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quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Moby Dick. O destino dentro da baleia.

Leitura realizada em Janeiro de 2009
 MELVILLE, Herman. Moby Dick ou A baleia. Trad. Irene Hirsh e Alexandre Barbosa de Souza. São Paulo: Cosac Naify, 2018 (1851).

Edição excelente da Cosac Naify, com mapas, ilustrações, vocabulário náutico, excertos ligados ao tema, bibliografia e uma fortuna crítica. Leitura agradável pelo uso das fontes Swift e Gothan de bom tamanho.

 

Narrado em primeira pessoa, digressiva e reflexiva,  com muitas passagens em tom bíblico. O tema principal parece ser a vingança, pois o capitão Ahab, que comanda um navio baleeiro, da cidade de New Bedford, está convicto de caçar uma velha baleia, aliás, um cachalote, cujo apelido é Moby Dick. Trata-se de um desafeto antigo: esta baleia teria sido o motivo de sua perna de pau -- quer dizer, a perda de um membro inferior, além de uma sinistra cicatriz no rosto. Vai ao mar para vingar-se.

Mas o tema também é a temperança. Ishmael, um professor no campo, vai ao mar por vontade de ver as águas. Evidentemente para pensar o mundo:

 

"Se o mais distraído dos homens estiver mergulhado em seus sonhos mais profundos – coloque esse homem de pé, ponha-o para andar, e não tenha dúvida de que ele o levará até a água, se houver água em toda essa região. Se você mesmo estiver com sede no imenso deserto norte-americano, faça a experiência, caso encontre em sua caravana um professor de metafísica. Pois, como todos sabem, a meditação e a água estão casadas para todo o sempre." (p.28)

 

Mas também é uma história sobre a amizade. O amor que surge dela. Isso fica claro na relação de Ishmael com Queequeg, um indígena:

 

"Veja como, embora eu tivesse sentido repugnância por ele fumar na cama na noite anterior, nossos rígidos preconceitos se tornam elásticos quando o amor vem dobrá-los. Pois agora não havia nada que me agradasse mais do que Queequeg fumando ao meu lado, até na cama, porque ele o fazia pleno de uma serena alegria doméstica. Não me sentia mais indevidamente preocupado com a apólice de seguro do proprietário. Sentia apenas alegria com o conforto condensado e confidencial de dividir um cachimbo e um cobertor com um amigo de verdade." (p.75)

 

Uma admiração que foi aparecendo já antes e que se confunde com a alteridade:

 

"digam o que quiserem, mas a verdade é que os selvagens têm um senso inato de delicadeza; é maravilhoso como são polidos nas coisas essenciais." (p.50)

 

O tema da vingança aparece em várias passagens. Mas fica explícita no capítulo 36:

 

“Capitão Ahab”, disse Starbuck, que junto com Stubb e Flask observava seu superior com uma curiosidade crescente, mas foi tomado por um pensamento que de certo modo explicava a perplexidade. “Capitão Ahab, já ouvi falar de Moby Dick – mas não foi Moby Dick que te arrancou a perna?”

(...)

“isso, isso! Foi essa maldita baleia branca que me reduziu a uma carcaça; que fez de mim um marinheiro aleijado e sem jeito para todo o sempre!” Depois, lançando os braços para o alto, com desmedidas imprecações, gritou: “Isso, isso! E vou persegui-la na Boa Esperança, no Horn, no maelstrom da Noruega e nas chamas do inferno antes de desistir. Foi para isso que embarcastes, marinheiros! Para perseguir essa baleia branca nos dois lados da terra, e por todos os lados do globo, até que ela solte um jato de sangue preto e bóie com as barbatanas para cima. (p.182)

 

Ahab encontra a baleia, pela segunda vez. São as cenas finais, onde a tragédia vai se iniciar e encerrar:

 

“Lá ela salta! Lá ela salta!”, foi o grito quando, em suas incomensuráveis bravatas, a Baleia Branca lançou-se ao Céu como um salmão. Vista assim tão de repente, no puro azul do mar, e realçada pela orla ainda mais azul do firmamento, a surriada que a baleia ergueu, naquele momento, brilhou e resplandeceu insuportavelmente como uma geleira; e lá ficou aos poucos se desfazendo da primeira fulgurante intensidade, chegando à fosca nebulosidade de uma chuva que avança sobre o vale.

“Sim, dá o teu último salto até o sol, Moby Dick!”, gritou Ahab. “Tua hora e teu arpão estão próximos! – Todos para baixo e fica só um homem à proa. Os botes! – Todos a postos!” (p.577)

 

[Spoiler do final à frente]

 

A grande baleia branca, o paredão branco, investe contra o navio Pequod. Este começa a afundar. O capitão Ahab começa a refletir que o navio se torna um grande carro fúnebre. Num bote, vai atrás de Moby Dick:

 

O arpão foi arremessado; a baleia atingida avançou; com uma rapidez inflamada, a linha correu pela ranhura – emaranhou-se. Ahab curvou-se para soltá-la; e soltou-a; mas a volta volante apanhou-o pelo pescoço e em silêncio, como os Turcos mudos estrangulam suas vítimas, foi atirado para fora do bote, antes que a tripulação percebesse que havia morrido. No instante seguinte, o pesado nó corredio da ponta final da linha voou da selha vazia, derrubou um remador e, batendo no mar, desapareceu nas profundezas.

 

Por um instante a tripulação do bote permaneceu imóvel, em transe; depois caiu em si. “O navio? Grande Deus, onde está o navio?” Logo, através da atmosfera fosca e confusa, viram seu fantasma desvanecer-se, como nas brumas da Fata Morgana; apenas a parte superior dos mastros fora da água; enquanto, presos por encantamento, ou fidelidade, ou destino aos seus poleiros outrora elevados, os arpoadores pagãos mantinham sua vigilância náufraga sobre o oceano. E então círculos concêntricos envolveram o bote solitário e toda a sua tripulação e cada remo flutuante e cada haste de lança e, levando a girar as coisas vivas e as inanimadas em volta de um único vórtice, fizeram desaparecer até a menor lasca do Pequod.

 

Mas – enquanto os últimos turbilhões se derramavam misturados sobre a cabeça submersa do Índio no topo do mastro, deixando ainda visíveis algumas polegadas do mastaréu ereto, junto com as longas jardas da bandeira, que ondulava calmamente, por irônica coincidência, sobre as ondas destruidoras que quase a tocavam – naquele instante, um braço vermelho e um martelo pairavam erguidos no ar, em posição de pregar com firmeza a bandeira à verga que afundava. Um falcão marinho que ofensivamente seguira o mastro grande na descida de sua morada natural entre as estrelas, bicando a bandeira e molestando Tashtego; ocorreu então que o tal pássaro interpôs a grande asa esvoaçante entre o martelo e a madeira; e, sentindo ao mesmo tempo aquela emoção etérea, o selvagem logo abaixo, submerso, no momento de sua morte, ali fincou estático o martelo; e assim, a ave do céu, com seu gralhar de arcanjo e seu bico imperial arremetido para o alto e todas as suas formas cativas, envolto pela bandeira de Ahab, afundou com o navio, que, como Satã, não quis descer até o inferno sem arrastar consigo uma parte vigorosa do céu, que assim lhe servisse de elmo.

 

Pequenas aves voavam agora gritando sobre o golfo ainda escancarado; uma rebentação branca se abateu contra os seus lados íngremes; e então tudo desabou e o grande sudário do mar voltou a rolar como rolava há cinco mil anos. (p.591)

 

Toda a história de desenlaça numa só página. É o fim. Aliás, há um Epílogo, em que Ishmael explica como se salvou. Caso contrário, essa história não seria contada, pois só ele escapou.

 

Comentário.

Evidente que a Baleia é um símbolo bíblico. Melville é coerente com essa premissa e justapõe a isso  outros temas no livro. A loucura de Ahab contrasta com a sobriedade de Ishmael. Vingança de um lado, temperança do outro. A figura de Ahab é sinistra, causa temor aos marinheiros. Durante os preparativos do Pequod, o navio baleeiro, ninguém o viu. Só já em alto mar é que o capitão sai de sua cabine, como se ali morasse, em total misantropia. A cidade de New Bedford, em Nantucket, depende muito da pesca da baleia. E muitos investem no negócio com cotas, cujo resultado financeiro final será repartido conforme estas. Há uma certa reverência com relação ao animal, portanto. Reverência desprezada por Ahab, que só pensa na vingança. Tal como na história bíblica, onde o personagem é Jonas, há uma quebra das regras de convivência social. Jonas foi engolido por uma baleia, como castigo divino, por querer se afastar dos homens -- mas se arrepende e é cuspido, tornado de volta à vida. Mas o capitão Ahab não. Vai até o fim. É engolido pelo mar, emaranhado nas cordas de seu próprio arpão, depois de ser puxada violentamente por Moby Dick. A profecia, de modo invertido, se realizou.

O estilo bíblico da composição vai em auxílio do enredo, que se converte em enorme drama final. Os próprios personagens, como já dissemos, são de inspiração bíblica. Por outro lado, o romance é permeado de reflexões de vida, filosóficos mesmo. O olhar de Ishmael é de compaixão, mas muito resignado, como querendo tirar lições de tudo; sendo ele um professor que foi "buscar aventuras" nas águas. Retirou muito aprendizado, é de se depreender. O leitor poderá ganhar o seu.

domingo, 16 de outubro de 2022

Rumo à Estação Finlândia. Um livro para ninguém.

 WILSON, Edmund. Rumo à Estação Finlândia: escritores e atores da história. Tradução Paulo Henriques Brito. São Paulo: Companhia das Letras, 1986 (texto de 1940).


Este livro foi editado pela primeira vez em 1986 e atravessou os anos 1990 como uma leitura muito promovida, pois 1989 (queda do muro) e 1991 (fim da URSS) delinearam e formataram a ideologia política centrada no neoliberalismo, cujos tentáculos abraçavam cada vez mais adeptos e esmagavam cada vez mais oposições.

Mas este um texto escrito em 1940, sob a Segunda Guerra. Poderia ser considerado, tranquilamente, um texto datado, velho mesmo e ressentido. Mas, do contrário, serviu como uma peça de promoção para "desconstruir" o socialismo.

 

Capítulo a capítulo, desde a Revolução Francesa, analisando Michelet, Renan, Taine e Anatole France, Wilson tenta demonstrar o declínio da tradição revolucionária burguesa. E da Revolução em geral, como se verá.

 

Entra o socialismo, cuja origem ele remete a Saint-Simon, que o descreve como um "extravagante", entre outras qualidades. As descrições de Wilson, sobre os autores segue, desde o início, esse estilo de mostrar um aspecto para "além" da persona do escritor, ingressando com alguns elementos da vida privada de cada um. Ou uma descrição de personalidade. Como de perto "ninguém é normal", já dizia um outro escritor, o resultado é que as ideias dos teóricos expostas  pelo autor do livro ficam contaminadas. Wilson escreve bem e sua narrativa é muito sutil. Mas em algum momento esse tipo de narrativa leva um escorregão. E podemos nos aperceber desse momento no capítulo intitulado "O mito da dialética". Neste, o tombo é feio. Colocando o termo dialética entre aspas ("dialética") Wilson se propõe a desconstruir o método. E para seu fracasso ele remete à dialética de Hegel. Faz uma pequena exposição, pobre, por meio de um clichê filosófico que não se menciona nem em um botequim: a tríade "tese, antítese e síntese". Quem estudou um pouco da Fenomenologia do Espírito, sabe que não encontrará estes termos, nem aos menos correlatos, pois é um pouco mais complexa a coisa do que a exposta por Wilson.

 

"... a síntese é sempre um avanço em relação à tese, pois ela combina, numa unificação mais 'elevada', o que há de melhor na tese e na antítese." (p.173)

 

Pronto. Tudo resumido em dois parágrafos. E continuando o raciocínio, o autor afirma que Marx e Engels adotaram esse princípio e projetaram sua "atuação no futuro" (p.174). Na sua conclusão, Marx e Engels não avançaram mais que os socialistas utópicos!

 

As análises vão avançando até chegar em Lenin. O esquema de Wilson continua o mesmo, mas a tinta que pinta Lenin é mais forte, mais destruidora.

 

Mas o penúltimo capítulo, "Lenin na Estação Finlândia", acaba por trair as intenções do autor. É o momento em que Lenin retorna do exílio, via Finlândia, por meio de trem. Na Estação Finlândia faz seu discurso, exaltando e promovendo a Revolução. Lenin deu uma lição prática neste discurso, que ao contrário dos colegas, que entendiam que as "condições objetivas ainda não estavam satisfeitas", denuncia a Guerra contra a Alemanha, clamando pela saída da Rússia do conflito. Era preciso fazer a Revolução já. A simples exposição deste acontecimento diminui Wilson e Lenin termina gigante ao final do capítulo.

 

Este seria o último da edição original. Há um adendo nomeado "Resumo: a situação em 1940", que segundo consta na nota de rodapé foi retirado de uma publicação de 1952. Já começa assim:

 

"Relativamente falando, o marxismo está em eclipse." (p. 444)

 

Qual o erro fundamental? Para Wilson:

 

"Marx e Engels, cuja formação ocorreu na Alemanha autoritária, tendiam a imaginar o socialismo em termos autoritários; e Lenin e Trotski, obrigados a partir de um povo que jamais conhecera outro regime que não a autocracia, também enfatizaram este aspecto do socialismo e fundaram uma ditadura que se autoperpetuou como autocracia." (p. 452)

 

Nada mais simplista e mecanicista que esta análise final, sem muita relação com a exposição toda. Mas estaria tudo perdido? Segundo Wilson:

 

"...resta algo mais importante que é comum a todos os grandes marxistas: o desejo de abolir os privilégios de classe baseados no berço e nas diferenças de renda; a vontade de estabelecer uma sociedade em que o desenvolvimento superior de alguns não seja custeado pela exploração... Para realizarmos essa tarefa, precisaremos exercitar ao mesmo tempo... nossa razão e nosso instinto." (p. 452)

 

Há um apêndice neste livro que na verdade foi um prefácio à edição de 1971. Mais tintas escuras sobre a figura de Lenin. Mas como eu já disse, há certas figuras históricas que não diminuem, mesmo que o autor se esforce muito. Como nesta passagem:

 

"De fato, a atitude de Lenin para com as pessoas caracterizava-se pela frieza, o desprezo, e a crueldade." (p.456)

 

Bom, conclusão baseada em depoimentos de contemporâneos, interpretados por Wilson. Diga-se.

 

Vale a pena ler este livro? Se como objeto de estudo de peça publicitária contra o socialismo nos anos 1990, sim. E até que dá para extrair alguma história disso tudo. Basta separar os momentos de verdade do resto, das opiniões, preconceitos e algumas falácias do autor. Fora disso, esqueça. Há muita coisa boa para se ler por aí.

 

Em tempo: Wilson foi jornalista e escritor de romances e peças de teatro. Talvez mais famoso como crítico literário, ao seu tempo. Impulsionou J.S. Fitzgerald e E. Hemingway.

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Sobre as Leis da Física. E algo mais.

 

FEYNMAN, Richard. Sobre as leis da física. Trad. Marcel Novaes; rev. Técnica Nelson Studart. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC Rio, 2012 [1965] - Leitura realizada em Fevereiro de 2013.

 

Feynman está aqui reunido neste livro, que deriva de uma série de palestras, realizadas na Universidade de Cornell, nos anos 1960. É continuador da Física Quântica. Isso parece ter influenciado seu pensamento a respeito da Física, que ora pende para o matemático, ora para o filosófico, embora pareça desprezar este último aspecto. Mas Feynman é muito didático nas explicações das chamadas LEIS DA FÍSICA.

 

Vejamos o Sumário:

 

1.Gravitação, um exemplo de lei física - 15

2.A relação entre a matemática e a física - 41

3.Os grandes princípios da conservação - 65

4.Simetria nas leis físicas - 91

5.A distinção entre passado e futuro - 115

6.Probabilidade e incerteza: a visão quântica da natureza - 133

7.Em busca de novas leis - 155

 

Neste primeiro capítulo ele discute o movimento gravitacional dos planetas, para demonstrar como a Lei da Gravitação funciona. E chega ao final a se perguntar:  a Gravitação seria o grande "agregador" universal?

 

No segundo ele afirma que a matemática e a física são interdependentes, ou melhor, a matemática é independente, já que pode ser pensada em termos abstratos. Já a física não, pois sempre dependerá da matemática para completar alguma teoria. Seria a linguagem da Natureza (!?). O fato é que algumas relações matemáticas se mantêm, misteriosamente, rompendo-se algumas forças e/ou grandezas, ou seja, desaparecendo (ou esvanecendo-se) uma determinada teoria física.

 

No terceiro. Os grandes princípios da conservação se verificam em vários pontos da física:

-Conservação de energia;

-Conservação do momento (quantidade de movimento);

-Conservação do momento angular.

Tudo depende de como estamos medindo. A ciência é como um quebra-cabeça: só não temos certeza de como devemos juntar as partes.

 

No quarto, discute a simetria das leis físicas, que sempre funcionou até descobrir-se a antimatéria. Aqui a simetria entre esquerda e direita falham. Seria a Natureza quase simétrica?

 

No quinto, uma discussão entre passado e futuro. Na física, claro, que seria o retorno a um estado físico anterior. Se as temperaturas são as mesmas, por exemplo, não há energia disponível para fazer nada, nem adiante, nem atrás.

 

"O princípio da irreversibilidade é o seguinte: se as coisas com temperaturas diferentes são deixadas por conta própria, as temperaturas se aproximam e a disponibilidade de energia decresce com o tempo." (p.127)

 

A unidirecionalidade sempre vai para uma redução da energia possível. É a chamada "Lei da Entropia". Em outros termos: o tempo sempre vai para a frente. Mas chega-se a um fim? As leis, sendo matemáticas, são reversíveis. Mas os fenômenos não.

Pergunta aqui para nós: e a Lei da Conservação da Energia? Como fica?

 

Probabilidade e incerteza. Capítulo sexto. Sendo a simultaneidade subjetiva, pois os fenômenos representam uma experiência limitada da natureza. Tudo acontece devagar e nosso acesso à natureza não é direto -- sempre precisaremos refinar experimentos e medidas.

Se levarmos a Física Quântica a sério, dado que um elétron não possui todo movimento previsível, pois não temos como prever de antemão sua trajetória, chegaremos à conclusão de que o futuro é imprevisível. A natureza não precisa satisfazer nossas condições pré-concebidas.

Portanto, a visão quântica da natureza se dá em termos de probabilidade, dentro de um contexto que ela não pode ser preconcebida e assim temos a visão de um futuro imprevisível.

 

Sétimo. Em busca de novas leis. As leis não são definitivas. Novas experiências e novos fenômenos "desmontam" nossas teorias, de modo a estabelecer novas conjecturas. A simetria na Natureza não é completa. A energia se esvai, de acordo com a Entropia. Portanto, "adivinhar" as leis da Natureza é uma arte.

Feynman "ataca" muito os filósofos. Não sei o que ele chama de filósofo, mas como não menciona nenhum nome, é possível deduzir que estes filósofos são seus próprios colegas, físicos, matemáticos, etc. Este seria um "defeito" de teóricos físicos: com quem ele não concorda, chama de filósofo. E a certa altura, abre o jogo:

 

"Todo bom físico teórico sabe seis ou sete diferentes representações teóricas para a mesma física. Sabe que todas são equivalentes e que ninguém será capaz, em certo nível, de decidir qual a correta." (p.175)

 

Bem, isso não é alguma coisa de filosofia?

Por trás da matemática, afirma, é possível chegar a um resultado e mesmo prever o que vai acontecer, nada tendo a ver com o objeto real, em si. Isso só é possível comparando-se resultados de experimentos, ainda que a matemática esteja correta. Quando sabemos que estamos certos? Feynman propõe algo que sempre vigeu no mundo das ciências: reconhecer a verdade pela beleza e a simplicidade. Seria a tal escolha do "mais simples, melhor"? Isso não explica as complexidades da natureza e como ela se apresenta, a nós, de forma cada vez mais complexa à medida que tentamos não só entendê-la, como matematizá-la. Mas Feynman estava nos anos 1960, tentando explicar de modo simples coisas que se apresentavam já bastante complexas -- portanto, isso envolve uma aparência de grande mistério. São os paradoxos que a Física Quântica nos impõe desde o início da elaboração de suas teorias.

Ao final, ele responde a tudo isso da seguinte maneira:

 

"O que a natureza tem que, a partir de uma parte, permite imaginar o que vai acontecer com o resto? Esta não é uma questão científica. Não sei como respondê-la. Só posso dar uma resposta não científica. Acho que a natureza tem uma grande simplicidade e, portanto, uma grande beleza." (p.180)

 

Não seria isso, então, uma filosofia? Ele nos propõe questões e expõe dúvidas, ao longo das conferências, que nos levam senão a outro lugar que a filosofia!?

Grande Feynman. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

sábado, 1 de outubro de 2022

Punidos e mal pagos. A Justiça Penal e nossos órgãos de execução.

Nilo Batista torna público nos anos 1990, por meio de seus artigos públicos em jornais, problemas que habitualmente estavam sob o domínio fechado na discussão entre juristas: direitos humanos, violência, drogas, pena de morte, garantias individuais, democratização do Judiciário, segurança pública e outros.

De fato, a par da exposição, justifica-se o título. São os mais pobres, os desfavorecidos economicamente, os negros, as mulheres, todos estes são os que sofrem a opressão do aparelho burocrático policial-judiciário.

Mas o autor nos traz dados e informações bastante sólidas para embasar suas assertivas. Exemplos ilustrativos são citados em todos os casos, tal como na pena de morte, por exemplo: deixa demonstrado que a pena de morte não é eficaz. O desejo de justiçamento é pregado por políticos oportunistas, que na sua boa parte são os verdadeiros criminosos; também pela mídia e a imprensa, que aumenta sua audiência aproveitando-se da sensação de insegurança da população e determinando, na prática, o resultado de um julgamento.

Nilo Batista nos expõe um Judiciário e uma Justiça punitivista. A despeito de tratar especialmente da justiça penal, não deixa de evidenciar a profunda distorção da Justiça como um todo. Até mesmo o caso do Césio em Goiânia foi objeto de sua crítica (Um réquiem para Leide). Quem incriminar? Quem afinal restou incriminado? Os órgãos fiscalizadores atuaram como se deveria?

Ao final, cabe uma pergunta: o Judiciário é “reformável”? Ele é passível de se tornar “democrático”? Ou apenas acompanha nosso modelo político formalmente democrático?

 

SUMÁRIO

Nota prévia 11

Apresentação 13

 

SOBRE A PENA DE MORTE [ou: ela já existe e é para o pobre]

A mídia da morte em horário gratuito 13

Pena de morte 18

O cardápio da morte 20

 

CAPITALISMO E SISTEMA PENAL

Punidos e mal pagos 35

O aprendizado da violência 39

Onde está a corrupção? O gato comeu? 44

 

SAÚDE E JUSTIÇA [ou: o pobre morre nos hospitais]

Genocídio hospitalar 47

Um réquiem para Leide 52 [ou: de quem é a culpa para o Caso do césio radioativo em Goiânia]

AIDS e direitos humanos 55

 

O PROBLEMA DAS DROGAS [ou: a repressão é em cima do pobre drogado]

Drogas e drogas 59

A sentença como exorcismo 62

Tráfico e abuso de drogas 67

 

JUDICIÁRIO E DEMOCRACIA

O poder judiciário: independência e democratização 71

Quem tem medo da lei Fleury? 81

Voltando aos bons tempos 86

 

DUAS PERDAS PARA OS DIREITOS HUMANOS

Recordação de Hélio Pellegrino 91

Memória de Heleno 94

 

AUTORITARISMO E SISTEMA PENAL

Tanques ou tribunais 101

A memória vã 104

Tortura nunca mais – ou para sempre?

107

A lógica de Iago 112

O asilo inviolável 114

“Sem documentos? Teje preso!” 116

Pequeno ritual de degradação 118

 

A QUESTÃO PENITENCIÁRIA

Alternativas à prisão no Brasil 123

Reforma penitenciária à francesa 130

 

LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DIREITO PENAL

Comunicação e crime 133

Lei de Censura e lei de Imprensa 139

Repressão a favor da arte 142

 

VIOLÊNCIA E POLÍCIA

Morte criminal no Rio de Janeiro 147

O grande facínora 152

O bandido é o Estado 158

Futebol e violência 160

Lar, doce lar 163

Criminalidade e favelas 167

Trocando em miúdos 170

 

ADVOCACIA

De volta ao lar 177

Advogados demais? 180

O julgamento da advocacia 182

 

Índice alfabético-remissivo de assuntos 189