No momento em que
escrevo, São Paulo, a cidade, faz aniversário. Chegada essa época do ano,
jornais, rádios, redes sociais e o resto da população, aquela que aparece na
mídia, celebra o momento, declarando o seu "amor a cidade".
Motivos para a
comemoração, certamente os há. Pela minha parca experiência, mas sobretudo
tudo tendo como testemunho os amigos, não há comparação em termos culturais
com outra cidade. Teatro, cinema, gastronomia. E é possível fazer de tudo um
pouco apenas com o dinheiro da condução. Sim, é possível até comer grátis,
embora não frequentemente. Mas é perfeitamente possível ouvir música, ir ao
teatro, às exposições e ao cinema grátis todo final de semana. Sem filas. As
exposições com maior demanda são justamente as que são pagas, ou o circuito
comercial, no cinema 3D, por exemplo. Os parques públicos estão cada vez mais
disputados, mas com esforço é ainda viável fazer caminhadas ou corridas, ou
ainda jogar futebol. O tão combatido "minhocão" fecha aos finais de
semana, permitindo que os cidadãos da região façam sua caminha - uma
compensação ao transtorno do meio de semana.
Mas essa é a cidade
do final de semana.
A cidade real, de
todos os dias, apresenta-se bem diferente. É necessário que eu a descreva?
Alguém está com dúvida de que ela é hostil, agressiva e opressiva? Vou
mencionar alguns pontos, e o leitor - naquele ponto em que cada um é afetado -
imagine o restante:
(numa ordem quase
crescente)
-Metrô, trem e
ônibus;
-Trabalho e horário
de almoço;
-Preço do prato na
alimentação fora de casa;
-Calçamento, para o
pedestre; asfalto das ruas, para os motoristas;
-Barulho - ruído dos carros, ruído das pessoas, ruído
do comércio;
-Trânsito e
pedestres;
-Falta de verde e
aridez;
-Sujeira, lixo e
poluição (bem pior, mas com a tolerância das pessoas bem maior quanto as esses
aspectos - algo que não consigo compreender; sem falar na poluição visual);
-Urbanismo -
disposição das ruas, tanto para o pedestre quanto para o motorista;
-Urbanismo - falta
de espaço;
-Urbanismo -
especulação imobiliária;
-Urbanismo -
estética visual da cidade (a cidade é feia, mesmo sem os cartazes de
propaganda, eliminados pela Lei "cidade limpa", que aliás é um
exemplo de autoritarismo rançoso. Sem os cartazes, a cidade não deixou de ser
feia, pois falta um modelo de urbanismo humanitário);
-Civilidade (todo
mundo se "acotovela");
-Violência - de
todos, não apenas dos criminosos;
Sobre tudo isso, é
possível iniciar profundos debates, arrastados, conflituosos, desgastantes.
Por isso mesmo, a população das grandes cidades parece ter abandonado o debate
público, que ao fim, seria de fato o início da solução para todos os
problemas.
Todas as cidades
grandes estão com os mesmos dilemas, que já vem de décadas. Nova Yorque não
difere nem um pouco de São Paulo nesse aspecto, mas a grande maçã possui suas
vantagens.
Entramos numa fase,
isso posso identificar entre os anos 1980 para cá, numa espécie
turbourbanismo. O crescimento da cidade não se compatibiliza com qualquer
modelo de urbanismo, pois se houvesse um este teria que atuar contra o próprio
crescimento. Então, esse turbourbanismo é irrefreável, caótico, possuidor de
um dinamismo que atropela tudo. Senão, teríamos tantos problemas quanto os
elencados acima?
Ao andar pela São
Paulo atual, por algumas ruas que conheci há décadas - como a Av. São João,
por exemplo - não deixo de me tomar por uma profunda tristeza. Observo cenas
decadentes, prédios mal conservados, trânsito, barulho e um tanto de sujeira e
sebo. Sebo? Sim, na semana que passou
fui a um Sebo, justamente na tal rua que mencionei e comprei um livro. O andar
sobre sobre ruínas, já dizia Walter Benjamin, provoca a melancolia. A
melancolia vem de um sentimento de nostalgia daquilo que foi e não é mais
alcançável. É justamente isso que sinto ao andar em São Paulo, o que meus
amigos mais novos não conseguem compreender. Mas ao mesmo tempo, sinto uma
enorme esperança quando, ao comprar um livro, num Sebo localizado na Av. São
João (Pça. Marechal Deodoro, mais especificamente), vejo que pessoa simples,
trabalhadores, apostam numa espécie de modernidade que não é mesma dos grandes
investidores, dos grandes especuladores. Marginais, lúmpem, excluídos? Não sei
se colhedores das migalhas ou idealistas de mundos possíveis, mas o fato é que
ele está ali, naquela posição, vendeu-me um livro, ganhou seu parco
dinheirinho e eu economizei um tanto. Juntos, apostamos numa continuidade, uma
sociabilidade ainda possível - embora totalmente às "margens" (como
se dizia antes na antropologia) da sociedade. Não fiz a compra numa Megastore
de Shopping.
A melancolia não
cessou depois dessa pequena experiência. As ruínas estão ao redor. Pego o
metrô para voltar para casa.
Aquela São Paulo
continua cada vez mais distante, mas não é apenas pelo tempo passado ou pelo
saudosismo presente. Para nós mais velhos, não conseguimos acompanhar o
dinamismo da cidade, como os mais novos. Isso é cada vez mais verdadeiro, até
um ponto em que até os mais jovens sentirão a dificuldade.
Bem, por tudo isso,
não é possível revelar meu amor por São Paulo. No máximo, uma simpatia;
simpatia daquele que mora, trabalha, dorme e tenta se divertir na cidade. Mas
a cidade, diga-se, somos nós, não o concreto da Av. Paulista.
P.S.: nosso
problema atual não é "apenas" a falta d'água.
Fontes: as fontes
para este artigo foram apenas as memórias do blogueiro. No entanto, posso
indicar o site: http://www.saopauloantiga.com.br/
, para algumas indicações a respeito de urbanização.
Meu hino a São
Paulo:
São Paulo, São Paulo
É
sempre lindo andar na cidade de São Paulo,de São Paulo
O
clima engana, a vida é grana em São Paulo
A
japonesa loura, a nordestina moura de São Paulo
Gatinhas
punks, um jeito yankee de São Paulo, de São Paulo
Ah!
Na
grande cidade me realizar
Morando
num BNH.
Na
periferia a fábrica escurece o dia.
Não
vá se incomodar com a fauna urbana de São Paulo, de São Paulo
Pardais,
baratas, ratos na Rota de São Paulo
E pra
você criança muita diversão em São Paulo
São
Paulo...ição
Tomar
um banho no Tietê ou ver TV.
Ah!
Na
grande cidade me realizar
Morando
num BNH
Na
periferia a fábrica escurece o dia.
Chora
Menino, Freguesia do Ó, Carandiru, Mandaqui, ali
Vila
Sônia, Vila Ema, Vila Alpina, Vila Carrão, Morumbi
Pari,
Butantã,
Utinga, M'BOI MIRIM, Brás, Brás, Belém
Bom
Retiro, Barra Funda, Ermelino Matarazzo
Mooca,
Penha, Lapa, Sé, Jabaquara, Pirituba, Tucuruvi, Tatuapé
Pra
quebrar a rotina num fim de semana em São Paulo
Lavar
um carro comendo um churro é bom pra burro
Um
ponto de partida pra subir na vida em São Paulo, em São Paulo
Terraço
Itália, Jaraguá, Viaduto do Chá.
Ah!
Na
grande cidade me realizar morando num BNH
Na
periferia a fábrica escurece o dia
Na
periferia a fábrica escurece o dia
Apêndice: Vale do Anhangabaú, antes e depois; o
primeiro, em 1927; o segundo nos dias atuais. Note-se que até um certo ponto
da modernização, é possível um modelo urbanístico mais humano, ou menos hostil
à circulação humana.
Vale do Anhangabaú,
por onde se passava um ribeirão - Antes e depois:
1.
2.
Rua Vinte e Cinco
de Março, atual:
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