Só porque é bem feito, não quer dizer que é bom.
Crítica do filme Ave, César.
EUA/R.Unido, 2016, Dir. Joel e Ethan Coen
Sinopse. Hollywood, anos 1950. Edward Mannix (Josh Brolin) é o responsável por proteger as estrelas do estúdio Capitol Pictures de escândalos e polêmicas e vive um dia intenso quando Baird Whitlock (George Clooney), astro da superprodução Hail, Caesar!, é sequestrado no meio das filmagens por uma organização chamada "Futuro". (retirado de <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-225859/>)
Comentário.
Um filme no mínimo
duvidoso dos irmãos diretores. Trata-se de uma crítica à Hollywood? Ou uma
apologia? Ou nada disso? Mas é bem curioso como ele apresenta as
personagens-tipo em seu filme, sempre no tom irônico que beira o sarcasmo:
-atores: frágeis e
suscetíveis, estão sempre precisando de uma ajuda para "brilhar";
-roteiristas:
revoltados por se sentirem explorados, são eles que apoiam as ações da célula;
estão envolvidos no rapto do ator;
-figurantes: gente
que não é conhecida e, portanto, suspeita. Um grupo deles faz o rapto do ator
principal de um filme que ainda está sendo filmado;
-críticos de cinema
(ou os colunistas de fofocas): ácidos, mal-humorados, sempre à espreita de algo
"podre" no reino da fantasia;
-produtor executivo:
cuida de tudo, é homem bom; vai confessar-se ao padre; trabalha muito, não tem
tempo para a família e mesmo assim é um bom marido; recusa um trabalho mais
fácil e mais remunerado porque desconfia que é anti-ético. Ele é o verdadeiro "César",
o menos caricato dos personagens.
Uma vez raptado, Whitlock,
o ator principal do filme, cai numa "célula comunista" e é seduzido
pelas ideias do grupo. Daí pode se imaginar os chavões e frases prontas que,
evidentemente, são embaralhadas intencionalmente de modo tal a provocar
confusão no público que assiste ao filme de verdade. Claro, a caricatura é para
desqualificar. Por um golpe de sorte, o ator é resgato por um outro, que está
ascendo no mundo do cinema. Na volta, Mannix, o produtor executivo aplica-lhe
uma advertência e uma lição (física mesmo, dando-lhe uns tapas na cara e
chamando-o à realidade, ou seja, ao trabalho). O produtor - o homem do dinheiro
- não aparece. Mannix é o chamado produtor executivo, um gerente que cuida do
estúdio e do andamento dos filmes.
Enfim, qual a
mensagem do filme, se há alguma, pois os irmãos Coen gostam de passar a
impressão de que não querem dizer nada? Hollywood é uma fábrica de sonhos,
ninguém é explorado ali porque todos fazem, afinal, o que gostam de fazer. E a
vida é assim, cada um no seu trabalho.
Simples demais, até
mesmo para os irmãos Coen, que gostam de fazer filmes brincando com a teoria do
caos.Há filmes bem melhores e mais complexos, mesmo produzidos em Hollywood
(!), que tratam interessantemente o tema. Qual? Para ficar num antigo: o maravilhoso
"Crepúsculo dos Deuses" (Billy
Wilder, 1950), por exemplo. "Ah, mas os irmãos Coen fizeram apenas uma
comédia". Então no mesmo enredo há o incomparável "Dançando na Chuva" (Stanley Donen, 1952) - uma
crítica ácida, cheia de ironia fina e muito bem escrita sobre Hollywood, que é
sim, uma indústria.
O que salva no filme. George Cloney. Faz
perfeitamente o papel de ator ingênuo, suscetível na vida real, mas que na tela
dos filmes aparece como corajoso, firme. Outra coisa que se salva no filme é a
qualidade técnica da reprodução de cenas dos filmes antigos.
O que é falso. É
apresentar tudo assim de modo tão caricato. Houve muitas revoltas de
roteiristas em Hollywood, como sabemos (a última foi em 2007, organizada pelo
sindicato, a WGA. Fonte: Wikipédia). Há motivo? Sim. Quem ler a biografia de
Scott Fitzgerald sabe do que estamos falando (Meyers,
Jeffrey - Scott Fitzgerald, uma biografia). Precisando
de dinheiro, Fitzgerald foi trabalhar como roteirista em Hollywood, recebendo
uma remuneração baixa por semana, mas não era só isso que o atormentava mais. O
que incomodava era o modo de trabalho a que era submetido: como numa linha de
produção, os roteiros eram produzidos numa sala juntamente com outras dezenas
de roteiristas, com horários fixos a cumprir. Os textos não eram
necessariamente aproveitados, mas submetidos a uma seleção posterior. Ou seja,
produção era em série, como em esteiras de fábricas fordistas.
Esse cinema um tanto
cínico, sarcástico e de algum modo debochado está se tornando comum em
Hollywood - não só, mas no cinema americano em geral. Fazer prevalecer o que há
de pior no ser humano, sem maior aprofundamento ou complexidade, está se
tornando típico de diretores como os
irmãos Coen e Tarantino, por exemplo. E sinto dizer, até mesmo diretores como
Iñárritu, mas para isso há uma outra crítica que ainda estou para escrever.
Sinceramente, sinto falta de diretores como Vincent Minelli, Victor Fleming,
Otto Preminger e outros, só para ficar numa lista em que se produziu cinema
comercial, mas de boa qualidade.
O filme dos irmãos
Coen finaliza por não conter uma ironia fina e de reflexão, a despeito de
querer ser pretensamente sutil. Não é realista. É cômico, mas com humor
sarcástico e debochador. Quer vender uma realidade exagerada na forma e fraca
no conteúdo. O filme dos Coen não
faz jus aos filmes da época que retratou. Nem um pouco.