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domingo, 5 de março de 2017

Só porque é bem feito, não quer dizer que é bom. Crítica do filme Ave, César, 2016, Dir. Joel e Ethan Coen

Só porque é bem feito, não quer dizer que é bom.
Crítica do filme Ave, César. EUA/R.Unido, 2016, Dir. Joel e Ethan Coen



Direção: Joel CoenEthan Coen
Sinopse. Hollywood, anos 1950. Edward Mannix (Josh Brolin) é o responsável por proteger as estrelas do estúdio Capitol Pictures de escândalos e polêmicas e vive um dia intenso quando Baird Whitlock (George Clooney), astro da superprodução Hail, Caesar!, é sequestrado no meio das filmagens por uma organização chamada "Futuro". (retirado de <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-225859/>)

Comentário.
Um filme no mínimo duvidoso dos irmãos diretores. Trata-se de uma crítica à Hollywood? Ou uma apologia? Ou nada disso? Mas é bem curioso como ele apresenta as personagens-tipo em seu filme, sempre no tom irônico que beira o sarcasmo:
-atores: frágeis e suscetíveis, estão sempre precisando de uma ajuda para "brilhar";
-roteiristas: revoltados por se sentirem explorados, são eles que apoiam as ações da célula; estão envolvidos no rapto do ator;
-figurantes: gente que não é conhecida e, portanto, suspeita. Um grupo deles faz o rapto do ator principal de um filme que ainda está sendo filmado;
-críticos de cinema (ou os colunistas de fofocas): ácidos, mal-humorados, sempre à espreita de algo "podre" no reino da fantasia;
-produtor executivo: cuida de tudo, é homem bom; vai confessar-se ao padre; trabalha muito, não tem tempo para a família e mesmo assim é um bom marido; recusa um trabalho mais fácil e mais remunerado porque desconfia que é anti-ético. Ele é o verdadeiro "César", o menos caricato dos personagens.

Uma vez raptado, Whitlock, o ator principal do filme, cai numa "célula comunista" e é seduzido pelas ideias do grupo. Daí pode se imaginar os chavões e frases prontas que, evidentemente, são embaralhadas intencionalmente de modo tal a provocar confusão no público que assiste ao filme de verdade. Claro, a caricatura é para desqualificar. Por um golpe de sorte, o ator é resgato por um outro, que está ascendo no mundo do cinema. Na volta, Mannix, o produtor executivo aplica-lhe uma advertência e uma lição (física mesmo, dando-lhe uns tapas na cara e chamando-o à realidade, ou seja, ao trabalho). O produtor - o homem do dinheiro - não aparece. Mannix é o chamado produtor executivo, um gerente que cuida do estúdio e do andamento dos filmes.
Enfim, qual a mensagem do filme, se há alguma, pois os irmãos Coen gostam de passar a impressão de que não querem dizer nada? Hollywood é uma fábrica de sonhos, ninguém é explorado ali porque todos fazem, afinal, o que gostam de fazer. E a vida é assim, cada um no seu trabalho.
Simples demais, até mesmo para os irmãos Coen, que gostam de fazer filmes brincando com a teoria do caos.Há filmes bem melhores e mais complexos, mesmo produzidos em Hollywood (!), que tratam interessantemente o tema. Qual? Para ficar num antigo: o maravilhoso "Crepúsculo dos Deuses" (Billy Wilder, 1950), por exemplo. "Ah, mas os irmãos Coen fizeram apenas uma comédia". Então no mesmo enredo há o incomparável "Dançando na Chuva" (Stanley Donen, 1952) - uma crítica ácida, cheia de ironia fina e muito bem escrita sobre Hollywood, que é sim, uma indústria.

O que salva no filme. George Cloney. Faz perfeitamente o papel de ator ingênuo, suscetível na vida real, mas que na tela dos filmes aparece como corajoso, firme. Outra coisa que se salva no filme é a qualidade técnica da reprodução de cenas dos filmes antigos.
O que é falso. É apresentar tudo assim de modo tão caricato. Houve muitas revoltas de roteiristas em Hollywood, como sabemos (a última foi em 2007, organizada pelo sindicato, a WGA. Fonte: Wikipédia). Há motivo? Sim. Quem ler a biografia de Scott Fitzgerald sabe do que estamos falando (Meyers, Jeffrey -  Scott Fitzgerald, uma biografia). Precisando de dinheiro, Fitzgerald foi trabalhar como roteirista em Hollywood, recebendo uma remuneração baixa por semana, mas não era só isso que o atormentava mais. O que incomodava era o modo de trabalho a que era submetido: como numa linha de produção, os roteiros eram produzidos numa sala juntamente com outras dezenas de roteiristas, com horários fixos a cumprir. Os textos não eram necessariamente aproveitados, mas submetidos a uma seleção posterior. Ou seja, produção era em série, como em esteiras de fábricas fordistas.
Esse cinema um tanto cínico, sarcástico e de algum modo debochado está se tornando comum em Hollywood - não só, mas no cinema americano em geral. Fazer prevalecer o que há de pior no ser humano, sem maior aprofundamento ou complexidade, está se tornando típico de diretores  como os irmãos Coen e Tarantino, por exemplo. E sinto dizer, até mesmo diretores como Iñárritu, mas para isso há uma outra crítica que ainda estou para escrever. Sinceramente, sinto falta de diretores como Vincent Minelli, Victor Fleming, Otto Preminger e outros, só para ficar numa lista em que se produziu cinema comercial, mas de boa qualidade.  
O filme dos irmãos Coen finaliza por não conter uma ironia fina e de reflexão, a despeito de querer ser pretensamente sutil. Não é realista. É cômico, mas com humor sarcástico e debochador. Quer vender uma realidade exagerada na forma e fraca no conteúdo. O filme dos Coen não faz jus aos filmes da época que retratou. Nem um pouco.


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