulo, a título de
exemplo, reiteradamente ainda estampa nos títulos das notícias o "salário
médio do funcionalismo". Uma falácia, pois nessa média entram os proventos
de servidores e de membros, dando a impressão que a média salarial é alta
[5].
A
diminuição dos serviços públicos — com fuga de usuários para a iniciativa
privada, tais como os planos de saúde — é de interesse dessa grande imprensa e
da grande mídia, pois o objetivo é vender a ideia de que os impostos são altos
porque o serviço público é perdulário e ineficiente. Ninguém quer esclarecer
devidamente estes pontos — nem os políticos, nem ministros, nem juízes, nem
promotores, nem procuradores — dado que
escamotear estas filigranas jurídicas é essencial para a manutenção dos privilégios dos verdadeiros privilegiados.
Daí a opacidade do debate. O que se conseguirá com a Reforma não vai ser
absolutamente uma economia para o Estado, mas a deterioração dos serviços
públicos já bastante atacados e que, diga-se de passagem, nunca atingiu um
ótimo. Os verdadeiros gastos inúteis continuam, como vimos, com a manutenção de
privilégios e prerrogativas dos agentes membros de poderes: carros, auxílio
moradia, auxílio livro, diárias exorbitantes, entre outras coisas que são
garantidas a qualquer membro.
Em
outras palavras, o termo "funcionário público" é um termo vazio de
significado prático (já que não está, de modo específico, tratado na forma da
lei; é um equivalente significante apenas), mas pleno de sentido simbólico,
posto que habita o imaginário da população de uma maneira negativa. Esse
descrédito parece ser uma tradição brasileira. Jânio Quadros, nas suas
campanhas, elegeu-se em grande medida com o mote da moralização da política e
do "funcionalismo público". A diferença, a partir da CF 88, é que os
agentes políticos conseguem se blindar, preservando seus privilégios enquanto
os serviços públicos, junto com estes os servidores, sofrem cada vez mais.
Nos
últimos anos observamos um deslocamento sub-reptício e ainda mais capcioso do
termo "funcionário público". Trata-se de um trabalho de semiose da
mídia: ao invés de referir-se agora a "funcionário público" para
todos que trabalham para o Estado, todos são tratados doravante como
"servidores públicos". Por isso vemos estampado: "Servidor
público ganha o dobro, em média, que trabalhador da área privada". É uma
grande mentira, sedimentada numa enorme confusão praticada de forma
intencional.
E
o que dizem os membros? Publicamente,
nada. Privadamente não gostam de ser confundidos com a figura de “funcionários
públicos”, muito menos com os próprios servidores. A visão de si mesmos é
aristocrática, calcada num sentido de alta hierarquia e um senso de dever e
obrigações que, assim entendem, paira acima da sociedade. Desse modo estão
sempre a justificar seus privilégios -- tal como o Auxílio Moradia. Não se veem
como cidadãos comuns e agem de acordo com isso, seguindo uma ética própria da
alta hierarquia (tratamento e deferência especial). Vale mencionar o exemplo
recente do desembargador que perante uma fiscalização do uso obrigatório de
máscara, queria desobedecer lei prevista para todos, arrogando-se o direito de
interpretá-la ex tempore — fora do exercício legal do cargo. Há muitos
magistrados e muitos promotores que gostariam que não existisse a classe dos
servidores ou dos "funcionários públicos". A ideia de terceirização é
algo que ganha terreno nesta seara.
Há
muitos outros aspectos sobre os serviços públicos que deveriam e devem ser
esclarecidos ao grande público e à população em geral, tais como a distribuição
de recursos do orçamento, etc. A mídia alternativa, por mais boa vontade que
tenha, não consegue esclarecer todos estes pontos. A população é prisioneira de uma narrativa que
massacra a figura simbólica do "funcionário público" todos os dias.
Enfim,
temos o cenário de uma espécie de divisão social, bem ao gosto das classes
médias, que na visão destas a sociedade divide-se entre os pagadores de
impostos (da área privada) e os gastadores (da área pública). Há outras
manipulações ainda, tal como afirmar que o número de "servidores" no
Brasil é dos mais altos do mundo, entre outras balelas e falácias que
dificilmente são desfeitas. A população fica contaminada desse discurso, ainda
que sofra diariamente com a falta de servidores. [6]
A
campanha para que os servidores (de verdade) ganhem menos – ou para que ganhe o
mesmo que a área privada -- prossegue fortemente nestes tempos autoritários e
tem conseguido seus resultados. Por sua vez, os agentes políticos escapam (em
termos práticos) desse massacre. Primeiro porque estão distantes fisicamente da
população; segundo porque as leis restritivas nunca os atingem.
Alguns
profissionais sofrem mais a esse ataque do que outros, especialmente naquelas
áreas em que o atendimento ao público é maior: ensino e saúde. Na realidade,
abstraindo os salários de magistrados e promotores, a média salarial desses
profissionais é baixíssima. Enquanto vigorar essa situação de confusão −̶ artificialmente produzida −̶ o que temos é a derrota do Estado de Bem
Estar social. As disparidades só aumentarão a cada reforma, seja ela
administrativa ou previdenciária. Não é possível acreditar, em termos
materiais, que quaisquer dessas reformas solucionem a tão propalada questão
orçamentária. De todo modo, um bom começo é desfazer essa confusão entre quem é
servidor e quem não é — de fato e de direito.
Notas.
[1]
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1940-1949/constituicao-1946-18-julho-1946-365199-publicacaooriginal-1-pl.html
[2]
MELLO, Celso A. B. de. Regime constitucional dos servidores da administração
direta e indireta. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1990. p.09; ver também:
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo, Malheiros
Editores, 2003. p.75. Para este jurista, diferentemente de Bandeira de Mello,
os servidores públicos não são agentes públicos, mas uma subespécie de agente
administrativo. O que entendo estar correto.
[3]
MEIRELLES, op. cit. p.75
[4]
A título de exemplo: https://amp-mg.jusbrasil.com.br/noticias/100616057/vantagens-eventuais-dobram-salarios-de-juizes-de-sp
[5]
Digamos que um Promotor de Justiça ganhe 40 mil; um servidor do Ministério
Público ingressa com 4 mil, atualizados no último concurso. Se fizermos a média
-- como a Folha de São Paulo gosta de fazer sempre com estes números -- temos
22 mil. E daí a manchete mentirosa: "Servidor ganha em média 22 mil".
Não se procura obter a média salarial de servidores, servidores de fato e de
direito.
[6]
E talvez não seja para menos, pois o que conta é o dia-a-dia da população. Uma
mãe leva seu filho numa UBS (Unidade Básica de Saúde); se o atendimento for
simples e puder ser realizado pela enfermagem, sai dali feliz. Se precisar de
um atendimento médico vai precisar esperar, pois há falta de médicos nas
unidades básicas — o mais comum agora é encontrar um médico só para o
atendimento — como eu mesmo pude constatar recentemente. Se precisarmos de um médico especializado
vamos ter que agendar uma marcação para outro dia e outro horário e ainda
segundo as agendas disponíveis. Seremos direcionados para um hospital
centralizador -- como o da Santa Casa, por exemplo. Não menos de quinze dias
para isso. Enfrentaremos esse dia num prédio bem frequentado, com muitos
pacientes a serem atendidos, todos dispostos em saguões enormes. Uma vez atendido, poderemos precisar de
exames e seremos novamente conduzidos, com uma guia de exame na mão para um
novo agendamento -- apenas para o agendamento, não para o exame. Estas
"janelas" para abertura de agenda é que represam o atendimento no
SUS. Enfim, o que quero concluir é que é preciso aumentar em muito a quantidade
de pessoas trabalhando nestes serviços -- no caso em questão, mais médicos e
mais unidades para exame, pois absurdamente insuficientes. Um paciente que
enfrenta todo esse percurso doloroso não vai, ao fim, ainda que agradecido pelo
atendimento, possuir uma simpatia muito grande por "funcionários
públicos". Repito: ainda que demonstre agradecimento, se tudo der certo. O
serviço público é sabotado pelo próprio Estado e isso precisa ser enfrentado,
debatido e esclarecido. É preciso mostrar quem são os verdadeiros "marajás".