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sábado, 1 de janeiro de 2022

31 obras em 2021

 

Termino o ano de 2021 com 31 livros lidos, 8 textos e 14 contos (de E.A. Poe). Algumas obras iniciadas e não terminadas, somando-se a uma pilha de mais de 60 que não termino há anos. 
É pouco,  tendo em vista anos anteriores, onde já consegui a marca dos 50 livros. Sou lento. E o tempo é curto. Decidi ler e contabilizar livros (diga-se obras) integrais a partir de um momento na minha vida que percebi haver lido centenas de textos acadêmicos, mas poucos livros em comparação.
Vou compartilhar com vocês essas 31 obras, como se fossem sugestões para leitura. Portanto, estão aqui não resenhas, mas descrições simples das obras. 

Jan
1 - Alberto Moravia, A Ciociara
Adoro este autor italiano. Já havia lido dele Os Indiferentes. Não há como não lembrar dos filmes de neorrealismo italiano, de Rossellini, embora quem tenha filmado A Ciociara foi Vittorio De Sica. O livro em questão é um relato da Segunda Guerra por meio de uma comerciante, pequeno burguesa, uma mulher que possui uma loja em Roma, numa região pobre da cidade - daí o nome, a denominação local, Ciociara - prestes a ser ocupada pelos aliados e por eles bombardeada, posto que sob o domínio alemão. Ela foge de Roma com a filha, para o campo, onde supostamente poderia encontrar paz e alimento. Mas as coisas não andam conforme ela planeja. A guerra também alcança o meio rural. O filme, La Ciociara, lançado aqui com o nome de Duas Mulheres, é uma obra distinta. Sophia Loren, que faz o papel de Cesira, mãe de Rosetta, poderia muito bem passar por irmã desta. No livro a personagem Cesira é alguém de aparência menos jovem. Assista ao filme, mas leia o livro. 

2 - Jorge Amado. A morte e a morte de Quincas Berro D'Água. Record.
Uma reflexão não apenas divertida sobre a morte. Na minha opinião Jorge Amado está aqui no seu melhor, digamos, materialismo. Bem melhor que Capitães da Areia, segundo meu entendimento.  
A morte de Quincas é encarada de duas maneiras: lúdica pelos amigos, trágica e cerimoniosa pela família, que quer um velório na sua forma tradicional, segundo os preceitos religiosos. Quincas foi um funcionário público de baixa hierarquia e enquanto exercia a função comportava-se de modo exemplar. Quando se aposentou passou a levar uma vida devassa e irresponsável. Por outro lado adquiriu muitos amigos e grande estima entre eles, a maior parte "malandros", desocupados e congêneres. Colegas de farra. Estes, contrariando a família do defunto e clandestinamente, resolvem levar Quincas (o corpo dele) para um último festejo, uma última noitada. A partir daqui seria melhor vocês mesmos lerem o livro, pois há spoiler. Durante a festa, que se realiza numa embarcação, o corpo de Quincas, acidentalmente, cai ao mar. Seria esta sua segunda morte. Ou as duas mortes são por conta da família vê-la de uma forma, os amigos de outra? Pois existiram dois Quincas: aquele enquanto era funcionário público ativo e estimado pelos "corretos"; outro, aposentado e devasso, estimado pelos "marginais".
Não escolhemos como seremos velados. Nem como seremos lembrados. Jorge Amado faz aqui uma crítica irônica à instituição do corpo velado religiosamente e mostra que o luto não é monopólio de ninguém. Nem mesmo da família.   
  

3 - Lilia Schawrcz. A bailarina da morte. Cia das Letras.
História da gripe espanhola no Brasil no começo do século XX. Aqui também  o vírus da gripe, tal como na Europa, foi devastador, ainda mais num ambiente em que as autoridades insistiam em negar o problema, ao menos inicialmente. Incrível como as coisas se repetem. E como quase farsa. Interesses políticos e econômicos prevalecendo sobre a saúde pública. O texto da professora Lilia é muito gostoso de ler, qualquer tema fica estimulante. E possui um didatismo sem abrir mão do rigor científico.

4 - Roberto daMatta. Fila e Democracia.  Rocco.
Quem não respeita a fila revela não ter muito compromisso com a ordem democrática. Lição banal. Roberto daMatta poderia ter ido mais longe e explorado alguns aspectos mais simbólicos relacionados ao assunto. Mas é um bom livro. Sugestivo. Mas não muito profundo. E um tanto parcial. Não emprega distinções de classe para a análise. E cabe a pergunta: quem desrespeita mais, o rico ou o pobre?

Fev
5 - Nicolau Sevcenko. A Revolta da Vacina: mentes insanas em corpos rebeldes. Unesp. 
Obra de juventude do autor. Espetacular. Obra de verve; autor ama seu objeto de análise. Ponto de vista dos derrotados, dos oprimidos, mostra um poder republicano e positivista que se impõe bem ao seu modo: pela força, mas não só: truculência, ignorância, falta de empatia para com os mais humildes e desfavorecidos. Essa seria a marca da República que então se instalava. A história se repetiria, claro. 

6 - Mário Palmério. Vila dos Confins.  José Olympio. 
Uma obra prima ignorada. Incrível como temos escritores que escrevem no melhor de nossa língua e são esquecidos. Vila dos Confins retrata a modernização da política coronelista no meio rural, onde o voto é disputado de várias formas, não só com oferecimento de cargos e emprego, mas por meio da força e da astúcia. Várias histórias entremeiam o enredo. Narrativa cativante. Recomendo a todos. Há muito tempo eu queria ler Mário Palmério. 

7 - Maria Helena Martins. O que é leitura. Ed. Brasiliense.
Um pequeno estudo sobre a importância do hábito da leitura. Um pouco breve demais, mas serve como introdução aos estudos do tema.

Mar
8 - Siddharta Mukherjee. As leis da Medicina. Alaúde. 
O autor relata algumas de suas experiências, traduzidas como hipóteses científicas. Poderíamos considerar um manual de deontologia para nossa pobre medicina no Brasil. E também um manual de ética médica, cuja observação aqui nos trópicos se revela ainda mais pobre. Enquanto nossos médicos não pensarem a medicina como ciência, ao invés de alpinismo social, tudo permanecerá muito pobre. 
 
9 - Monteiro Lobato. Urupês. Globo.
Obra fundamental e obrigatória para conhecer um certo Monteiro Lobato. Até então eu tinha lido um livro de fábulas e algumas histórias do Sítio do Pica Pau. É aqui que está o Lobato que devemos estudar sociologicamente, pois o conto-tese do caboclo brasileiro está neste livro. Sim, o tal de Jeca. Trata-se de um olhar naturalista-positivista, e evolucionista, do tipo darwinismo social. As teses racistas, cientificamente fundamentadas, ainda estão em pleno vigor neste ano de 1918, edição do primeiro livro. É um Lobato jovem-autor. Evidente que as teses sobre as raças sofreriam lenta revisão. E Lobato o fez, ainda que tarde, bem mais velho. Talvez tarde demais. Motivo suficiente para lhe escapar o epíteto de modernista, ainda que seu texto o seja bem assim, ao menos em termos de linguagem. Não seria o único deslize de Monteiro Lobato. E também não seria o único arrependimento. 

10 - Evegny Morozov. Big tech: a ascenção dos dados e a morte da política. Ed. Ubu.
O tema mais atual em termos de aplicação das novas tecnologias: dados e empresas de bigdata. O autor demonstra como as Bigtech's se enriquecem de forma absurda invadindo e conformando o dia a dia das pessoas, com a exploração da locomoção, da alimentação, da compra e venda de objetos de consumo, da diversão, etc. O planejamento social, por meio de políticas públicas, fica fora de questão. Os governos, especialmente das cidades, abrem mão da administração da urbe em favor da terceirização, sob a tutela das bigtech's, tal como o Uber. Boas reflexões sobre o poder econômico e político dessas gigantes. E também sobre a escravidão algorítmica que se instala no mundo. Decididamente, a politica morre.
 
11 - Monteiro Lobato. Negrinha. Globo.
Um Lobato que faz a denúncia dos mal tratos no corpo negro, no conto que dá nome ao livro. Mas é pouco para redimi-lo do racismo, que à época tinha o embasamento e status de ciência.  Mas há contos muito interessantes nesta obra e o autor se mostra interessante sob vários aspectos literários. 

Abr
12 - Epicuro. Carta a Meneceu. Unesp.
Se quisermos reduzir a uma frase, o livro trata da felicidade. Mas qual? Como todo filósofo antigo, felicidade é filosofar. É isso que traz à pessoa paz e saúde. A angústia do sofrimento deve ser afastada, se quisermos ser felizes. Felicidade então é não sofrer, equilibrando os prazeres (ataraxia). Então temos uma verdadeira ascese por meio de uma ética, uma conduta que nos leva à felicidade. Desculpem resumir isso aqui de forma tão breve. 
Vale uma reflexão aqui. Todos os filósofos da antiguidade tinham condições de não trabalhar e, portanto, filosofar. Fica mais fácil controlar os apetites dessa forma. Não?

13 - Monteiro Lobato. Cidades Mortas. Ed. Globo
O fio condutor ou o painel de fundo destes contos são as cidades aqui retratadas por Lobato, cuja característica comum é decadência e o atraso econômico, e que lhe dão assim um aspecto de abandono. São cidades que já tiveram seu auge e perderam a energia, o impulso produtivo. Lobato observa numa dessas histórias o apego dos fazendeiros à produção de café.  São agentes que não conseguem encontrar outra solução para suas fazendas a não ser o café. Este, como sabemos, foi base de nossa economia na República Velha e  sempre esteve com seus preços à mercê dos mercados europeus. 
Mas as histórias são tão interessantes que é preciso estar bem atento a esses detalhes. 

14 - Celso Castro. General Villas Bôas: conversa com o comandante. Ed. FGV
Biografia do general que se entende comandante. Um lixo de ser humano. Vamos às qualificações. Vaidoso: acha-se um líder só porque suas ordens são obedecidas pelos subordinados (como se fosse possível fazer diferente). Preconceituoso em todos os sentidos: manifesta-se contra o "politicamente correto". O que quer dizer com isso? Quer dizer que é contra todas as políticas afirmativas, antirracistas, de gênero, feministas, etc. O grande "barulho" do livro é a declaração do general a respeito de sua mensagem no Twiter, que ameaçou o STF. Assume a autoria e o objetivo: a de pressionar o Supremo em manter a decisão sobre prisão em segunda instância. Por trás disso, a prisão de Lula. O golpe deu certo. E é assumido neste livro. Isso seria inacreditável em qualquer país civilizado, mas estamos no Brasil, né?  

15 - Luiz Jean Lauaud. O xadrez na Idade Média. Ed. Perspectiva.
O pequeno livrinho não é uma história exaustiva do xadrez na Idade Média, mas as várias visões daquele período sobre o jogo. Interessante é que tanto o amor quanto a guerra podem ser vistas no e representadas pelo xadrez. O que há em comum entre os dois? Talvez quase nada, a não ser pelo sentido lúdico. Tanto no amor quanto na guerra joga-se.  

16 - Olgária Matos. Adivinhas do tempo: êxtase e revolução. Hucitec. 
A filósofa é tributária dos ideais do Maio de 68. Este pequeno livro é repleto de reflexões bem pensadas a respeito daquelas ideias, ainda que o movimento tenha sofrido muitas críticas e expresse muita ingenuidade daqueles que o defendem, na opinião deste resenhador. Mas isso é outra história, para outro debate. Quem ler este pequeno livro vai se deparar com ponderações filosóficas muito interessantes.  

17 - Monteiro Lobato. Ideias de Jeca Tatu. Ed. Globo. 
O mote organizador aqui são as ideias que Lobato considera como de Jeca: as que não dão certo, os improvisos, as importações culturais gratuitas. Lobato tem razão com relação a muitas dessas "ideias de Jeca", especialmente no que diz respeito ao estrangeirismo da língua, as adoções estéticas importadas sem reflexão. Pena que Lobato rejeita tudo, também sem muita reflexão. 

Mai
18 - G.F. Kneller. A ciência como atividade humana. Zahar.
Livro indicado aos estudos iniciais da filosofia da ciência. Mas não só. Além de fazer um painel do emprego da metodologia científica, traz dados reais, as experiências, da história da ciência. Excelente.

19 - Lima Barreto. Recordações do Escrivão Isaías Caminha. Ática
As obras de Lima Barreto são, antes de tudo, uma narrativa realista e crítica do nascimento da República no Brasil. Este romance revela de modo surpreendente as maquinações entre o poder e a imprensa. Lendo este livro hoje, perguntamo-nos: o que mudou? Só a forma, só o suporte. O quarto poder atuou e atua do mesmo modo há muito tempo... distorcendo, modificando, influenciando e alterando a realidade, segundo seus próprios interesses, isto é, os dos donos dos meios de comunicação.

Jun
20 - Nilo Batista. Punidos e mal pagos. Ed. Revan. 
Um livro dos anos 1980 e que já discutia a injustiça de nosso sistema Judiciário: o encarceramento em massa dos pobres, a lentidão das decisões, entre outros problemas. É uma coletânea de ensaios da seara jurídica que conta com a experiência do autor junto aos tribunais.

21 - Rachel de Queiróz. O Quinze. José Olimpio. 
Uma das obras fundamentais para compreender o fenômeno da Seca em alguns de seus aspectos. Enquanto em Vidas Secas (Graciliano) o ponto de vista se dá a partir do olhar do retirante, do migrante, na obra da autora aqui este se dá muito mais pelos proprietários, pois a trama gira em torno de Vicente, dono da fazenda. A obra tenta retratar a grande seca de 1915. Daí o nome, O quinze. Na minha opinião a obra, embora rica em mostrar as desgraças sociais, resvala um pouco para um certo naturalismo, uma certa aceitação da paisagem.

22 - Clarice Lispector. Laços de Família. Rocco.
Obra de vestibular e consagrada entre nós. São várias histórias (contos?) que nos conduzem a labirintos indecifráveis (chavão?) das relações privadas. Cenas da vida privada, para permanecer ainda no lugar comum. O mundo que Clarice nos apresenta é ao mesmo tempo intimista e universal. Uma contradição, quase um paradoxo, mas a autora consegue dar conta dessa façanha. Já havia lido antes uns dois contos dessa obra. Gostaria de saber como uma autora tão incômoda (e de qualidade) pode ser tão popular. E no Brasil. 

23 - Luiz Carlos Bresser-Pereira. As revoluções utópicas dos anos 60. Editora 34.
Maio de 1968 apresentado por um grande nome dentre nossos economistas. Pena que esta obra é muito ingênua (e equivocada), ainda que bem escrita. A tese principal é a de que os estudantes são (seriam, então) os novos revolucionários, em vez da classe operária, que teria esgotado seu potencial de ação, suas energias de mudança, conformando-se aos moldes e à vida no capitalismo. Talvez tenha metade de razão nisso. Mas apresentar estudantes como novos revolucionários...  O interessante da obra é ela nos dá justamente a dimensão da ingenuidade intelectual dos estudantes envolvidos naquele movimento, a despeito da boa vontade de mudar o mundo. 


Jul
24 - Lejaune Mirhan. Relatos de Viagem: Síria e Líbano. Ed. Anita Garibaldi.
O professor Lejaune, junto a uma comissão, visitou os países Síria e Líbano, a fim de manifestar apoio às lutas contra o imperialismo e o terrorismo ali instalado por estas nações imperiais, especialmente os EUA. A viagem também serviu para colher informações a respeito da guerra e que não são divulgadas aqui ou ainda são fornecidas de modo distorcido. De fato, não há apenas desinformação a respeito do assunto: há uma farta produção de notícias com cunho nitidamente ideológico (e muitas vezes mentiroso) com o objetivo de legitimar as ações de guerra do Ocidente naquelas nações. 

25 - Clarice Lispector. Perto do Coração Selvagem. Rocco.
Às vezes pode parecer difícil entender a mensagem contida no texto de Clarice. Digo o texto, não a autora, no caso aqui. O enredo é completamente irregular, posto que realista (a realidade não como um roteiro de cinema), ou seja, não há o clássico início, meio e fim. Ou ao menos isso não é perceptível em Clarice. Os diálogos são truncados, pois as personagens não conseguem dizer tudo. A incomunicabilidade está sempre presente nas obras da escritora.  
Mas se prestarmos atenção, lá no final do texto (não da história) conseguimos extrair alguma coisa e, retrospectivamente, muitas outras. E na minha opinião uma delas é a da emancipação da mulher. Fica colocada a questão de ela poder dizer e poder decidir sobre sua própria vida. Então,  perto do coração selvagem, encontramos essa verdade. 

26 - Lenin. O Estado e a Revolução. Expressão Popular. 
A Expressão Popular vem reeditando esses clássicos que poucos leem e muitos citam. Aqui Lenin esclarece o que seria um estado popular, proletário. Se comparado ao que ocorreu na URSS então podemos extrair umas boas reflexões. Que não cabem aqui, evidentemente. Minha recomendação maior é pela edição da obra e pela editora. Visitem-na. Vale a pena. 

Ago
27 - Fernando Morais. Os últimos soldados da Guerra Fria. Companhia das Letras. 
Comprei e li este livro devido ao filme que foi produzido com base na obra. O título do filme (no Brasil, sempre algo ridículo) é "Wasp Network – Prisioneiros da Guerra Fria". Prisioneiros? O livro, fruto de uma boa investigação, relata as ações dos espiões cubanos que se infiltraram em grupos terroristas americanos (sim, americanos). A ilha vinha sendo alvo desses terroristas, que frequentemente invadiam o espaço aéreo cubano, instalavam bombas nos hotéis, assassinavam turistas nas praias... A ações antiterroristas deram alguns resultados, mas a maioria do grupo foi presa e condenada pela justiça americana, ignorando que aqueles queriam apenas desmontar a rede terrorista americana (cujos membros eram em grande parte exilados cubanos ou descendentes destes). Apesar de serem alvo do FBI, a investigação corria lentamente e a sensação que temos é que as ações terroristas eram encobertas pelo próprio governo americano. Enfim, o filme não faz jus ao livro, mas não apenas por que foi mal adaptado. Há falhas no roteiro, como a de, por exemplo, não mostrar os espiões que foram condenados. Outra falha (ou intenção mesmo) é a de introduzir uma narrativa in off entrecortada no enredo, emitindo uma informação que dava uma clara ideia de propaganda anticubana. 

Set
Sem completar leitura de livro; leitura de texto sobre preconceito linguístico.

Out
28 - Camilo Castelo Branco. Coração, Cabeça e Estômago. Ateliê. 
O livro descreve a vida de uma personagem, Silvestre da Silva, em cada uma das fases de sua vida regida por um destes órgãos: coração, cabeça e estômago. A fase do coração é a do sonho e da esperança de encontrar um grande amor. Silvestre sai de sua aldeia e vai para Lisboa, com esse fim. 
A fase da "cabeça" é a da razão. Trabalho intenso na área de crítica literária, na cidade do Porto. 
A última fase, "estômago", é da serenidade, a da resignação com o cotidiano, onde as preocupações giram mais em torno do que se vai comer do que se vai fazer. A fase das desilusões, diríamos. E a do retorno à aldeia, Soutelo, onde Silvestre se casa com uma mulher da região, Tomásia. 
Uma novidade narrativa da obra é a voz da personagem principal, que é retransmitida pelo editor das memórias de Silvestre da Silva; embora este seja o narrador da história, o editor é que a teria organizado, posto que amigo do então falecido Silvestre. Portanto, as vozes se fundem, pois depois do prólogo, em que este aviso é dado, não há como não esquecer este ponto. Este é o verdadeiro recurso metalinguístico, muito confundido por aí com a figura da citação. 

Nov
29 - E.A. Poe. Narrativa de Arthur Gordon Pyn. Ed. Aguilar.
Literatura quase fantástica de Poe, não fosse a verossimilhança com o real. Segundo um professor meu em meu curso na História, Poe dizia que seus contos e novelas eram enigmas e não mistério. O enigma é para ser desvendado. O mistério é para ser aceito, como um ato de fé, simplesmente.  Nesta história temos um jovem  que vai se aventurar no mar, mas entra clandestinamente numa embarcação. O navio sofre um motim e o jovem Pyn ingressa decididamente nessa desventura. A partir daí... leiam; indico como uma leitura do grande mestre do... mistério? 

Dez
30 - Itamar Vieira Junior. Torto arado. Todavia. 
É o livro surpresa deste  ano para mim. Há muitas análises interessantes a respeito do livro nas redes sociais (indico os vídeos de Isabella Lubrano, no YouTube). Portanto, não vou esmiuçar aqui a rica história contada por Itamar. A obra pode ser estudada de um ponto de vista sociológico. Impossível escapar ao tema da escravidão e, portanto, do racismo. São discussões que retornam e precisam, sim, serem largamente debatidas, pois o problema não deixa de existir apenas porque não falamos nele. 
Consoante tudo isso outras questão: a da terra. A da posse, ou da propriedade, ou do uso dela. Não importa, em qualquer caso nosso trata-se do acesso à riqueza, que foi negada desde sempre aos escravos, índios e seus descendentes em favor . Escrito numa narrativa quase atemporal, narra a história de duas irmãs negras numa comunidade que se reconheceu, no tempo, como quilombola. Está tudo aqui: a luta pela terra, o reconhecimento da identidade, a busca da liberdade, as batalhas contra o patriarcado, a eliminação de lideranças no campo. Obviamente que o romance nos parece atemporal. O Brasil muda pouco. Embora haja reconhecimento, nos dias atuais, de que o Brasil é um país urbano, o campo nos oferece um painel do país que não queremos ver. Sim. O trabalho escravo ou próximo disso ainda existe. E não é pouco. Há muitos trabalhos, acadêmicos e não acadêmicos, que relatam isso. Um deles, para não ficar aqui sem citação nenhuma é o investigativo trabalho de Leonardo Sakamoto. 
A exploração está diante de nós e a ignoramos. Queremos ignorá-la. Essa situação de algum modo não é exclusividade do campo: está transposta também para as cidades. É um legado. É uma herança. É uma permanência. Basta olhar para a exploração dos trabalhadores domésticos, aqueles que trabalham nas casas da classe média. 
A obra, em termos de linguagem, é também rica em recursos simbólicos, semióticos e estilísticos, cuja discussão não cabe aqui, pois falta-me aprofundamento nela. Para mim ela pode ser comparada às grandes obras de nossa literatura com o mesmo tema, como em O Quinze e Vidas Secas. 

31 - Fernando Morais. Lula: Biografia. Companhia das Letras. 
É talvez o livro do ano. A escrita sedutora de Fernando Morais nos conduz aos acontecimentos como se eles estivessem ocorrendo naquele instante. Sou suspeito para falar aqui a respeito de Lula. Mas realmente sua vida na política pode significar muitas coisas, mas para além da luta democrática, podemos resumi-la numa frase: a defesa dos mais pobres.
 






  







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