Os problemas atuais da ALIMENTAÇÃO HUMANA – sugestão de documentários
Gostaria
de indicar aqui alguns documentários a que assisti recentemente, relacionados
aos problemas da alimentação e da indústria alimentar. Assim, os comentários
são apenas um indicativo, não uma resenha exatamente, visando estimular a
iniciativa de reflexão sobre o assunto apresentado nessas produções. A seguir,
os documentários na sua ordem cronológica de produção; ao final, acrescento um
filme de ficção como sugestão sobre o assunto e acredito seja de bastante interesse para o
tema.
Super size me. 2004, EUA - Dir. Morgan Spurlock
Filme
que demonstra os efeitos de uma alimentação baseada em carbohidratos de
fast-food. O autor e ator se submeteu a essa dieta por 30 dias e ao final
surgiram vários problemas de saúde. O mais impressionante é a velocidade com
que os problemas aparecem. Evidentemente, ninguém faz suas refeições em
fast-food por 30 dias seguidos (ainda), mas a experiência é uma demonstração de
como uma dieta assim, com alguma frequência, pode levar o indivíduo a
"contrair doenças" rapidamente - de várias ordens: pressão, níveis
altos de colesterol, só para começar.
Há
um tema subjacente não discutido no documentário: e quando não estamos comendo
no fast-food, estamos nos alimentando bem? De nada adianta nos distanciarmos
das lanchonetes se comemos "junk
food" em casa - salgadinhos, comida pronta, enlatados, refrigerantes,
etc. Questões: estamos evitando tudo isso? quais os níveis seguros de consumo?
é melhor evitar totalmente?
Questões
para um outro documentário. Mas este já nos faz pensar bem sobre efeitos
decorrentes de uma dieta baseada nestes carbohidratos que, ressalte-se isso,
não são todos iguais.
A carne é fraca
– 2005, BRA - Dir. Denise Gonçalves; roteiro Nina
Rosa Jacob
Documentário
produzido pelo Instituto Nina Rosa; um dos entrevistados é o jornalista
Washington Novaes. O vídeo ilustra como a produção de carne cria um forte e
destrutivo impacto no meio ambiente. Ao mesmo tempo demonstra as consequências
da dieta de carne sobre a saúde humana.
Comida
S/A – 2008, EUA - Dir. Robert Kenner
Esse
documentário tem por base muito do que foi desenvolvido no livro "O Dilema
do Onívoro", Michael Pollan,
contando inclusive com sua consultoria para a produção do roteiro.
Este
documentário deixa claro que a comida do tipo fast-food não diz respeito
somente às lojas de hambúrguer, mas a todo tipo de alimento processado
industrialmente e de pronto uso. Por meio dos supermercados esse tipo de comida
é comercializado. Estamos tão acostumados a esse modelo de comércio que não
conseguimos vislumbrar outro modo de obter alimentos. Nos supermercados a
comida está à pronta disposição e em abundância e variedade. Mas que tipo de
comida? A maior parte não natural. Aprofundando-se na pesquisa da composição
desses alimentos, encontraremos um produto em comum: o milho. O processamento
desse produto resulta em amido de milho e goma, matéria-prima para uma
multiplicidade de alimentos que vai do refrigerante, bolos, doces e salgados (petiscos),
biscoitos, massas e até molhos e condimentos. Os produtos naturais, produzidos
longe das cidades, ficam caros e mais escassos; são preteridos pelas comidas
industrializadas.
O
gado confinado é também abordado no filme. O confinamento é um modelo de
produção cruel para os animais. No documentário fica manifesto o sofrimento dos
animais, embora as imagens não sejam exploradas intensamente, nem
dramaticamente. O drama dos animais é notadamente perceptível. Pouco ou nenhum
espaço, alimentação exógena à natureza do animal (milho é a base), são os
ingredientes para uma criação que está sempre exposta a contrair doenças. Daí o
emprego maciço de antibióticos, para que o animal fique vivo. Mas isso não
impede o surgimento de bactérias resistentes. Quando essa carne vai para o
processamento industrial, ela é tratada com um produto à base de amônia, que
tenta eliminar essas bactérias.
Há
muitos outros aspectos da indústria
alimentar abordados no filme, como por exemplo, a dependência cada vez maior do
fazendeiro com relação aos subsídios governamentais. Para produzir mais milho,
os fazendeiros recebem empréstimos com juros irrisórios. Compra-se máquinas,
equipamentos e insumos. A produção aumenta, mas o preço de venda do grão não é
garantido. Pelo contrário, com o aumento da produção o preço do milho cai. Os
lucros não são suficientes, assim, para pagar o que foi contraído de dívida. Os
fazendeiros contraem mais empréstimos, tornando-se cada vez mais endividados. É
a "praga do milho barato", como Michael Pollan enuncia em seu livro.
A questão do milho transgênico da Monsanto e suas táticas de imposição desse
grão também é discutida.
Enfim,
o que temos ao final é uma comida inapropriada e que traz inúmeros problemas de
saúde, sendo um deles a obesidade, que por sua vez acarreta outros males de
difícil tratamento. Os custos para o poder público aumentam. As classes mais
pobres são mais afetadas, pois são as que compram esse tipo de comida - mais
acessível e mais barata.
Há
um contraponto. No documentário é apresentada a fazenda Polyface, modelo
proposto por seu proprietário como o oposto da indústria alimentar. Nessa
fazenda os animais, vegetação e homem, interagem e são obedecidos os seus
ciclos naturais. Revezamento de terras, gado que pasta e se alimenta de grama,
galinhas criadas com acesso à luz natural, etc. A fazenda é uma exceção, um
modelo que funcionou no passado e que agora se nos coloca como uma utopia.
O
lado negro do chocolate.2010, Dinamarca - Dir. Miki
Mistrati e U. Roberto Romano
Este
documentário tem como tema principal o trabalho escravo de crianças. Grandes
empresas da indústria do chocolate, entre elas a Nestlé, não reconhecem que
esse tipo de mão-de-obra é empregada na produção de cacau - matéria-prima para
o chocolate, especialmente o vendido na Europa. O tráfico de crianças para esse
tipo de trabalho é realizado com a condescendência ou leniência dos governos
envolvidos, tanto de um lado como de outro. As crianças são traficadas em Mali
para trabalho na Costa do Marfim, um dos grandes produtores de cacau.
Entrevistas com crianças e câmeras escondidas foram as técnicas que permitiram
a realização do filme.
Embora
não esteja associado diretamente ao problema da alimentação, o documentário
revela uma faceta do comportamento da indústria alimentar: ela é irresponsável
com relação à totalidade da cadeia produtiva; enquanto houver lucros, nada é
questionado e se ninguém levantar nenhuma questão, nada é investigado ou
inspecionado.
Muito
além do peso, 2012 - BRA - Dir. Estela Renner
Esse
aborda, além dos problemas do peso causado pelo consumo de produtos
industrializados, a relação entre o consumidor e a propaganda, demonstrando
como o marketing atua massivamente e dirigido às crianças. Um
documentário bem completo, que abrange vários aspectos com relação ao problema
da obesidade, embora não aprofunde muito em cada um. Podemos mencionar, entre
outros:
·
influência
desleal da indústria de alimentos e bebidas em decisões do governo;
·
falta de educação
nutricional;
·
excesso de
produtos processados na merenda escolar;
·
falta de
políticas públicas para prática de atividades físicas;
·
quantidade de
horas gastas em frente à TV;
·
dificuldade de
acesso a alimentos mais saudáveis (naturais e frescos);
·
questão dos
rótulos nos produtos, cujos ingredientes verdadeiros são escamoteados pelas
grandes empresas.
Superalimentado – Açúcar.
2014, EUA - Dir. Stephanie Soechtig
Documentário
pouco conhecido entre nós, apresenta os problemas relacionados à ingestão do
açúcar. O mérito é demonstrar como esse problema é mundial e até que ponto
estamos dependentes do açúcar, tanto física, como economicamente. Fisicamente
pela ingestão exagerada, pois há açúcar em tudo, em todos os produtos e na
maior parte disfarçadamente - o que nos leva ao vício do açúcar. Economicamente
pela rede de indústrias que empregam o açúcar em seus produtos, seja como
produto principal ou componente. Os investimentos e lucros em torno do açúcar
alcançaram níveis extraordinários. Enfim, a ingestão de açúcar é equiparada a
uma epidemia - difícil de se controlar e difícil de tratar.
Nação
Fast-food (Fast Food Nation). EUA, UK, 2006. Dir. Richard Linklater.
Se
não entendermos como uma mera ficção, o valor do filme é apresentar o
funcionamento da cadeia produtiva de uma rede de lanchonete fast-food, bem como
os problemas (e soluções) que envolvem o negócio. Todas as partes envolvidas no
sistema, ou que lutam contra ele, estão representadas, inclusive o ponto de
vista do consumidor.
Uma
observação quanto ao subtítulo em português: "uma rede de corrupção".
Nada como uma simples frase para tentar enganar o espectador. Quer dar a
entender que o filme é uma simples ficção, tendo como pano de fundo uma rede de
lanchonete. Corrupção? Ora, não há ninguém corrupto o se corrompendo no filme.
O processo produtivo é realizado daquela forma mesma, dentro dos padrões legais
permitidos. O que ocorre na verdade é que esses padrões legais, especialmente
na área de alimentação, são muito flexíveis. Essa indústria conta com muito
poder, influência, dinheiro e advogados. Estratégias para envolver o consumidor
restam sem limites dentro desse universo.
Voltando
à questão do subtítulo, não seria essa a primeira vez que tal ordem de coisas
ocorre. Títulos de filmes em português são questionados já há algum tempo. Na
minha memória o melhor - ou pior - exemplo, é o filme de Sidney Lumet,
"Network", de 1976 - aqui traduzido e apresentado como "Rede de
intrigas". À época o público talvez tenha sido apanhado mais desprevenido
quanto a essas traduções, pois lembro-me de que muitas pessoas não associavam o
filme a nenhum aspecto da realidade das redes de televisão. Ora, a imprensa e a
TV ainda eram veículos inquestionáveis de difusão da informação e portanto da
verdade. Pouca gente relacionava aquelas questões com problemas relativos aos
fatos e às versões. O que se noticiava era um fato. Ponto. Esse debate ficou
para as décadas seguintes, quando algumas questões factuais ficaram mais claras
com relação às versões apresentadas pela imprensa. De qualquer forma, talvez o
título não tenha influenciado tanto assim, ou talvez nada. Mas serviu para
esmaecer qualquer ponta de desconfiança. E não quer dizer também que o título
tenha sido criado justamente para isso. Mas no mundo das comunicações nada é
inadvertido. Certamente que não.
Enfim,
uma obra de ficção nunca é algo criado sem uma realidade subjacente, por mais
fantasiosa que seja a obra. A verossimilhança vai depender da proposta do autor
e de sua capacidade técnica para reproduzi-la.
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