HIPÓCRITA.
"Ninguém pode, por muito tempo, ter um rosto para si mesmo e outro para a multidão sem ao final confundir qual deles é o verdadeiro." (N. Hawthorne, in: A letra escarlate)
Ser hipócrita, segundo A. Comte-Sponville, em seu Dicionário Filosófico, é "querer passar pelo que não é, a fim de tirar proveito" (p.276). Não por vaidade ou outro sentimento qualquer, mas por puro cálculo e envolvendo interesse, não para imitar os que admiramos, mas para menosprezar a quem odiamos.
"Ninguém pode, por muito tempo, ter um rosto para si mesmo e outro para a multidão sem ao final confundir qual deles é o verdadeiro." (N. Hawthorne, in: A letra escarlate)
Ser hipócrita, segundo A. Comte-Sponville, em seu Dicionário Filosófico, é "querer passar pelo que não é, a fim de tirar proveito" (p.276). Não por vaidade ou outro sentimento qualquer, mas por puro cálculo e envolvendo interesse, não para imitar os que admiramos, mas para menosprezar a quem odiamos.
A hipocrisia,
continua o filósofo, é uma má fé lúcida e interesseira - ela quer provocar um
dano, um prejuízo, ainda que apenas no plano moral.
Comentário. De fato, a hipocrisia exige um
momento de rara lucidez, mas não aquela lucidez positiva, crítica. Ela tem
origem numa lucidez reativa. Como aquele indivíduo, que abre diariamente a
página de seu provedor de internet, repleto de nudez semi-pornográfica (porque
a pornografia é o nu objetivado em mercadoria) e até então tudo se passa como
se tudo fosse natural; ocorre que um determinado momento, posterior, ele
identifica, na aparência, uma semelhança de formas - daquelas formas
pornográficas - em algum outro círculo social que não o dele; neste momento ele
ganha consciência de sua própria cupidez, mas é justamente neste momento que
sua catarse será revertida em negatividade, isto é, em reação negativa - não
passiva, mas negatividade contundente. E virá o momento da hipocrisia - o de
apontar, nos outros, aqueles mesmos defeitos que possui e transformá-los em
defeito moral dos outros. Defeito moral em aparência, vamos repetir, pois
trata-se de uma ação reflexiva - isto é, oriunda do próprio sujeito hipócrita.
Na prática, é aquele que comenta maldosamente sobre o decote da vizinha do
apartamento ao lado, a saia justa demais da outra, etc., isso para ficar apenas
naqueles aspectos que envolvem a nudez, como vimos. Qual o objetivo do malvado?
Depreciar, diminuir o valor. Por quê? Por que talvez a vizinha o tenha
desprezado, não riu de uma piadinha sua, etc. Mas o hipócrita transforma isso
num evento em que ele obtém um ganho, de respeitabilidade, de crédito. Na
próxima reunião de condomínio sua palavra terá maior peso do que aquele, ou
aquela, a quem o hipócrita denegriu naquele meio. Enfim, esse é cálculo final.
O hipócrita retornará às suas atividades de concupiscência banal diária, pois
não será a consciência disso, nem de seus atos antiéticos, que o farão
mudar. É ligeiro e rasteiro, mas é assim
que funciona na vida social, pois há quem dê crédito ao hipócrita. É assim que
funciona, ainda mais, na vida política. Exemplos não faltam todos os dias. Mas
há quem dê crédito aos hipócritas.
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