WILSON, Edmund. Rumo à Estação Finlândia: escritores e atores da história. Tradução Paulo Henriques Brito. São Paulo: Companhia das Letras, 1986 (texto de 1940).
Este livro foi
editado pela primeira vez em 1986 e atravessou os anos 1990 como uma leitura
muito promovida, pois 1989 (queda do muro) e 1991 (fim da URSS) delinearam e
formataram a ideologia política centrada no neoliberalismo, cujos tentáculos
abraçavam cada vez mais adeptos e esmagavam cada vez mais oposições.
Mas este um texto
escrito em 1940, sob a Segunda Guerra. Poderia ser considerado, tranquilamente,
um texto datado, velho mesmo e ressentido. Mas, do contrário, serviu como uma
peça de promoção para "desconstruir" o socialismo.
Capítulo a
capítulo, desde a Revolução Francesa, analisando Michelet, Renan, Taine e
Anatole France, Wilson tenta demonstrar o declínio da tradição revolucionária
burguesa. E da Revolução em geral, como se verá.
Entra o socialismo,
cuja origem ele remete a Saint-Simon, que o descreve como um
"extravagante", entre outras qualidades. As descrições de Wilson,
sobre os autores segue, desde o início, esse estilo de mostrar um aspecto para "além"
da persona do escritor, ingressando com alguns elementos da vida privada de
cada um. Ou uma descrição de personalidade. Como de perto "ninguém é
normal", já dizia um outro escritor, o resultado é que as ideias dos
teóricos expostas pelo autor do livro
ficam contaminadas. Wilson escreve bem e sua narrativa é muito sutil. Mas em
algum momento esse tipo de narrativa leva um escorregão. E podemos nos
aperceber desse momento no capítulo intitulado "O mito da dialética". Neste, o tombo é feio. Colocando o
termo dialética entre aspas ("dialética") Wilson se propõe a
desconstruir o método. E para seu fracasso ele remete à dialética de Hegel. Faz
uma pequena exposição, pobre, por meio de um clichê filosófico que não se
menciona nem em um botequim: a tríade "tese, antítese e síntese".
Quem estudou um pouco da Fenomenologia do Espírito, sabe que não
encontrará estes termos, nem aos menos correlatos, pois é um pouco mais
complexa a coisa do que a exposta por Wilson.
"... a síntese é sempre um avanço em
relação à tese, pois ela combina, numa unificação mais 'elevada', o que há de
melhor na tese e na antítese." (p.173)
Pronto. Tudo
resumido em dois parágrafos. E continuando o raciocínio, o autor afirma que
Marx e Engels adotaram esse princípio e projetaram sua "atuação no
futuro" (p.174). Na sua conclusão, Marx e Engels não avançaram mais que os
socialistas utópicos!
As análises vão
avançando até chegar em Lenin. O esquema de Wilson continua o mesmo, mas a
tinta que pinta Lenin é mais forte, mais destruidora.
Mas o penúltimo
capítulo, "Lenin na Estação Finlândia", acaba por trair as intenções
do autor. É o momento em que Lenin retorna do exílio, via Finlândia, por meio
de trem. Na Estação Finlândia faz seu discurso, exaltando e promovendo a
Revolução. Lenin deu uma lição prática neste discurso, que ao contrário dos
colegas, que entendiam que as "condições objetivas ainda não estavam
satisfeitas", denuncia a Guerra contra a Alemanha, clamando pela saída da
Rússia do conflito. Era preciso fazer a Revolução já. A simples exposição deste
acontecimento diminui Wilson e Lenin termina gigante ao final do capítulo.
Este seria o último
da edição original. Há um adendo nomeado "Resumo: a situação em
1940", que segundo consta na nota de rodapé foi retirado de uma
publicação de 1952. Já começa assim:
"Relativamente falando, o marxismo
está em eclipse." (p. 444)
Qual o erro
fundamental? Para Wilson:
"Marx e Engels, cuja formação ocorreu
na Alemanha autoritária, tendiam a imaginar o socialismo em termos
autoritários; e Lenin e Trotski, obrigados a partir de um povo que jamais
conhecera outro regime que não a autocracia, também enfatizaram este aspecto do
socialismo e fundaram uma ditadura que se autoperpetuou como autocracia." (p. 452)
Nada mais simplista
e mecanicista que esta análise final, sem muita relação com a exposição toda.
Mas estaria tudo perdido? Segundo Wilson:
"...resta algo mais importante que é
comum a todos os grandes marxistas: o desejo de abolir os privilégios de classe
baseados no berço e nas diferenças de renda; a vontade de estabelecer uma
sociedade em que o desenvolvimento superior de alguns não seja custeado pela
exploração... Para realizarmos essa tarefa, precisaremos exercitar ao mesmo
tempo... nossa razão e nosso instinto." (p. 452)
Há um apêndice
neste livro que na verdade foi um prefácio à edição de 1971. Mais tintas
escuras sobre a figura de Lenin. Mas como eu já disse, há certas figuras
históricas que não diminuem, mesmo que o autor se esforce muito. Como nesta
passagem:
"De fato, a
atitude de Lenin para com as pessoas caracterizava-se pela frieza, o desprezo,
e a crueldade."
(p.456)
Bom, conclusão
baseada em depoimentos de contemporâneos, interpretados por Wilson. Diga-se.
Vale a pena ler
este livro? Se como objeto de estudo de peça publicitária contra o socialismo
nos anos 1990, sim. E até que dá para extrair alguma história disso tudo. Basta
separar os momentos de verdade do resto, das opiniões, preconceitos e algumas
falácias do autor. Fora disso, esqueça. Há muita coisa boa para se ler por aí.
Em tempo: Wilson
foi jornalista e escritor de romances e peças de teatro. Talvez mais famoso
como crítico literário, ao seu tempo. Impulsionou J.S. Fitzgerald e E.
Hemingway.
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