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domingo, 25 de setembro de 2022

Ódio como política e as eleições - 2018-2022

GALLEGO, Esther Solano (org.) O ódio como política. A reinvenção das direitas no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2018 (Tinta Vermelha).

Entenda como a direita atua na política e como a economia e as instituições permitem que isso ocorra.

Leitura realizada entre 12/12/2018 e 14/12/2018. Estes textos foram resultado, evidentemente, da percepção do avanço de uma certo modelo de atuação política que surpreendeu a todos. A todos? Não àquelas figuras que protagonizaram essa onda, acompanhada de muita violência, diga-se isso. No momento em que avançamos, a uma semana, das eleições de 2022, isso está claro e manifesto.  

 

Para entender (melhor e um pouco mais) como as direitas (no plural) avançaram sobre o poder nos últimos anos e ganharam efetivamente  o direito de governar. Os textos trazem informações e análises muito importantes sobre a estratégia e a tática empregada: o uso das redes sociais, o discurso violento, as opções autoritárias, censura, fundamentalismo, etc., além de análises históricas e econômicas (vide sumário).

Faltou uma análise mais ampla e profunda sobre o papel da mídia tradicional −̶ TV e jornal −̶ que teve sim, papel fundamental tanto no golpe quanto no descrédito das instituições potencialmente democráticas nos últimos anos. Talvez tenha faltado uma análise como a de Wilson Ferreira fornece em seu blog (bombas semióticas, guerra híbrida). Luis Nassif fez uma observação importante a respeito disso: anos apostando na instabilidade, derrubada de presidentes, criou um clima de descrédito total, permitindo o surgimento de alternativas que não são alternativas. 

O destaque do texto são as análises da periferia conservadora (Ferréz) e da juventude pobre bolsonarista (Scalco e Pinheiro-Machado). Também a brilhante análise de Rubens Casara sobre o autoritarismo e conservadorismo judiciário. Um texto que poderia ser mais aprofundado é o de Camila Rocha; embora aponte para as redes e instituições que colaboraram para o golpe, faltou melhor análise sobre a guerra híbrida. Não acredito que revelou tudo sobre os grupos e think thanks. Além disso, a questão do financiamento foi insuficiente: como o constatou? Pela declaração dos integrantes? O dinheiro gasto nas manifestações e trolagens destes grupos não confere com o que a autora declina no texto. Ou seja: o gasto não bate com o declarado.

Prólogo de Gregório Duduvier; ilustrações de Laerte, Luis Gê e Maringoni.

 

Sumário

 

·         Apresentação, Esther Solano Gallego

·         A reemergência da direita brasileira, Luis Felipe Miguel 

·         Neoconservadorismo e liberalismo, Silvio Luiz de Almeida 

·         A Nova Direita e a normalização do nazismo e do fascismo, Carapanã

·         As classes dominantes e a nova direita no Brasil contemporâneo, Flávio Henrique Calheiros Casimiro 

·         boom das novas direitas brasileiras: financiamento ou militância? Camila Rocha 

·         Da esperança ao ódio: a juventude periférica bolsonarista, Rosana Pinheiro-Machado e Lucia Mury Scalco 

·         Periferia e conservadorismo, Ferréz 

·         A produção do inimigo e a insistência do Brasil violento e de exceção, Edson Teles

·         Precisamos falar da “direita jurídica”, Rubens Casara 

·         O discurso econômico da austeridade e os interesses velados, Pedro Rossi e Esther Dweck

·         Antipetismo e conservadorismo no Facebook, Márcio Moretto Ribeiro 

·         Fundamentalismo e extremismo não esgotam experiência do sagrado nas religiões, Henrique Vieira 

·         Moralidades, direitas e direitos LGBTI nos anos 2010, Lucas Bulgarelli

·         Feminismo: um caminho longo à frente, Stephanie Ribeiro

·         O discurso reacionário de defesa de uma “escola sem partido”, Fernando Penna.

 

Palavras-chaves: fundamentalismo, p.21 e 92; fatores de longa duração, escravismo, p.24; sujeito de direito, p. 29; neoliberalismo, p.32; direita e cultura, construção da subjetividade, ´p.37; Instituto Milleniu, LIDE, João Dória, p.43; think thanks, p.49; ódio, p.56; ordem e desordem, p. 67; controle social, p.66; militarização da vida, p.71; sintomas autoritários na Magistratura, Casare e Adorno, p.77; metáfora do orçamento doméstico - mito, p.80; política de austeridade beneficia ricos, p.83; antipetismo e conservadorismo, p.85; direitos LGBTI na CF88, p.98; Bolsonaro, conservadorismo, p.100; feminismo - comprometimento político, p.106; escola sem partido - desprezo pela política partidária, p.110; discurso reacionário sobre a escola, p.112.

 

Carta Maior, 27 de setembro de 2018

Por que o ódio político assim, de repente e agressivo?

Livro 'O ódio como política' mostra como o Brasil descobriu, surpreso, uma direita militante e aguerrida no país

 

Leitura recomendada e mais do que oportuna neste momento de vésperas de eleição [2018] em que o ódio coletivo emerge com uma força imprevista é a sugestão da semana. Título do livro: O ódio como política: a reinvenção das direitas no Brasil. Trata-se de um volume organizado pela socióloga Esther Solano Gallego e produzido pela Editora Boitempo, de São Paulo, no qual, diz a Editora, ‘’o Brasil “descobriu”, surpreso, que havia uma direita militante e aguerrida no país, que saiu às ruas, perdeu a vergonha de mostrar-se e, no processo do golpe de Estado contra Dilma Rousseff, passou a hegemonizar a imprensa, as redes sociais e a agenda política e dos temas morais no país. ’’

‘’Foi um choque’’, escreve a socióloga Esther Gallego. Ela pergunta? ‘’Que direita é essa? Ou melhor: que direitas são essas? Como surgiram, organizaram-se, passaram a polarizar a sociedade e avançar sobre o Estado?

São perguntas que nos afligem, para as quais estamos, muitas vezes, sem respostas, mas que se encontram no coração deste O ódio como política: a reinvenção das direitas no Brasil.’’

Nele, não há autores de direita entre os dezoito que colaboraram com o livro.

No entanto, todos procuraram mergulhar nesse universo, que de certa forma é novo e assustador, sem qualquer preconceito e com o desejo honesto de conhecer e interpretar seu significado.

Esther Gallego teve a colaboração de Kim Doria, da equipe da Editora Boitempo, e do jornalista Mauro Lopes. O livro conta também com as charges de Gilberto Maringoni, Laerte e Luiz Gê.

O volume é o sexto da Coleção Tinta Vermelha e se segue á publicação de Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas (2012); Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil (2013); Brasil em jogo: o que fica da Copa e das Olimpíadas? (2014); Bala perdida: a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação e Por que gritamos golpe? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil (2016).

O título da coleção é uma referência ao discurso de Slavoj Zizek aos manifestantes do Occupy Wall Street, no Zuccotti Park, em Nova York, no dia 9 de outubro de 2011. O filósofo esloveno usou a metáfora da tinta vermelha para expressar a encruzilhada ideológica do século XXI: “Temos toda a liberdade que desejamos – a única coisa que falta é a tinta vermelha: nos ‘sentimos livres’ porque somos desprovidos da linguagem para articular nossa falta de liberdade.”

Para tornar o livro mais acessível, todos os autores abriram mão de receber remuneração pela publicação de seus textos e charges. A Editora agradece a ‘’todos esses colaboradores, e também aos demais autores de nosso catálogo que nos ajudam a fomentar a reflexão e o olhar crítico.’’

Na sua apresentação, Esther ressalta: ‘’Ao longo destes últimos anos, o campo progressista assistiu perplexo, atrapalhado e inativo à reorganização e ao fortalecimento político das direitas. “Direitas”, “novas direitas”, “onda

conservadora”, “fascismo”, “reacionarismo”... Uma variedade de conceitos e sentidos para um fenômeno que é indiscutível protagonista nos cenários nacional e internacional de hoje: a reorganização neoconservadora que, em não poucas ocasiões, deriva em posturas autoritárias e antidemocráticas.’’

E anota: ‘’Depois de seguidas derrotas (vitória de Trump, Brexit, popularidade de Bolsonaro), não é possível ficar numa postura desorientada e titubeante, sob o risco de as forças democráticas serem engolidas por aquilo que deveríamos combater com veemência. ‘’

O livro, segundo ela, ‘’procura aprofundar-se nas complexas dinâmicas das direitas desde diversos pontos de vista e análises. Este livro é escrito a partir da reflexão, da crítica, da denúncia e da proposta.’’

Os autores que dele participam: Camila Rocha, Carapanã, Edson Teles, Esther Dweck,Fernando Penna, Ferréz, Flávio Henrique Calheiros Casimiro, Gilberto Maringoni, Gregório Duvivier – o prólogo é dele - , Henrique Vieira, Laerte,

Lucas Bulgarelli, Lucia Mury Scalco, Luis Felipe Miguel, Luiz Gê, Márcio Moretto Ribeiro, Pedro Rossi, Rosana Pinheiro-Machado, Rubens Casara, Silvio Luiz de Almeida, Stephanie Ribeiro.

Os temas de cada capítulo: A reemergência da direita brasileira, Luis Felipe Miguel. Neoconservadorismo e liberalismo, Silvio Luiz de Almeida. A nova direita e a normalização do nazismo e do fascismo, Carapanã.

As classes dominantes e a nova direita no Brasil contemporâneo, Flávio Henrique Calheiros Casimiro. O boom das novas direitas brasileiras: financiamento ou militância? Camila Rocha.

Da esperança ao ódio: a juventude periférica bolsonarista, Rosana Pinheiro Machado e Lucia Mury Scalco. Periferia e conservadorismo, Ferréz. A produção do inimigo e a insistência do Brasil violento e de exceção, Edson

Teles. Precisamos falar da “direita jurídica”, Rubens Casara.

O discurso econômico da austeridade e os interesses velados, Pedro Rossi e Esther Dweck. Antipetismo e conservadorismo no Facebook, Márcio Moretto

Ribeiro. Fundamentalismo e extremismo não esgotam experiência do sagrado nas religiões, Henrique Vieira.

Moralidades, direitas e direitos LGBTI nos anos 2010, Lucas Bulgarelli.

Feminismo: um caminho longo à frente, Stephanie Ribeiro. O discurso reacionário de defesa de uma “escola sem partido”, Fernando Penna.

No seu prólogo, Gregório Duvivier provoca: ‘’Tudo o que a direita brasileira propõe é o que já foi praticado nos nossos quinhentos anos de história. Feito dizer: “Você tá doente? Eu inventei um negócio: você corta seu antebraço e deixa sangrar”. Então, isso se chama sangria e faz quatro mil anos que não dá certo. “Queria propor uma coisa nova, que é queimar tudo que é bruxa.”

E mais adiante: “Nossa bandeira jamais será vermelha”, dizem os cidadãos de bem, vestindo verde e amarelo. Já é vermelha há muito tempo, graças a vocês.’’

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Servidores - Parte III: a Estrutura do Estado

I
Há muitas formas de o Estado se estruturar política e juridicamente, no capitalismo, funcionando e garantindo o status quo −̶   isto é, o poder dos grandes grupos e complexos econômico-financeiros. Já que foi mencionado, vale distinguir: um complexo econômico é a soma de todas as instituições, órgãos, empresas e pessoas que giram em torno de um interesse econômico específico. Um grupo econômico interage a partir de um complexo. Nessa minha descrição de mundo podem existir tantos complexos quanto possíveis dentro de um determinado sistema econômico −̶   no caso, o capitalismo −̶   e tantos quantos possíveis dentro dos limites de um Estado. Os grupos, internos a esses complexos, também podem variar. Vai depender da especificidade de cada sistema dentro de cada Estado. Nosso caso Brasil encontraremos, via de regra, poucos grupos dentro de cada complexo: de um capitalismo cuja tendência é fortemente monopolista é o que se espera.

Essa conceituação permite transcender a da teoria marxista −̶   não sem ela −̶   em alguns pontos: os complexos econômicos podem não buscar necessariamente o lucro capitalista pela forma mercadoria, mas sim manter ou aumentar o afluxo de dinheiro, ajudando assim a permanência do complexo. Um complexo econômico pode então se apresentar bastante amalgamado com um setor específico da indústria, o que representaria um elo entre estrutura-superestrutura. É o que ocorre, por exemplo, no complexo industrial-militar dos EUA. Aqui temos uma instituição militar, muito fortalecida pelas constantes guerras, unida como unha e carne ao setor industrial bélico. Dentro desse complexo há inúmeros grupos −̶   um exemplo que podemos mencionar é o dos mercenários, exércitos  mantidos por empresas privadas. BlackWater era uma delas.

Então podemos ir para além daquela metáfora marxiana de estrutura-superestrutura. Trata-se de uma metáfora útil, mas insuficiente, do meu ponto de vista, e sua força está justamente na simplicidade. É sincrônica. Proponho não exatamente uma metáfora, mas um modelo, que pode dar conta de alguns aspectos relacionados à dinâmica. É um modelo diacrônico, digamos.

 

II

Antes, voltando à questão da juridicidade da estrutura do Estado: uma dada Constituição política, subscrita por um corpo de leis, assegura de certo modo, mais ou menos efetiva e eficazmente, o status quo.

Que não se cometa, nesse raciocínio, indevidas inversões: o corpo jurídico e o sistema econômico não são estruturas cambiantes, não produzem trocas de modo a uma fazer influenciar e mudar a outra. Não. É o sistema econômico que condiciona o jurídico, assim como condiciona, de certa forma, a estrutura política. Esta, bem como a estrutura jurídica, podem promover alterações nas relações sociais, mas dificilmente (acredito que de nenhum modo) alteram a ordem econômica. Uma lei antitruste impede a concorrência desleal, mas não muda nem anula o jogo; leis antimonopólios, antitruste, e outras, são legislações que refletem a força dos capitalistas em jogo. Do mesmo modo as desregulamentações assim funcionam: são mudanças para a manutenção do jogo, com ou mais peças no tabuleiro.

 

III

Como poderíamos representar um tal sistema? Como dissemos, é conhecida a metáfora estrutura-infraestrutura cujo emprego é muito comum no meio marxista. Proponho uma imagem mais complexa −̶   não necessariamente mais correta, dado que também é metáfora, mas creio mais flexível, mais dinâmica, mais sincrônica. 

E socorro-me dos sólidos de Platão para construir a imagem. Para quem não conhece os sólidos de Platão, figuras da geometria que se caracterizam por serem poliedros regulares, formados por faces (polígonos) regulares e congruentes e onde todos os números de arestas encontram-se em todos os vértices. Como na figura 1:

 

Fig. 1: poliedros regulares.

 

Sem querer fazer demonstrações, pois não é nossa área, os sólidos platônicos são assim chamados justamente porque Platão [1], o filósofo, associou-os aos elementos naturais: terra é associada com o hexaedro (cubo), ar com o octaedro, água com o icosaedro e fogo com o tetraedro. Um quinto elemento, também denominado platônico, foi introduzido por Aristóteles, seria o elemento  éter, mas não permaneceu relacionado a um quinto sólido de Platão. Essa associação foi feita posteriormente e costuma-se afirmar que o dodecaedro é o elemento "cosmos". Podemos representá-los didaticamente na figura 2, assim como os outros:

 

Fig. 2: representação didática dos sólidos platônicos.

 

Grosso modo, o universo para Platão é formado a partir dos elementos nesta ordem: fogo, água, terra e ar. Estes elementos são justificados por suas formas e antes de se combinarem e se distinguirem o universo era disforme, isto é, sem forma.

Euclides, no século III a.C., estabeleceu as formas matemáticas desses sólidos em seu Os elementos. É no Livro XIII desta obra que se oferece uma descrição completa deles, de onde podem ser construídos.

Os sólidos possuem simetrias e isometrias e talvez sejam qualidades porque foram considerados sólidos "perfeitos".

Temos uma simetria quando uma face é exatamente igual à outra face do sólido, ou seja, podemos dividi-la em partes de tal modo que estas partes, quando sobrepostas, coincidem exatamente.  Podemos imaginar um eixo passando por um ponto da figura e ela possuirá simetria rotacional quando poder girar perfeitamente por este eixo. Os nossos sólidos aqui considerados possuem esta propriedade [2] e cada um deles possui um tanto número de rotações possíveis.

Temos uma isometria quando estes sólidos, ao girar, possuem sempre a mesma forma. Em outras palavras e sendo bastante simplificador, pois há toda uma teoria matemática por trás disso aqui, é que temos uma simetria no espaço.

Essas propriedade geométrica permitem circunscrever sólidos dentro de sólidos, que podem rotacionar um dentro do outro, porque um pode ser construído dentro do outro.

 

 

Fig. 3 - Construção do octaedro


 

Na figura acima, podemos construir um octaedro inscrito no cubo. Como abaixo representada:

 


 









Fig. 5 -  Octaedro inscrito no cubo.




Mas também o contrário é verdadeiro, pois como as figuras são duais entre si, então podemos ter o cubo inscrito no octaetro. Como na figura abaixo:

 

Fig. 4 - Cubo inscrito no octaedro

 

E é aqui que vai sendo construída, passo a passo, a minha metáfora, sugerindo essa primeira construção e relacionando os sólidos, sincronicamente, às instituições. Mas vamos dar mais um passo nestas construções, abstraindo, como estamos fazendo, a demonstração matemática. O cubo poderá, assim, ser inscrito no icosaedro e no dodecaedro. A figura abaixo é formado pelo cubo inscrito no dodecaedro.

 

 

 

Fig. 5 - Cubo inscrito no icosaedro e dodecaedro


 

Por sua vez, o icosaedro pode ser inscrito, permitindo-se uma série de rotações, no dodecaedro. A minha imagem final fica assim: o octaedro inscrito no cubo, inscrito no icosaedro, inscrito no dodecaedro. Mas lembrando que há propriedades duais um relação ao outro; cubo e octaedro são duais porque um pode estar inscrito no outro. Dodecaedro e icosaedro são duais, pode se construir um dentro do outro.

Vamos imaginar um mundo assim: dodecaedro contendo um icosaedro contendo um cubo contendo um octaedro contendo um tetraedro. Universo, água, terra, ar e fogo. O movimento do mais externo implica o movimento do mais interno, mas conformado à sua própria isometria.

Minha analogia é a seguinte (termos ideais): o dodecaedro representa o sistema financeiro; o icosaedro o sistema econômico; o octaedro os poderes; o cubo o mundo produtivo, o mundo do trabalho e o tetraedro o indivíduo. Ou os indivíduos no seu conjunto, mas relacionados, entrelaçados ao cubo, que representa não apenas o mundo do trabalho, mas sua heteronomia, ou seja, as relações de produção entre os indivíduos sociais.

Essa montagem obedeceu ao número crescente de faces ou de vértices, conforme o critério de escolha que sustentei para cada caso.

Talvez já tenha dado a perceber a metáfora aqui por trás da alegoria. O sistema financeiro faz girar o restante, inclusive o sistema econômico, o icosaedro, no qual representei aqui pensando em termos de sistema -- o sistema capitalista produtivo e o próprio mercado, isto é, o mundo das trocas, mas num plano maior, não o das pequenas trocas. Este aqui pode se dar no cubo. Já vou explicar. Mas é importante entender a sequência. Dentro deste estaria o tetraedro.

O tetraedro bem representa os poderes: executivo, legislativo, judiciário, imprensa e militares. Sim, os militares, não apenas entre nós brasileiros, representa sempre um poder. Dentro deste o cubo. O cubo pode representar o mundo físico da produção e mesmo o mundo das pequenas trocas -- naquilo que Inacy Sachs definiu como a "produção de não comercializáveis" [4]. Mas representei aqui o mundo do trabalho direto, o esforço físico, a labuta. Daqui saem tanto as coisas para o mundo das grandes trocas como das pequenas trocas. Note-se que esse universo está engendrado pelo tetraedro.

E não é por acaso. Os poderes aqui representados pelo tetraedro condicionam esse mundo da produção direta, em seu movimento próprio. Por sua vez, dentro desse cubo está o tetraedro -- o indivíduo. Este, condicionado pelo movimento do poliedro que o engendra.

 

Podemos representar assim, uma estrutura tridimensional, hierarquizada, matematicamente justificada em seu movimento, de fora para dentro: dodecaedro, icosaedro, octaedro, cubo, tetraedro. E reiterando que a hierarquia foi estabelecida em termos de número de vértices, já que cada ponto do vértice pode representar um foco de poder, qualquer que seja, político, econômico-financeiro, ideológico.

 


Figs. 5 e 6 - Dodecaedro contendo icosaedro


 

Percebam que eu mencionei todos poliedros com seus duais:

 

Fig. 7 - poliedros e seus duais.

E os inscrevi um dentro do outro, de forma hierárquica de acordo com seus vértices. O tetraedro é o último e seu dual é ele mesmo, de modo que a projeção de um vértice toca na face do inscrito. Assim:

 


 Fig. 8 - Projecção (Fonte da imagem: http://www.matematicasvisuales.com/html/geometria/platonicos/dualidad.html)

 

 

IV

As "esferas" do mundo financeiro e econômico capitalista adquiriram uma tal complexidade e imbricação que o dual dodecaedro-icosaedro podem ser representados como formando um compósito. Tal como o podemos identificar na figura abaixo:

 

Fig. 9 - Complexidade: sistema financeiro e produtivo


 

 

Portanto, com esse arranjo dos duais e estabelecendo uma determinada hierarquia, construí uma metáfora para nosso mundo do capital. Não é um modelo de análise, não é uma metodologia. É uma alternativa à metáfora do edifício estrutura-superestrutura.  E nos ajuda a compreender um movimento, a força impulsionadora de cada estrutura. Apresenta-se uma questão: como quebrar ou travar esse movimento? E mais: Como invertê-lo? É possível destruí-lo de dentro para fora? Seria possível mudar a natureza das relações? Talvez tudo dependa dos vértices. E quais os principais? Talvez contidos naquele que tenha menos vértices: o tetraedro, cujo dual é ele mesmo. Talvez sua desalienação seja a grande e real saída, a resposta para estas questões. Mas isto é uma questão para outro artigo.

 

V

Considerações finais.

O que importa dizer, afinal, é que nós, servidores, estamos dentro do "cubo". Estamos assim em nosso "quadrado"... Não somos um dos poderes, tais como os "membros", "agentes políticos"; podem ser chamados de quaisquer coisas, mas não servidores. Os agentes políticos, que se confundem entre nós com o próprio órgão, o próprio poder, estão no Tetraedro. É o Tetraedro que condiciona o movimento do cubo, onde nós estamos. Geograficamente, ocupamos o mesmo espaço que tais agentes. Mas geometricamente a matemática do poder é outra. Eles estão numa outra dimensão geométrica, obedecendo a um movimento próprio. Eles são o Estado.

Mas isso tudo é uma metáfora. Procurei sofisticar bem para dar conta da complexidade das coisas a que estamos submetidos. Evidentemente que o esclarecimento do público em geral se dá na esfera da linguagem, mais pedagógica, mais didática. É preciso sobretudo esclarecer que os serviços, o bem público, está oferecido pelas nossas mãos.

É isso.

 

 

 

[1] Platão, Timeu.

[2]Wellington Ribeiro dos Santos, p.24 e seguintes

[3]figuras retirada de SANTOS, p.27, 42

[4]Sachs, Inacy. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. RJ, Garamond, 2004. pg. 45-6


A Rainha, Rock in Rio e a reação refratário-geriátrica geral do Ocidente

 



 

A morte da rainha Elisabeth II --  apelidada carinhosa-anacronicamente aqui de “Lilibeth”, pelos vira-latas de plantão – despertou as mais variadas reações, à direita e à esquerda.

Na direita, aquela lamentação acrimoniosa do tipo “morre nossa rainha...” e uma cobertura por demais exagerada nos canais de TV fechados.

Na esquerda, posts críticos apontando para o colonialismo, a exploração da África, etc., enfim uma crítica ressentida sem muito aprofundamento. O resto são pequenas matérias superficiais voltadas para o público do ensino médio e que inundam as postagens de whatsapp. Platitudes.

Por outro lado, tivemos também o mega-show-cafona de Rock (?), o Rock in Rio. Despertou reações menos opostas e menos controversas, dado que é um evento que se inscreve no circuito da indústria cultural da música, lançando seu dossel de ilusões sobre todo mundo. Gostem ou não de “rock”, mas especialmente naqueles que dizem gostar.

O que uma coisa se relaciona com outra? Vem à minha cabeça: decrepitude.

A morte de Elisabeth, reinado mais longo e triste da história, pode simbolizar também a morte da monarquia. Ou melhor, da imagem dela. Do glamour dela. E de tudo que ela representava como potência, também e inclusive o imperialismo. Do império britânico não resta mais nada à Grã-Bretanha. Totalmente frágil e dependente dos EUA, em quaisquer áreas que se imagine. Resta apenas ser um braço da geopolítica norte-americana, ponta-de-lança da OTAN – todo o Reino Unido, lembre-se. Essa é parte decrépita. A rainha morre tão velha e encarquilhada quanto o Reino que representava. Faltou essa análise para a esquerda pequeno pensante.

E o Rock in Rio? Conta com sua parte de decrepitude. Roqueiros da maior idade, tanto os que cantam como os que assistem, emulam juventude, vitalidade, mais desejada que exercida. Por que esse desejo mórbido de se manter jovem? As sociedades no Ocidente querem vender isso. Seja jovem, faça exercícios, academia, compre vitaminas, proteínas, trabalhe até morrer. A indústria cultural martela o tema o tempo todo, no cinema, na mídia, não seria diferente na música – inclusive por meio do Rock, que sempre remete à rebeldia de uma juventude renitente. A rebeldia permaneceu apenas na letra, nas roupas, num  anacronismo absurdo misturado à cafonice dos jogos de luzes multicores.  Muita pirotecnia e pouco fogo. E muito, muito dinheiro. Triste fim do Rock. Restou entretenimento. Só.

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

AUTOENGANO.


 



Leitura realizada em Maio de 2007.

GIANNETTI, Eduardo. Auto-engano. São Paulo: Companhia das Letras, 2005 (1997)


Trata-se de um texto originalmente editado em 1997.  Mas muito atual para nosso momento...

O autor se propõe a explicar as bases biológicas e sociais do auto-engano (o indivíduo que admite uma mentira para si mesmo ou uma deformação da realidade). O engano é comum a todos e, portanto, nos inclui -- bem como ato de enganar os outros, conscientemente ou não. O que faz com que nos auto-enganemos também. Mas o auto-engano é ruim? Queremos enganar, a fim de sobreviver. Mas também nos enganamos para nos proteger. Há bases biológicas e sociais para o auto-engano, segundo Giannetti. Ocorre que o auto-engano não tem implicações apenas na vida pessoal, mas também na vida pública. As considerações e reflexões do autor levam em conta estes dois aspectos. E ao fim o que se busca é uma conciliação destes, um modo intersubjetivo de lidar com esse problema. Mas a questão está apenas proposta, segundo o próprio autor.

 

  

Comentário.

É realmente preciso buscar uma conciliação? Ou um arranjo conciliador? para nossas vidas privadas e públicas. Não poderíamos, ao assumir o auto-engano? que isso seja uma contradição permanente? Ou talvez deveríamos pensar que exista mesmo estes dois momentos: conciliação-contradição, e assim por diante...

O autor é um liberal. Como tal ele acredita em um resultado de meio termo e conciliador, onde a liberdade e a justiça estariam satisfeitas. Trata-se de um bom estudo sobre o auto-engano. Não precisamos concordar com as conclusões, mas realmente é uma investigação boa, honesta e interessante. Não leva em conta a não-verdade (mentira) em si. Mas apenas O engano. 

Um trabalho que se poderia realizar com este texto é o seguinte: como fazer emergir, de nós mesmos --  e tomando consciência -- o auto-engano? E como tornar isso um modo de obter alteridade? interação? e quem sabe alguma conciliação...