Postagens mais visitadas

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Cananéia e o turismo de consumo rápido de um paraíso imaginário



Esta rápida observação é resultado de minha visita (turística) ao município de Cananéia, no ano de 2021.

Dos primeiros povoados do Brasil, onde a defesa do território se fez presente, Cananéia impressiona por sua grande porção de vegetação original (Mata Atlântica) ainda presente e relativamente preservada. Mas segundo informação de trabalhadores locais, há alguns problemas, tal como a formação de bancos de areia em partes do canal entre a ilha e o continente.

Portanto, Cananéia não escapa ao turismo predatório. E também não escapa ao modelo de administração "moderna" e igualmente predatória de cidade, que identifiquei em todas as que visitei até agora. Estou me referindo ao espaço mais urbano, a região mais central. Não visitei a periferia ou os vilarejos. O que encontramos neste centro são ruas sem árvores; não estou dizendo que faltam árvores, estou dizendo que não há árvores em praticamente nenhum lugar do desenho urbano. Uma ou outra solitária aparece, incapaz ainda de produzir sombra. Já a avenida central é repleta de recentes plantas da família das palmeiras (péssimo gosto que invadiu feito uma praga todo interior do estado de SP).  Mas isso é moda de prefeito em todo estado, pelo que já constatei. Péssimo gosto, repito.  

As praias turísticas, afastadas, para onde são atraídas muitas pessoas, que se deslocam para lá em lanchas alugadas, estão de fato relativamente preservadas. Ao menos a olho nu, pois há assoreamento de alguns pontos, provavelmente devido, entre outras coisas, ao número de embarcações que por ali transitam. O boto cinza ainda resiste nessa paisagem, mas estão se reduzindo em número -- justamente devido ao intenso trânsito de  lanchas turísticas.

Pergunta-se: é esse modelo de convivência com a natureza que queremos? Esse turismo de exploração do imaginário paradisíaco vai ajudar a preservar a natureza? Talvez em parte, mas não como a pensamos. E também, isso é mais certo, não vai ajudar a melhorar a vida da população no meio urbano. Uma cidade que não possui árvores não é uma cidade saudável. No nosso caso em tela o problema é piorado com o emprego de asfalto derivado de petróleo, que está substituindo as antigas placas de pedra destes lugares, contribuindo para o aquecimento do micro clima. Para mim, um lugar inóspito para viver. Não pude avaliar a mobilidade urbana. Pouco tempo para isso. Há uso de bicicletas, há balsas, vi poucos ônibus. É preciso de tempo para avaliar certas condições de vida numa cidade. Mas pouco tempo é necessário para dizer o que não queremos nela.

domingo, 12 de fevereiro de 2023

O ministro e a síndrome de jeca

BARROSO, Luís Roberto. "Ética e jeitinho brasileiro". https://www.jota.info/especiais/etica-e-jeitinho-brasileiro-10042017 - Abril 2017

Neste texto, Barroso expõe suas principais ideias sobre a identidade brasileira. E atribui a ela os principais problemas nacionais. Um show de lugar-comum, preconceitos  de classe (os mesmos contra os quais quer combater), ideias ultrapassadas e conceitos extraídos à fórceps da história e da sociologia. Anacrônico, remete todos os nossos problemas ao dilema moral.

 

"Três disfunções atávicas marcam a trajetória do Estado brasileiro: o patrimonialismo, o oficialismo e a cultura de desigualdade."

 Observe-se que fala em "cultura da desigualdade", não em desigualdade material ou de riqueza. O patrimonialismo remete às raízes ibéricas, segundo o ilustre ministro. Certo, mas até aí que ele resulte no "rouba mas faz", como ele afirma, é outra história. E o senhor ministro a distorce.

O oficialismo seria outra "disfunção", ou seja, a de tudo depender do Estado. O excelentíssimo não dá maiores explicações de porque isso ocorre, pois a coloca como um costume, "herdado". E é esta a disfunção que vai resultar em "aos amigos tudo; aos inimigos a lei". Por fim, a "cultura da desigualdade" é o nosso terceiro mal "crônico". Para nosso ilustre ministro não há uma cultura onde todos são iguais e direitos para todos. (Por que será, não?). Esse mesmo ministro negou, recentemente (setembro, 2022) o piso salarial para os profissionais da enfermagem, alegando "riscos à saúde". [1] O mercado aplaude. Essa cultura, segundo LRB, está associada ao "sabe com quem está falando?". Só isso, senhor ministro?

Mais à frente, o ministro justifica, com os próprios elementos acima, sua falha para com setor que o indicou como autoridade:

 "Eu cheguei ao Supremo Tribunal Federal vindo da advocacia. Mais de uma vez chegou a mim a queixa de que eu “virei as costas aos amigos” e que sou um juiz muito duro. Não sou. Mas sou sério, e isso frustrou a expectativa de quem esperava acesso privilegiado e favorecimentos."

 Será que o ministro aplicou o conceito à sua própria situação? já que não ingressou no STF via concurso... É típico de nossas classes da alta burocracia entender-se como um homem digno de mérito e que tudo ocorreu segundo seus próprios méritos. E que o exercício da magistratura seria algo asséptico, livre da política. Nunca explicou direito o que seria o "choque de iluminismo", defendido por ele. [2]

 

Sua conclusão é meramente moral:

 

"O jeitinho brasileiro é produto de algumas características da colonização e da formação nacionais. Ele se traduz na pessoalização das relações sociais e institucionais e importa, muitas vezes, no afastamento de regras que deveriam valer para todos. (...) Infelizmente, porém, as facetas negativas superam em quantidade e qualidade os aspectos mais glamorosos do jeitinho. 

Improviso, relações familiares e pessoais acima do dever e a cultura da desigualdade contribuem para o atraso social, econômico e político do país. Mais grave, ainda, o jeitinho importa, com frequência, em passar os outros para trás, em quebrar normas éticas e sociais ou em aberta violação da lei. Em todas essas situações, ele traz em si um elevado custo moral, por expressar um déficit de integridade pessoal e de republicanismo. Em desfecho deste ensaio, então, é possível concluir que, salvo nas hipóteses pontuais e específicas em que se manifesta por comportamentos legítimos, o jeitinho brasileiro deverá ser progressivamente empurrado para a margem da história pelo avanço do processo civilizatório."

 

E enfim:

 

"Nada do que eu disse deve ser interpretado como qualquer grau de pessimismo em relação ao Brasil. Pelo contrário. Nós estamos às vésperas de um novo tempo. Minha única aflição é a de não desperdiçarmos a chance de fazer um novo país, maior e melhor."

 

Estaríamos em 2017 ao tempo deste texto. A eleição de 2018 seria marcada pelo mais violento bolsonarismo -- fascibolsonarismo. Qual seria a esperança do nosso ministro, tão lavajatista e antipetista que se tornou? Será que ele próprio não se beneficiou do tal "jeitinho brasileiro"?

 Reflitam.


P.S. Sobre Ética, mesmo, nada disse. 

  

[1] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2022/09/05/maierovitch-decisao-de-barroso-sobre-piso-da-enfermagem-e-legitima-e-justa.htm

[2] https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/573538/noticia.html?sequence=1&isAllowed=y

também: https://revistapoder.uol.com.br/edicoes/edicao-145/luis-roberto-barroso-defende-choque-de-iluminismo-contra-o-retrocesso/