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quarta-feira, 11 de maio de 2016

HIPÓCRITA.



"Ninguém pode, por muito tempo, ter um rosto para si mesmo e outro para a multidão sem ao final confundir qual deles é o verdadeiro." (N. Hawthorne, in: A letra escarlate) 

Ser hipócrita, segundo A. Comte-Sponville, em seu Dicionário Filosófico,  é "querer passar pelo que não é, a fim de tirar proveito" (p.276).  Não por vaidade ou outro sentimento qualquer, mas por puro cálculo e envolvendo interesse, não para imitar os que admiramos, mas para menosprezar a quem odiamos.
A hipocrisia, continua o filósofo, é uma má fé lúcida e interesseira - ela quer provocar um dano, um prejuízo, ainda que apenas no plano moral.
Comentário. De fato, a hipocrisia exige um momento de rara lucidez, mas não aquela lucidez positiva, crítica. Ela tem origem numa lucidez reativa. Como aquele indivíduo, que abre diariamente a página de seu provedor de internet, repleto de nudez semi-pornográfica (porque a pornografia é o nu objetivado em mercadoria) e até então tudo se passa como se tudo fosse natural; ocorre que um determinado momento, posterior, ele identifica, na aparência, uma semelhança de formas - daquelas formas pornográficas - em algum outro círculo social que não o dele; neste momento ele ganha consciência de sua própria cupidez, mas é justamente neste momento que sua catarse será revertida em negatividade, isto é, em reação negativa - não passiva, mas negatividade contundente. E virá o momento da hipocrisia - o de apontar, nos outros, aqueles mesmos defeitos que possui e transformá-los em defeito moral dos outros. Defeito moral em aparência, vamos repetir, pois trata-se de uma ação reflexiva - isto é, oriunda do próprio sujeito hipócrita. Na prática, é aquele que comenta maldosamente sobre o decote da vizinha do apartamento ao lado, a saia justa demais da outra, etc., isso para ficar apenas naqueles aspectos que envolvem a nudez, como vimos. Qual o objetivo do malvado? Depreciar, diminuir o valor. Por quê? Por que talvez a vizinha o tenha desprezado, não riu de uma piadinha sua, etc. Mas o hipócrita transforma isso num evento em que ele obtém um ganho, de respeitabilidade, de crédito. Na próxima reunião de condomínio sua palavra terá maior peso do que aquele, ou aquela, a quem o hipócrita denegriu naquele meio. Enfim, esse é cálculo final. O hipócrita retornará às suas atividades de concupiscência banal diária, pois não será a consciência disso, nem de seus atos antiéticos, que o farão mudar.  É ligeiro e rasteiro, mas é assim que funciona na vida social, pois há quem dê crédito ao hipócrita. É assim que funciona, ainda mais, na vida política. Exemplos não faltam todos os dias. Mas há quem dê crédito aos hipócritas.

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