Postagens mais visitadas

domingo, 16 de outubro de 2022

Rumo à Estação Finlândia. Um livro para ninguém.

 WILSON, Edmund. Rumo à Estação Finlândia: escritores e atores da história. Tradução Paulo Henriques Brito. São Paulo: Companhia das Letras, 1986 (texto de 1940).


Este livro foi editado pela primeira vez em 1986 e atravessou os anos 1990 como uma leitura muito promovida, pois 1989 (queda do muro) e 1991 (fim da URSS) delinearam e formataram a ideologia política centrada no neoliberalismo, cujos tentáculos abraçavam cada vez mais adeptos e esmagavam cada vez mais oposições.

Mas este um texto escrito em 1940, sob a Segunda Guerra. Poderia ser considerado, tranquilamente, um texto datado, velho mesmo e ressentido. Mas, do contrário, serviu como uma peça de promoção para "desconstruir" o socialismo.

 

Capítulo a capítulo, desde a Revolução Francesa, analisando Michelet, Renan, Taine e Anatole France, Wilson tenta demonstrar o declínio da tradição revolucionária burguesa. E da Revolução em geral, como se verá.

 

Entra o socialismo, cuja origem ele remete a Saint-Simon, que o descreve como um "extravagante", entre outras qualidades. As descrições de Wilson, sobre os autores segue, desde o início, esse estilo de mostrar um aspecto para "além" da persona do escritor, ingressando com alguns elementos da vida privada de cada um. Ou uma descrição de personalidade. Como de perto "ninguém é normal", já dizia um outro escritor, o resultado é que as ideias dos teóricos expostas  pelo autor do livro ficam contaminadas. Wilson escreve bem e sua narrativa é muito sutil. Mas em algum momento esse tipo de narrativa leva um escorregão. E podemos nos aperceber desse momento no capítulo intitulado "O mito da dialética". Neste, o tombo é feio. Colocando o termo dialética entre aspas ("dialética") Wilson se propõe a desconstruir o método. E para seu fracasso ele remete à dialética de Hegel. Faz uma pequena exposição, pobre, por meio de um clichê filosófico que não se menciona nem em um botequim: a tríade "tese, antítese e síntese". Quem estudou um pouco da Fenomenologia do Espírito, sabe que não encontrará estes termos, nem aos menos correlatos, pois é um pouco mais complexa a coisa do que a exposta por Wilson.

 

"... a síntese é sempre um avanço em relação à tese, pois ela combina, numa unificação mais 'elevada', o que há de melhor na tese e na antítese." (p.173)

 

Pronto. Tudo resumido em dois parágrafos. E continuando o raciocínio, o autor afirma que Marx e Engels adotaram esse princípio e projetaram sua "atuação no futuro" (p.174). Na sua conclusão, Marx e Engels não avançaram mais que os socialistas utópicos!

 

As análises vão avançando até chegar em Lenin. O esquema de Wilson continua o mesmo, mas a tinta que pinta Lenin é mais forte, mais destruidora.

 

Mas o penúltimo capítulo, "Lenin na Estação Finlândia", acaba por trair as intenções do autor. É o momento em que Lenin retorna do exílio, via Finlândia, por meio de trem. Na Estação Finlândia faz seu discurso, exaltando e promovendo a Revolução. Lenin deu uma lição prática neste discurso, que ao contrário dos colegas, que entendiam que as "condições objetivas ainda não estavam satisfeitas", denuncia a Guerra contra a Alemanha, clamando pela saída da Rússia do conflito. Era preciso fazer a Revolução já. A simples exposição deste acontecimento diminui Wilson e Lenin termina gigante ao final do capítulo.

 

Este seria o último da edição original. Há um adendo nomeado "Resumo: a situação em 1940", que segundo consta na nota de rodapé foi retirado de uma publicação de 1952. Já começa assim:

 

"Relativamente falando, o marxismo está em eclipse." (p. 444)

 

Qual o erro fundamental? Para Wilson:

 

"Marx e Engels, cuja formação ocorreu na Alemanha autoritária, tendiam a imaginar o socialismo em termos autoritários; e Lenin e Trotski, obrigados a partir de um povo que jamais conhecera outro regime que não a autocracia, também enfatizaram este aspecto do socialismo e fundaram uma ditadura que se autoperpetuou como autocracia." (p. 452)

 

Nada mais simplista e mecanicista que esta análise final, sem muita relação com a exposição toda. Mas estaria tudo perdido? Segundo Wilson:

 

"...resta algo mais importante que é comum a todos os grandes marxistas: o desejo de abolir os privilégios de classe baseados no berço e nas diferenças de renda; a vontade de estabelecer uma sociedade em que o desenvolvimento superior de alguns não seja custeado pela exploração... Para realizarmos essa tarefa, precisaremos exercitar ao mesmo tempo... nossa razão e nosso instinto." (p. 452)

 

Há um apêndice neste livro que na verdade foi um prefácio à edição de 1971. Mais tintas escuras sobre a figura de Lenin. Mas como eu já disse, há certas figuras históricas que não diminuem, mesmo que o autor se esforce muito. Como nesta passagem:

 

"De fato, a atitude de Lenin para com as pessoas caracterizava-se pela frieza, o desprezo, e a crueldade." (p.456)

 

Bom, conclusão baseada em depoimentos de contemporâneos, interpretados por Wilson. Diga-se.

 

Vale a pena ler este livro? Se como objeto de estudo de peça publicitária contra o socialismo nos anos 1990, sim. E até que dá para extrair alguma história disso tudo. Basta separar os momentos de verdade do resto, das opiniões, preconceitos e algumas falácias do autor. Fora disso, esqueça. Há muita coisa boa para se ler por aí.

 

Em tempo: Wilson foi jornalista e escritor de romances e peças de teatro. Talvez mais famoso como crítico literário, ao seu tempo. Impulsionou J.S. Fitzgerald e E. Hemingway.

Nenhum comentário: