BARBIERI, Márcia. A Puta. São Paulo,
Terracota, 2014.
O romance pode ser
lido de várias formas: como uma narrativa do início dos tempos, então seria o
Gênesis. Ou do fim dele, então seria o Apocalipse. Em ambas as formas
encontramos o poder gerador e destruidor do sexo e da sexualidade. Nascimento e
morte estão vivamente contemplados, demonstrados e vividos neste romance
dialético, escondidos sob a apresentação aparentemente pornográfica. O
pornográfico fica reduzido aqui apenas à linguagem (ou nem isso, porque não há
apropriação, mas forma de expressão), enquanto os símbolos nos remetem ao
contraditório das representações de gênero e de tipos, entendidos como persona - ou seja, o papel que se está
assumindo no momento. Ou numa linguagem da psicologia junguiana, na forma de
arquétipos.
Por isso mesmo a
Puta, aquela que dá origem a tudo e a tudo pode destruir, constitui-se como a
interface do mundo - e justamente por isso ela se relaciona com o Poeta, com o
Filósofo, com Flamenca, uma mulher. Seria a Puta o self por meio do qual a humanidade se orienta? Talvez. Talvez o
romance seja um desafio para ou o contraponto do poder do macho. Pode ser
entendido assim das duas formas. De qualquer maneira, da Puta emana o poder
feminino, que (inclusive) é um poder de fingimento, escamoteamento (tal como
descrito à p. 76). Enfim, é um desafio para o mundo em que vivemos,
especialmente os atuais.
A narrativa
simbólica e a linguagem permeada de metáforas e de poesia, permitem múltiplas
interpretações. Mas ao terminar o romance, tenho certeza de que o leitor terá
uma imagem de transgressão como nunca experimentou na vida, pois o romance
supera o tabu (no plano simbólico e não apenas da linguagem) em torno da figura
que ninguém quer falar, assumidamente,
como fazendo parte de sua própria vida, ainda mais se lembrarmos que a
prostituta é uma figura simbolicamente ambivalente [1] e, portanto, destruidora
da identidade bem comportada.
O Estilo. O romance, inicialmente, não é fácil
de ler - exige reflexão e assimilação a todo instante. Mas o leitor vai se
acostumando à prosa um tanto poética e peculiar da autora. Falar em prosa
poética é algo muito elementar para classificar o estilo do livro, pois ele é
algo mais complexo que isso. A prosa contém poesia, sim, mas é de um simbolismo
muito forte, de imagens vivas e bem carregadas no colorido.
Por meio desse
simbolismo, que é gerador e destruidor ao mesmo tempo, conta-se uma história.
Como dissemos, não é fácil de ler e acompanhar; no entanto, a partir de determinado
ponto torna-se uma necessidade, uma certa dependência da leitura toma conta de
nós - mas no momento certo, antes de se tornar um vício, o romance termina. E
tal como num oráculo, a mensagem foi lançada. Cabe interpretar da melhor forma
possível.
[1]JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis, RJ :
Vozes, 2000. p. 199
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