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domingo, 15 de maio de 2016

PATÉTICO

"As pessoas são ridículas apenas quando querem parecer ou ser aquilo que não são."

(G. Leopardi, Pensieri, IC)

Segundo o dicionário Novíssimo Aulete, 2011, em sua acepção 1: Que desperta compaixão, piedade, tristeza (cena patética);TOCANTE, TRISTE. Na acepção 2: Que encerra ou se caracteriza pela emoção, piedade, terror, etc, extremados ou impróprios (às circunstâncias, situação ou condições) (discurso patético; palavras patéticas; gesto patético).
Comentário. É o que não nos tem faltado. Cenas, circunstâncias, situações, palavras, discursos e gestos patéticos. Os exemplos vão desde um grupo de autoridades ansiosos por incriminar e prender políticos até os políticos mesmos, desejosos por tomar de volta um poder que lhes escapou. Mal escondem as infidelidades partidárias, os compromissos rompidos, os acordos sub-reptícios e silenciosos, quando buscam se reposicionar no cenário político.
A fina sintonia entre autoridades (juízes, promotores, ministros) e determinados políticos passa-nos despercebida na maior parte de nossa vivência social. Essa realidade vem à tona e se nos apresenta quando presenciamos tais cenas patéticas. E é nesse momento que as instituições político-jurídicas mostram sua face obscena, ideológica, pois elas mesmas nos dizem sobre toda a falsidade em que são firmadas: as regras valem não formalmente, para todos igualmente, mas segundo certas condições e a determinadas pessoas. Não nos acostumamos muito facilmente - por meio da leniência do tempo histórico - com a injustiça contra os desfavorecidos? E que a lei, o rigor da lei, vale para os inimigos e não para os amigos? Dura lex, sed lex, mas somente para a maioria desguarnecida.
Por isso é que entender a encenação do patético, na vida real, é importante - para nos fazer ver o cair das máscaras, mostrar-nos não só a feiura desses atores, mas a cena mesma imprópria. E é por isso que nos causa compaixão, tristeza, uma certa piedade, mas não sem terror - como quando olhamos para um monstro, tal como uma criatura remendada com membros de outras. É aí que percebemos que estamos instalados num circo de horror - só não nos damos conta enquanto não estamos no centro do picadeiro, a servir de espetáculo. Nos damos conta que pagamos por um show de horrores, disfarçado pelo esforço de mágicos e palhaços. Pagamos caro o ingresso e acreditamos no show até o momento em que o patético se apresenta. A falsidade se descortina, mas não temos como recobrar o dinheiro. A bilheteria está fechada. O que fazer? Talvez tomar o comando do espetáculo...
Schiller, filósofo, médico, historiador e especialmente poeta, designou com este termo ("patético"), segundo o dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano, página 868, uma das espécies do sublime. O sofrimento, na tragédia, funciona para a arte apenas como um meio para atingir o seu fim (catarse ou purgação, segundo Aristóteles). O patético seria um meio do artista expor o sofrimento, mas de tal modo a atingir o público pela compaixão, pelo humano. Complicado? Não. Pense em Chaplin. O genial Chaplin, cujas tragédias eram disfarçadas de comédias patéticas. O genial Chaplin empregou o patético em suas obras para provocar catarse sobre a tragédia de nossas vidas. Na vida real, porém, alguns atores-autoridades assumem autenticamente o patético e demonstram, com isso, a farsa em que estão instituídos e na qual querem que todos acreditem. É o momento em que a ficção desnuda a realidade - e esta se nos apresenta nua e crua, onde o palco deixa transparecer os bastidores. Sim, logo ali, onde podemos observar os artistas se maquiando, decorando textos que não compreendem, vestindo roupas anacrônicas, com odor de mofo e naftalina.
Querem acreditar nesta realidade ou na de Chaplin? Escolham.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

HIPÓCRITA.



"Ninguém pode, por muito tempo, ter um rosto para si mesmo e outro para a multidão sem ao final confundir qual deles é o verdadeiro." (N. Hawthorne, in: A letra escarlate) 

Ser hipócrita, segundo A. Comte-Sponville, em seu Dicionário Filosófico,  é "querer passar pelo que não é, a fim de tirar proveito" (p.276).  Não por vaidade ou outro sentimento qualquer, mas por puro cálculo e envolvendo interesse, não para imitar os que admiramos, mas para menosprezar a quem odiamos.
A hipocrisia, continua o filósofo, é uma má fé lúcida e interesseira - ela quer provocar um dano, um prejuízo, ainda que apenas no plano moral.
Comentário. De fato, a hipocrisia exige um momento de rara lucidez, mas não aquela lucidez positiva, crítica. Ela tem origem numa lucidez reativa. Como aquele indivíduo, que abre diariamente a página de seu provedor de internet, repleto de nudez semi-pornográfica (porque a pornografia é o nu objetivado em mercadoria) e até então tudo se passa como se tudo fosse natural; ocorre que um determinado momento, posterior, ele identifica, na aparência, uma semelhança de formas - daquelas formas pornográficas - em algum outro círculo social que não o dele; neste momento ele ganha consciência de sua própria cupidez, mas é justamente neste momento que sua catarse será revertida em negatividade, isto é, em reação negativa - não passiva, mas negatividade contundente. E virá o momento da hipocrisia - o de apontar, nos outros, aqueles mesmos defeitos que possui e transformá-los em defeito moral dos outros. Defeito moral em aparência, vamos repetir, pois trata-se de uma ação reflexiva - isto é, oriunda do próprio sujeito hipócrita. Na prática, é aquele que comenta maldosamente sobre o decote da vizinha do apartamento ao lado, a saia justa demais da outra, etc., isso para ficar apenas naqueles aspectos que envolvem a nudez, como vimos. Qual o objetivo do malvado? Depreciar, diminuir o valor. Por quê? Por que talvez a vizinha o tenha desprezado, não riu de uma piadinha sua, etc. Mas o hipócrita transforma isso num evento em que ele obtém um ganho, de respeitabilidade, de crédito. Na próxima reunião de condomínio sua palavra terá maior peso do que aquele, ou aquela, a quem o hipócrita denegriu naquele meio. Enfim, esse é cálculo final. O hipócrita retornará às suas atividades de concupiscência banal diária, pois não será a consciência disso, nem de seus atos antiéticos, que o farão mudar.  É ligeiro e rasteiro, mas é assim que funciona na vida social, pois há quem dê crédito ao hipócrita. É assim que funciona, ainda mais, na vida política. Exemplos não faltam todos os dias. Mas há quem dê crédito aos hipócritas.