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terça-feira, 6 de junho de 2017

"Feios, Sujos e Malvados". Ita, 1976, Dir. Etore Scola. Crítica do filme.

Crítica do filme: "Feios, Sujos e Malvados". Ita, 1976, Dir. Etore Scola.

Mais um grande filme de Scola. Este sobre uma família, quase miserável, que vive em uma submoradia em Roma e sobrevive marginalmente na sociedade. O chefe da família, Giacinto, quer manter uma dignidade ilusória — a qual nem ele mesmo se orienta. A relação com a prole, numerosa, é tensa. Ele mantém um dinheiro escondido que poderia realizar o sonho de consumo de todos, mas mesquinhamente ele o guarda para si. Um dia aparece com uma amante, que convida para morar junto com todos. A mulher, cansada de tudo, não suporta mais este ato e trama com o restante a morte do patriarca. O intento não dá certo. Por sua vez, Giacinto trama uma vingança — primeiro tentando incendiar a casa, depois a vendendo a uma outra família, que quis tomar posse. Após uma pequena confusão, terminam por morar todos juntos, duas famílias numa casa só.
Uma grande questão, que está também presente em outros filmes de Scola, é a seguinte:  podem os pobres, sendo pobres, elevar-se de alguma forma? O acesso aos bens de consumo nos trariam algum benefício neste sentido? Numa noite Giacinto sonha que, por meio de seu dinheiro, consegue realizar o sonho de todos da família — eletrodomésticos, acesso à escola e à cultura. Quando desperta, a realidade é a mesma, mas o sonho o perturba, não muda sua conduta, continua avarento.
A crítica ao dinheiro é um aspecto subjacente nos filmes de Scola, mas aqui é mais direto. A guarda do volume de dinheiro —  tão mesquinha e miseravelmente escondido — é diretamente proporcional à pobreza vivida.

A família se aliena em busca de dinheiro e sobrevivência: um se prostitui como travesti, outro mendica nas ruas, outros empreendem furtos. Uma única figura, uma das filhas maiores, age mais "corretamente", cuidando da criançada e das tarefas diárias da casa. O restante vive no ócio ou na precariedade. Quando a avó — mãe de Giacinto que vive numa cadeira de rodas e assiste TV o dia inteiro — recebe finalmente uma pensão, todos querem se valer do "butim". Cabe a pergunta: sabemos que pode haver, mas é possível exigir alguma dignidade do ser humano nesta situação?

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Crítica do filme: 
O Massacre Em Guernica (Gernika)
Direção: Koldo Serra
Elenco: James d'Arcy, María Valverde, Jack Davenport
Nacionalidades: Espanha, EUA, Reino Unido, França


Filme fraco e parcial, contrariamente ao que já se disse sobre ele. Há muitos anacronismos. Por exemplo, mostrar que o serviço secreto soviético era apenas sectário e que não ajudou em nada. Outro, ainda pior: a crítica do filme que incide sobre a censura. O filme poderia ter ilustrado melhor o jogo de informação e contra-informação que está em disputa numa situação de guerra. Mas preferiu, anacronicamente, interpretar o assunto como se apenas a liberdade de imprensa estivesse em questão, ignorando os fatos da guerra mesma, muito diferente de uma situação de paz.

Além disso, os chavões de sempre: o heroi jornalista que acaba entrando na guerra e vai servir de contraponto à jovem censora Teresa. Tratamento superficial dos personagens. Profundo só o amor entre eles. Aliás, é o que elimina todo o restante do filme, que deveria ter como centro a Guerra, já que o nome, Guernica, justificaria o tema. Uma super produção de efeitos especiais que, ao fim, cuida apenas de um romance romântico entre um jornalista americano e uma funcionária espanhola. Quem procura lições de história, consulte outro lugar. Aqui só chavões e lugar comum.

sexta-feira, 14 de abril de 2017

A Puta, de Márcia Barbieri.



BARBIERI, Márcia. A Puta. São Paulo, Terracota, 2014.

O romance pode ser lido de várias formas: como uma narrativa do início dos tempos, então seria o Gênesis. Ou do fim dele, então seria o Apocalipse. Em ambas as formas encontramos o poder gerador e destruidor do sexo e da sexualidade. Nascimento e morte estão vivamente contemplados, demonstrados e vividos neste romance dialético, escondidos sob a apresentação aparentemente pornográfica. O pornográfico fica reduzido aqui apenas à linguagem (ou nem isso, porque não há apropriação, mas forma de expressão), enquanto os símbolos nos remetem ao contraditório das representações de gênero e de tipos, entendidos como persona - ou seja, o papel que se está assumindo no momento. Ou numa linguagem da psicologia junguiana, na forma de arquétipos.

Por isso mesmo a Puta, aquela que dá origem a tudo e a tudo pode destruir, constitui-se como a interface do mundo - e justamente por isso ela se relaciona com o Poeta, com o Filósofo, com Flamenca, uma mulher. Seria a Puta o self por meio do qual a humanidade se orienta? Talvez. Talvez o romance seja um desafio para ou o contraponto do poder do macho. Pode ser entendido assim das duas formas. De qualquer maneira, da Puta emana o poder feminino, que (inclusive) é um poder de fingimento, escamoteamento (tal como descrito à p. 76). Enfim, é um desafio para o mundo em que vivemos, especialmente os atuais.

A narrativa simbólica e a linguagem permeada de metáforas e de poesia, permitem múltiplas interpretações. Mas ao terminar o romance, tenho certeza de que o leitor terá uma imagem de transgressão como nunca experimentou na vida, pois o romance supera o tabu (no plano simbólico e não apenas da linguagem) em torno da figura que ninguém quer falar,  assumidamente, como fazendo parte de sua própria vida, ainda mais se lembrarmos que a prostituta é uma figura simbolicamente ambivalente [1] e, portanto, destruidora da identidade bem comportada.

O Estilo. O romance, inicialmente, não é fácil de ler - exige reflexão e assimilação a todo instante. Mas o leitor vai se acostumando à prosa um tanto poética e peculiar da autora. Falar em prosa poética é algo muito elementar para classificar o estilo do livro, pois ele é algo mais complexo que isso. A prosa contém poesia, sim, mas é de um simbolismo muito forte, de imagens vivas e bem carregadas no colorido.
Por meio desse simbolismo, que é gerador e destruidor ao mesmo tempo, conta-se uma história. Como dissemos, não é fácil de ler e acompanhar; no entanto, a partir de determinado ponto torna-se uma necessidade, uma certa dependência da leitura toma conta de nós - mas no momento certo, antes de se tornar um vício, o romance termina. E tal como num oráculo, a mensagem foi lançada. Cabe interpretar da melhor forma possível.


[1]JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis, RJ : Vozes, 2000. p. 199

sexta-feira, 31 de março de 2017

O Que Está Por Vir (L'Avenir), 2016, Dir. Mia Hansen-Løve. Crítica.

    O Que Está Por Vir (L'Avenir), 2016, Dir. Mia Hansen-Løve
    Sinopse:
    Nathalie (Isabelle Huppert) é professora de filosofia, tem dois filhos que pouco vê e um marido também docente, seu companheiro há 25 anos. Entre trocas de ideias com o pupilo anarquista, ligações insistentes da mãe solitária e piquetes de alunos, ela leva uma vida tranquila. Mas tudo está para mudar.

    Comentário.
    O que este filme talvez nos mostra é que as mudanças que se dão no mundo também nos alcançam, independente de nossa atitude mais ou menos ativa nele.
    Providencial que a protagonista seja uma professora de filosofia. Bom exemplo para refletir sobre a vida ativa e a vida contemplativa (de acordo com Aristóteles). A despeito de trabalhar como professora - dar aulas, corrigir provas e escrever livros - Nathalie leva uma vida absolutamente contemplativa. E bem burguesa, diga-se de passagem. As leituras não levam a ação; pelo contrário, levam à refração de qualquer atividade mais política ou engajada. Mas as coisas começam a mudar: divórcio, separação de bens, uma amizade com um jovem, a quebra de contrato com a editora, os protestos dos alunos frente às mudanças na previdência, a mãe doente, e um neto. Tudo isso agora "empurrando" a personagem para a ação, levando-a à atividade. Em cada círculo, uma reflexão prática, se podemos dizer assim: o divórcio: sair da relação acomodada, já que o marido, Heinz, comporta-se como apenas um colega de profissão; a amizade com Fabien: sair da acomodação contemplativa, dado que Fabien é um "ativista" e acredita numa alternativa social ao mundo capitalista; o trabalho na editora: sair da relação economicamente cômoda, pois é evidente que é o trabalho de escrever livros é que completa a renda; a mãe: sair da relação de filha, já que é obrigada a dar atenção cada vez maior à mãe, pois o estado social de bem-estar recua cada vez mais (lembrar da parte dos bombeiros); o neto: entrar na relação de avó, numa espécie de nova maternidade, um cuidado com a nova geração, pois o mundo é uma interrogação...
    O contexto do filme são as mudanças da França sob Sarkozy, o avanço neoliberal - momento que estão se discutindo as reformas previdenciárias, inclusive. Os alunos da professora querem fazer greve, em protesto às mudanças - mas o movimento está dividido. A professora nem quer tomar conhecimento. Está imersa em seu mundo contemplativo. Mas esse comportamento começa a se alterar com as próprias mudanças em seu meio - trabalho, família, amizade. Então, o que fazer? Acredito que seja essa reflexão que a diretora do filme quis que fízessemos. Por isso mesmo a trama não foi totalmente acabada; o filme termina em suspensão; os fios estão soltos para que nós mesmos façamos seu cerzimento. Não por acaso a filósofa embala um nenê, seu neto, uma promessa de futuro. É preciso ter esperança nas novas gerações.

    P.S.: A tradução melhor para L´Avenir talvez seja "o porvir", como o futuro. "O que está por vir", no português, pode dar a ideia do que imediatamente está por vir, algo que aconterá mais próximo de nós - essa ideia é uma decorrência do verbo auxiliar "está", que não deveria ser usado para a tradução.  
     A crítica equivocada, na minha opinião, é a do Do AdoroCinema. Leia no link abaixo:

sexta-feira, 17 de março de 2017

A Reforma na Educação e o movimento ESP

    -- Ou: como nos transformar em estúpidos sendo tolos

    Es.tú.pi.do. adjetivo. 1. Sem inteligência, sem discernimento (projeto estúpido, indivíduo estúpido). 2. Sem ação, transtornado, atacado de estupor: "Notei o pasmo com que meu pai ouviu, e fiquei de pedra, estúpido de dor, ao ouvir-lhe esta sentença..." (Camilo Castelo Branco, As três irmãs) 3. Que é excessivo ou insuportável: um calor estúpido o deixou exausto. 4. Bras. Que demonstra grosseria, brutalidade: Era muito estúpido com os subordinados. Substantivo masculino. 5.Indivíduo grosseiro, brutal: Estúpido aqui não tem vez, aqui vale a boa educação.[Aum.: estupidarrão] [F.: Do lat. stupidus.]
    Fonte: Dicionário Novíssimo  Aulete, Lexikon, 2011, p. 619.

    Este termo pode expressar uma "qualidade" - estupidez, mas também define uma patologia na ciência psicanalítica:
    Estupidez. (...) Limitação nos processos ideativos e na capacidade de julgar.
    Fonte: GALIMBERTI, Umberto. Dicionário de Psicologia. São Paulo, Loyola, 2010 (1992). p. 472

    Sendo um adjetivo ou uma patologia, o termo parece bem referir aqueles que sairão formados das escolas se a ideia do Escola sem Partido vingar e uma tal legislação desse tipo vigorar. A MP (medida provisória) da Reforma da Educação, convertida agora em Lei ( Nº 13.415, DE 16 DE FEVEREIRO DE 2017), nada mais é que um atendimento às reivindicações gerais da ESP e um preparo para reformas baseadas em seus pressupostos. Quem se dispuser a ler atentamente a lei e conhecer um pouco da LDB poderá perceber as contradições, pois se aplicada, a nova lei esfacela o ensino de humanidades. Obviamente, ao diminuir a grade e oferecer disciplinas como optativas, haverá diminuição de profissionais alocados para essas áreas. O que, por sua vez, fará com que se diminua a procura destas disciplinas por parte dos alunos. Um ciclo redutor entre oferta e procura, levando a um esvaziamento no ensino delas.

    Isso sem mencionar que a Lei quer promover mudanças sem que a base material necessária esteja pronta. Aumento da carga horária exige mais escolas. Os governos estaduais estão fechando escolas. Querem diminuir o teto de gastos, que incluirá os com a educação. Como será promovida tal reforma na educação, em termos práticos?
    Como se diria popularmente, no papel suportam-se todas as ideias. Mas parece que estamos vendo algo  típico do nacional ao adotar as boas intenções primeiro para depois observar o que sucede na prática. Resultado: muda aquilo que pode mudar, em termos práticos imediatamente; o resto, virá (espera-se) depois. E o que se pode mudar imediatamente é a base curricular, a BNCC, em sua grade. Ponto para o ESP, que quer nos tornar estúpidos, tanto qualitativamente quanto patologicamente, pois é assim que entendo em que transformarão as gerações futuras após tais mudanças. Formar para a profissão? Quais? Em quais condições? Se vão oferecer cursos técnicos a estrutura já está sendo providenciada, tais como laboratórios, etc? Alguma garantia de que esse cursos serão os mais modernos e adequados com as rápidas revoluções tecnológicas que se sucedem atualmente?

    Fontes na internet:

    Para saber um pouco mais, sugiro, além das fontes na internet, o seguinte livro:
    "A ideologia do movimento Escola Sem Partido. 20 autores desmontam o discurso." , São Paulo, Ação Educativa Ed., 2016.
    Em tempo.
    Segundo Deonísio da Silva, em seu "A vida íntima das palavras" (ed. Arx, 2002), do latim stupidu - admirado, "passou a significar tolo porque os muito bobos se espantam com tudo, dada a sua falta de conhecimento." (p.187)

domingo, 5 de março de 2017

Só porque é bem feito, não quer dizer que é bom. Crítica do filme Ave, César, 2016, Dir. Joel e Ethan Coen

Só porque é bem feito, não quer dizer que é bom.
Crítica do filme Ave, César. EUA/R.Unido, 2016, Dir. Joel e Ethan Coen



Direção: Joel CoenEthan Coen
Sinopse. Hollywood, anos 1950. Edward Mannix (Josh Brolin) é o responsável por proteger as estrelas do estúdio Capitol Pictures de escândalos e polêmicas e vive um dia intenso quando Baird Whitlock (George Clooney), astro da superprodução Hail, Caesar!, é sequestrado no meio das filmagens por uma organização chamada "Futuro". (retirado de <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-225859/>)

Comentário.
Um filme no mínimo duvidoso dos irmãos diretores. Trata-se de uma crítica à Hollywood? Ou uma apologia? Ou nada disso? Mas é bem curioso como ele apresenta as personagens-tipo em seu filme, sempre no tom irônico que beira o sarcasmo:
-atores: frágeis e suscetíveis, estão sempre precisando de uma ajuda para "brilhar";
-roteiristas: revoltados por se sentirem explorados, são eles que apoiam as ações da célula; estão envolvidos no rapto do ator;
-figurantes: gente que não é conhecida e, portanto, suspeita. Um grupo deles faz o rapto do ator principal de um filme que ainda está sendo filmado;
-críticos de cinema (ou os colunistas de fofocas): ácidos, mal-humorados, sempre à espreita de algo "podre" no reino da fantasia;
-produtor executivo: cuida de tudo, é homem bom; vai confessar-se ao padre; trabalha muito, não tem tempo para a família e mesmo assim é um bom marido; recusa um trabalho mais fácil e mais remunerado porque desconfia que é anti-ético. Ele é o verdadeiro "César", o menos caricato dos personagens.

Uma vez raptado, Whitlock, o ator principal do filme, cai numa "célula comunista" e é seduzido pelas ideias do grupo. Daí pode se imaginar os chavões e frases prontas que, evidentemente, são embaralhadas intencionalmente de modo tal a provocar confusão no público que assiste ao filme de verdade. Claro, a caricatura é para desqualificar. Por um golpe de sorte, o ator é resgato por um outro, que está ascendo no mundo do cinema. Na volta, Mannix, o produtor executivo aplica-lhe uma advertência e uma lição (física mesmo, dando-lhe uns tapas na cara e chamando-o à realidade, ou seja, ao trabalho). O produtor - o homem do dinheiro - não aparece. Mannix é o chamado produtor executivo, um gerente que cuida do estúdio e do andamento dos filmes.
Enfim, qual a mensagem do filme, se há alguma, pois os irmãos Coen gostam de passar a impressão de que não querem dizer nada? Hollywood é uma fábrica de sonhos, ninguém é explorado ali porque todos fazem, afinal, o que gostam de fazer. E a vida é assim, cada um no seu trabalho.
Simples demais, até mesmo para os irmãos Coen, que gostam de fazer filmes brincando com a teoria do caos.Há filmes bem melhores e mais complexos, mesmo produzidos em Hollywood (!), que tratam interessantemente o tema. Qual? Para ficar num antigo: o maravilhoso "Crepúsculo dos Deuses" (Billy Wilder, 1950), por exemplo. "Ah, mas os irmãos Coen fizeram apenas uma comédia". Então no mesmo enredo há o incomparável "Dançando na Chuva" (Stanley Donen, 1952) - uma crítica ácida, cheia de ironia fina e muito bem escrita sobre Hollywood, que é sim, uma indústria.

O que salva no filme. George Cloney. Faz perfeitamente o papel de ator ingênuo, suscetível na vida real, mas que na tela dos filmes aparece como corajoso, firme. Outra coisa que se salva no filme é a qualidade técnica da reprodução de cenas dos filmes antigos.
O que é falso. É apresentar tudo assim de modo tão caricato. Houve muitas revoltas de roteiristas em Hollywood, como sabemos (a última foi em 2007, organizada pelo sindicato, a WGA. Fonte: Wikipédia). Há motivo? Sim. Quem ler a biografia de Scott Fitzgerald sabe do que estamos falando (Meyers, Jeffrey -  Scott Fitzgerald, uma biografia). Precisando de dinheiro, Fitzgerald foi trabalhar como roteirista em Hollywood, recebendo uma remuneração baixa por semana, mas não era só isso que o atormentava mais. O que incomodava era o modo de trabalho a que era submetido: como numa linha de produção, os roteiros eram produzidos numa sala juntamente com outras dezenas de roteiristas, com horários fixos a cumprir. Os textos não eram necessariamente aproveitados, mas submetidos a uma seleção posterior. Ou seja, produção era em série, como em esteiras de fábricas fordistas.
Esse cinema um tanto cínico, sarcástico e de algum modo debochado está se tornando comum em Hollywood - não só, mas no cinema americano em geral. Fazer prevalecer o que há de pior no ser humano, sem maior aprofundamento ou complexidade, está se tornando típico de diretores  como os irmãos Coen e Tarantino, por exemplo. E sinto dizer, até mesmo diretores como Iñárritu, mas para isso há uma outra crítica que ainda estou para escrever. Sinceramente, sinto falta de diretores como Vincent Minelli, Victor Fleming, Otto Preminger e outros, só para ficar numa lista em que se produziu cinema comercial, mas de boa qualidade.  
O filme dos irmãos Coen finaliza por não conter uma ironia fina e de reflexão, a despeito de querer ser pretensamente sutil. Não é realista. É cômico, mas com humor sarcástico e debochador. Quer vender uma realidade exagerada na forma e fraca no conteúdo. O filme dos Coen não faz jus aos filmes da época que retratou. Nem um pouco.


terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Antropofagia ou: quando a leitura deve ser literal

Antropofagia.
1.Ação, comportamento ou condição de antropófago; CANIBALISMO; 2.Aantr. Prática, ger. com caráter ritual, de canibalismo entre seres humanos; 3.Bras. Hist. Liter. Art. pl. Movimento brasileiro de vanguarda, na literatura e nas artes, que, no fim dos anos 1920, defendia uma combinação de modernização e nativismo, pregando a assimilação crítica, irônica e irreverente de elementos estrangeiros (...) tomando como modelo a antropofagia dos antigos tupinambás (ingestão do inimigo para a apropriação de suas qualidades guerreiras) (...)
Fonte: Novíssimo Aulete, Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, Rio de Janeiro, Lexikon, 2011, p.122.

Defesa de Sakamoto.

No artigo de seu blog:
O ódio à Marisa Letícia: É o Brasil antropofágico que pede passagem
 O referido post de Sakamoto causou alguma celeuma entre intelectuais, que se viram "ofendidos"ou afetados com o uso do termo acima pelo jornalista. Não vi razão para tanto e ainda mais para um “puxão de orelha” tão exemplar e público, desproporcional ao erro, no meu entendimento.  Talvez haja quem não concorde e diga que eu é que estou exagerando. Mas para quem ler o texto de Beatriz Azevedo, coloque-se no lugar do sabatinado e tente avaliar suas próprias percepções das coisas que lhe afetam. O artigo da autora é xistoso, recheado de trocadilhos ("Sakamoto, você não saka..."), "adorável" de se ler, bem ao gosto de algumas literaturas atuais.  Não para o meu. Não aprecio essa estética. O artigo de Sakamoto optou pelo peso, a fim de ilustrar uma situação trágica da vida nacional, então empregou o termo na sua acepção quase literal, genética, anterior à consagração semântica que os modernistas lhe emprestaram.  Tenho muitas ressalvas aos modernistas, brasileiros ou não, mas isso não cabe aqui - uma certa tendência de se apropriar de termos e torná-los exclusivos e universais, é uma delas. Os estudiosos do modernismo tratam o movimento como se ele fosse o ponto culminante da cultura em geral. Não é o meu ponto de vista.
O que me pareceu evidente é que foi muito oportuno para a Revista Cult publicar a tal crítica, na Coluna de Márcia Tiburi, em artigo de Beatriz Azevedo - tese de seu livro, resenhada em 2016 pela própria Márcia.
E enfim, a despeito de tudo isso,  Sakamoto publicou um adendo ao seu artigo, assinado pelo jornalista Rodrigo Savazoni, que explicou muito bem, sim, quais as diferenças entre o movimento e o termo de mesmo nome. E, ao final, o próprio Sakamoto não empregou o termo em seu sentido estritamente literal, pois ninguém "comeu" ninguém na vida política, mas o termo quis indicar a eliminação política da figura pública. Então Sakamoto empregou o termo também em sentido simbólico, tão válido quanto o dos modernistas. E pelo que me consta, o sentido antropólogico, que não é o dos modernistas, ainda continua perfeitamente válido. Para a Antropologia ao menos.
Mas tratou-se Sakamoto como se ele nada soubesse ou desconfiasse a respeito do uso do termo pelo  movimento modernista. E de forma lamentável. 

Antropofagia no Brasil em 1557, segundo a descrição de Hans Staden.