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sexta-feira, 14 de abril de 2017

A Puta, de Márcia Barbieri.



BARBIERI, Márcia. A Puta. São Paulo, Terracota, 2014.

O romance pode ser lido de várias formas: como uma narrativa do início dos tempos, então seria o Gênesis. Ou do fim dele, então seria o Apocalipse. Em ambas as formas encontramos o poder gerador e destruidor do sexo e da sexualidade. Nascimento e morte estão vivamente contemplados, demonstrados e vividos neste romance dialético, escondidos sob a apresentação aparentemente pornográfica. O pornográfico fica reduzido aqui apenas à linguagem (ou nem isso, porque não há apropriação, mas forma de expressão), enquanto os símbolos nos remetem ao contraditório das representações de gênero e de tipos, entendidos como persona - ou seja, o papel que se está assumindo no momento. Ou numa linguagem da psicologia junguiana, na forma de arquétipos.

Por isso mesmo a Puta, aquela que dá origem a tudo e a tudo pode destruir, constitui-se como a interface do mundo - e justamente por isso ela se relaciona com o Poeta, com o Filósofo, com Flamenca, uma mulher. Seria a Puta o self por meio do qual a humanidade se orienta? Talvez. Talvez o romance seja um desafio para ou o contraponto do poder do macho. Pode ser entendido assim das duas formas. De qualquer maneira, da Puta emana o poder feminino, que (inclusive) é um poder de fingimento, escamoteamento (tal como descrito à p. 76). Enfim, é um desafio para o mundo em que vivemos, especialmente os atuais.

A narrativa simbólica e a linguagem permeada de metáforas e de poesia, permitem múltiplas interpretações. Mas ao terminar o romance, tenho certeza de que o leitor terá uma imagem de transgressão como nunca experimentou na vida, pois o romance supera o tabu (no plano simbólico e não apenas da linguagem) em torno da figura que ninguém quer falar,  assumidamente, como fazendo parte de sua própria vida, ainda mais se lembrarmos que a prostituta é uma figura simbolicamente ambivalente [1] e, portanto, destruidora da identidade bem comportada.

O Estilo. O romance, inicialmente, não é fácil de ler - exige reflexão e assimilação a todo instante. Mas o leitor vai se acostumando à prosa um tanto poética e peculiar da autora. Falar em prosa poética é algo muito elementar para classificar o estilo do livro, pois ele é algo mais complexo que isso. A prosa contém poesia, sim, mas é de um simbolismo muito forte, de imagens vivas e bem carregadas no colorido.
Por meio desse simbolismo, que é gerador e destruidor ao mesmo tempo, conta-se uma história. Como dissemos, não é fácil de ler e acompanhar; no entanto, a partir de determinado ponto torna-se uma necessidade, uma certa dependência da leitura toma conta de nós - mas no momento certo, antes de se tornar um vício, o romance termina. E tal como num oráculo, a mensagem foi lançada. Cabe interpretar da melhor forma possível.


[1]JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis, RJ : Vozes, 2000. p. 199