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domingo, 25 de janeiro de 2015

São Paulo, 25 de Janeiro.

    Divulgação
    No momento em que escrevo, São Paulo, a cidade, faz aniversário. Chegada essa época do ano, jornais, rádios, redes sociais e o resto da população, aquela que aparece na mídia, celebra o momento, declarando o seu "amor a cidade".
    Motivos para a comemoração, certamente os há. Pela minha parca experiência, mas sobretudo tudo tendo como testemunho os amigos, não há comparação em termos culturais com outra cidade. Teatro, cinema, gastronomia. E é possível fazer de tudo um pouco apenas com o dinheiro da condução. Sim, é possível até comer grátis, embora não frequentemente. Mas é perfeitamente possível ouvir música, ir ao teatro, às exposições e ao cinema grátis todo final de semana. Sem filas. As exposições com maior demanda são justamente as que são pagas, ou o circuito comercial, no cinema 3D, por exemplo. Os parques públicos estão cada vez mais disputados, mas com esforço é ainda viável fazer caminhadas ou corridas, ou ainda jogar futebol. O tão combatido "minhocão" fecha aos finais de semana, permitindo que os cidadãos da região façam sua caminha - uma compensação ao transtorno do meio de semana.
    Mas essa é a cidade do final de semana.
    A cidade real, de todos os dias, apresenta-se bem diferente. É necessário que eu a descreva? Alguém está com dúvida de que ela é hostil, agressiva e opressiva? Vou mencionar alguns pontos, e o leitor - naquele ponto em que cada um é afetado - imagine o restante:
    (numa ordem quase crescente)
    -Metrô, trem e ônibus;
    -Trabalho e horário de almoço;
    -Preço do prato na alimentação fora de casa;
    -Calçamento, para o pedestre; asfalto das ruas, para os motoristas;
    -Barulho  - ruído dos carros, ruído das pessoas, ruído do comércio;
    -Trânsito e pedestres;
    -Falta de verde e aridez;
    -Sujeira, lixo e poluição (bem pior, mas com a tolerância das pessoas bem maior quanto as esses aspectos - algo que não consigo compreender; sem falar na poluição visual);
    -Urbanismo - disposição das ruas, tanto para o pedestre quanto para o motorista;
    -Urbanismo - falta de espaço;
    -Urbanismo - especulação imobiliária;
    -Urbanismo - estética visual da cidade (a cidade é feia, mesmo sem os cartazes de propaganda, eliminados pela Lei "cidade limpa", que aliás é um exemplo de autoritarismo rançoso. Sem os cartazes, a cidade não deixou de ser feia, pois falta um modelo de urbanismo humanitário);
    -Civilidade (todo mundo se "acotovela");
    -Violência - de todos, não apenas dos criminosos;

    Sobre tudo isso, é possível iniciar profundos debates, arrastados, conflituosos, desgastantes. Por isso mesmo, a população das grandes cidades parece ter abandonado o debate público, que ao fim, seria de fato o início da solução para todos os problemas.
    Todas as cidades grandes estão com os mesmos dilemas, que já vem de décadas. Nova Yorque não difere nem um pouco de São Paulo nesse aspecto, mas a grande maçã possui suas vantagens.
    Entramos numa fase, isso posso identificar entre os anos 1980 para cá, numa espécie turbourbanismo. O crescimento da cidade não se compatibiliza com qualquer modelo de urbanismo, pois se houvesse um este teria que atuar contra o próprio crescimento. Então, esse turbourbanismo é irrefreável, caótico, possuidor de um dinamismo que atropela tudo. Senão, teríamos tantos problemas quanto os elencados acima?
    Ao andar pela São Paulo atual, por algumas ruas que conheci há décadas - como a Av. São João, por exemplo - não deixo de me tomar por uma profunda tristeza. Observo cenas decadentes, prédios mal conservados, trânsito, barulho e um tanto de sujeira e sebo. Sebo? Sim, na  semana que passou fui a um Sebo, justamente na tal rua que mencionei e comprei um livro. O andar sobre sobre ruínas, já dizia Walter Benjamin, provoca a melancolia. A melancolia vem de um sentimento de nostalgia daquilo que foi e não é mais alcançável. É justamente isso que sinto ao andar em São Paulo, o que meus amigos mais novos não conseguem compreender. Mas ao mesmo tempo, sinto uma enorme esperança quando, ao comprar um livro, num Sebo localizado na Av. São João (Pça. Marechal Deodoro, mais especificamente), vejo que pessoa simples, trabalhadores, apostam numa espécie de modernidade que não é mesma dos grandes investidores, dos grandes especuladores. Marginais, lúmpem, excluídos? Não sei se colhedores das migalhas ou idealistas de mundos possíveis, mas o fato é que ele está ali, naquela posição, vendeu-me um livro, ganhou seu parco dinheirinho e eu economizei um tanto. Juntos, apostamos numa continuidade, uma sociabilidade ainda possível - embora totalmente às "margens" (como se dizia antes na antropologia) da sociedade. Não fiz a compra numa Megastore de Shopping.
    A melancolia não cessou depois dessa pequena experiência. As ruínas estão ao redor. Pego o metrô para voltar para casa.
    Aquela São Paulo continua cada vez mais distante, mas não é apenas pelo tempo passado ou pelo saudosismo presente. Para nós mais velhos, não conseguimos acompanhar o dinamismo da cidade, como os mais novos. Isso é cada vez mais verdadeiro, até um ponto em que até os mais jovens sentirão a dificuldade.
    Bem, por tudo isso, não é possível revelar meu amor por São Paulo. No máximo, uma simpatia; simpatia daquele que mora, trabalha, dorme e tenta se divertir na cidade. Mas a cidade, diga-se, somos nós, não o concreto da Av. Paulista.

    P.S.: nosso problema atual não é "apenas" a falta d'água.

    Fontes: as fontes para este artigo foram apenas as memórias do blogueiro. No entanto, posso indicar o site: http://www.saopauloantiga.com.br/ , para algumas indicações a respeito de urbanização.

    Meu hino a São Paulo:

    São Paulo, São Paulo
    É sempre lindo andar na cidade de São Paulo,de São Paulo
    O clima engana, a vida é grana em São Paulo
    A japonesa loura, a nordestina moura de São Paulo
    Gatinhas punks, um jeito yankee de São Paulo, de São Paulo
    Ah!
    Na grande cidade me realizar
    Morando num BNH.
    Na periferia a fábrica escurece o dia.
    Não vá se incomodar com a fauna urbana de São Paulo, de São Paulo
    Pardais, baratas, ratos na Rota de São Paulo
    E pra você criança muita diversão em São Paulo
    São Paulo...ição
    Tomar um banho no Tietê ou ver TV.
    Ah!
    Na grande cidade me realizar
    Morando num BNH
    Na periferia a fábrica escurece o dia.
    Chora Menino, Freguesia do Ó, Carandiru, Mandaqui, ali
    Vila Sônia, Vila Ema, Vila Alpina, Vila Carrão, Morumbi
    Pari,
    Butantã, Utinga, M'BOI MIRIM, Brás, Brás, Belém
    Bom Retiro, Barra Funda, Ermelino Matarazzo
    Mooca, Penha, Lapa, Sé, Jabaquara, Pirituba, Tucuruvi, Tatuapé
    Pra quebrar a rotina num fim de semana em São Paulo
    Lavar um carro comendo um churro é bom pra burro
    Um ponto de partida pra subir na vida em São Paulo, em São Paulo
    Terraço Itália, Jaraguá, Viaduto do Chá.
    Ah!
    Na grande cidade me realizar morando num BNH
    Na periferia a fábrica escurece o dia
    Na periferia a fábrica escurece o dia



    Apêndice:  Vale do Anhangabaú, antes e depois; o primeiro, em 1927; o segundo nos dias atuais. Note-se que até um certo ponto da modernização, é possível um modelo urbanístico mais humano, ou menos hostil à circulação humana.




    Vale do Anhangabaú, por onde se passava um ribeirão - Antes e depois:
    1.


    2.


    Rua Vinte e Cinco de Março, atual: