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domingo, 11 de fevereiro de 2024

Putin - Entrevista concedida a Carlson Tucker em 06/02/2024 - Impressões

 

     Vasily Vereshchagin, “Mausoléu do Taj Mahal. Agra”, (séc. XIX, sem data), óleo sobre tela.

Putin enrolou Carlson no papel da história e da geopolítica, contra a esperada retórica — irrenunciável, diga-se  — de jornalistas americanos, em geral. Demonstrou conhecimento histórico, bem mais que seu interlocutor, pois quando Putin afirma que a Ucrânia é um "nacionalidade artificial", na exposição que faz, está certo — mas todas nacionalidades são artificiais. A unidade de língua, cultura, costumes, literatura, mitologias e religião, são importantes para a construção de um povo, mas não suficientes para a centralidade de um estado. Um Estado é construído com a eleição arbitrária desses elementos, numa comunidade imaginada, daí que falar em "Estados Nacionais" somente no século XIX, tendo Napoleão como seu grande articulador político. E a Ucrânia poderia conter todos eles, não fossem os acontecimentos históricos desfavoráveis — configurando-se assim como um Estado artificial, o que é uma meia verdade.  Mas Putin dobrou seu interlocutor nesse quesito demonstrando domínio de datas e acontecimentos, e quis chegar, com isso, a um fato verdadeiro, geopolítico: a Ucrânia sempre foi empregada como um pivot country, mercê do great game. E acusou o Ocidente de usar a Ucrânia contra a Rússia. Lembrou também que a Rússia sempre quis se aproximar do Ocidente, não apenas recentemente, mas historicamente, como podemos até depreender da espetacular e monumental obra "Guerra e Paz", de Tolstói, onde a Corte  tem como segunda língua, às vezes até como primeira, o francês — da França, um povo originalmente bárbaro, latinizado à fórceps pelos sucessivos monarcas que ali reinaram. Mas considerando os fatos recentes, o Ocidente sempre quis uma Rússia "de joelhos", não uma parceira comercial, em termos justos. O Ocidente ignorou que a Rússia sempre fora uma potência e confundiu a fragilidade de seus presidentes pós Queda Muro com a do país — o que consistiu num erro, pois as sucessivas tentativas de aproximação dentro de um equilíbrio justo foram refratadas pelas embaixadas americanas, arrastando todo o Ocidente, diga-se Europa, para o mesmo caminho. Putin "jogou na cara" de seu interlocutor, Carlson Tucker, tudo isso, inclusive apresentando documentos, prontos para serem compulsados. Putin demonstrou domínio da narrativa, não deixando seu entrevistador interrompê-lo em sua exposição e análise. Demonstrou ainda total domínio emocional, como se exige de um grande líder estadista, mas sem excluir sua paixão — pela "mãe Rússia", como ficou ao final exposto.  Demonstrou ainda, e também, que sempre esteve aberto à negociação, desde que a expansão do Ocidente não se desse militarmente pela OTAN: um parceiro comercial, em termos justos, não precisa ser dominado, cercado por tropas, é o que quis afirmar Vladimir Putin. O Mundo está mudando, afirma o líder russo, e o Ocidente não consegue enxergar as suas próprias fraquezas, tal como na questão do dólar — não que esta moeda tenha perdido a força econômica, mas teria sido empregada como meio de impor restrições (como sempre foi) e, além disso, impor a guerra: das sanções econômicas, passando pelo lawfare,  às invasões territoriais, propriamente ditas. Como não negociar em outras moedas? diz o presidente. É os EUA, afirma, que está agindo contra a sua própria moeda, enfraquecendo-a dia a dia, inclusive apresentando uma dívida pública de mais de trinta trilhões de dólares. 
O estadista ainda passeou por outros assuntos, desde os "mais simples", como as fake-news, apenas de passagem, como o espinhoso do Nord Stream; o jornalista tenta uma jogada retórica: "eu não fui, estava ocupado no dia" — um jogo retórico para se esquivar da luta e desviar o oponente de seu objetivo; Putin devolve: a CIA não estava desocupada — disse mais ou menos isso; e ainda afirma: é só raciocinar e se perguntar sobre o seguinte: quem tem condições para isso? 
Putin desarma seu entrevistador e o faz cair numa armadilha sem aviso nenhum: mencionando a CIA, lembra-o de que ele mesmo, Carlson Tucker, quis ingressar no órgão, mas não foi aceito; "ainda bem", diz Putin. 
A minha impressão de tudo é de um embate desigual: um grande estadista, a despeito de seu despotismo, que consegue reunir, na linguagem de Maquiavel, "Fortuna e Virtú", contra um jornalista preparado com os mais variados ardis, pronto a colher a sua presa num alçapão — o da linguagem, a mais temível armadilha da humanidade, mas a que a elevou ao mais altos graus da evolução humana. Uma contradição que Putin soube resolver ali. E está sabendo resolver na prática dos acontecimentos históricos. Hegel se sentiria edificado. 



sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

A Bomba. Resenha indicativa da HQ de ALCANTE, BOLLÉE e RODIER.

 

ALCANTE, Didier; BOLLÉE, L.F.; RODIER, Denis. A Bomba. Trad. Rafael Meire. São Paulo: Pipoca & Nanquim, 2022.

Um roteiro espetacular sobre a criação da primeira bomba atômica. E Oppenheimer nem é o protagonista principal, como querem demonstrar as narrativas nacionalistas. O resultado final, que é a produção da primeira bomba, é uma criação coletiva, na qual o grande mérito de Oppenheimer, sabendo disso, reuniu o que de melhor se dispunha em termos de cientistas num só local (e mais alguns em outros). Esta HQ é uma lição neste sentido, uma bonita exposição do que constitui o verdadeiro método científico: a colaboração, agregação de saberes e a aplicação por meio dos experimentos. 
Curioso e muito interessante é que o narrador da história é o próprio minério fundamental na produção do artefato: o urânio. 
A história também mostra como se deu a corrida para a produção da bomba e justamente  os detalhes em que falharam ou atrasaram os concorrentes. 
Ao final, os autores comentam sobre a investigação do assunto e a confecção de arte da HQ, muito bem realizada. 
Um roteiro espetacular sobre a criação da primeira bomba atômica. E Oppenheimer nem é o protagonista principal, como querem demonstrar as narrativas nacionalistas. O resultado final, que é a produção da primeira bomba, é uma criação coletiva, na qual o grande mérito de Oppenheimer, sabendo disso, reuniu o que de melhor se dispunha em termos de cientistas num só local (e mais alguns em outros). Esta HQ é uma lição neste sentido, uma bonita exposição do que constitui o verdadeiro método científico: a colaboração, agregação de saberes e a aplicação por meio dos experimentos. 
Curioso e muito interessante é que o narrador da história é o próprio minério fundamental na produção do artefato: o urânio. 
A história também mostra como se deu a corrida para a produção da bomba e justamente  os detalhes em que falharam ou atrasaram os concorrentes. 
Ao final, os autores comentam sobre a investigação do assunto e a confecção final da HQ, muito bem realizada.