“Os maus, sem dúvida, entenderam alguma coisa que os bons ignoram.”
Woody Allen
É assim que Da Empoli abre as páginas de seu pequeno livro. Vamos entender porque.
A verdade aparente e o Carnaval na política.
Um novo modelo de fazer política está se impondo, segundo Da
Empoli. Um modelo onde o discurso da verdade pouco importa — o que importa é no
que o público acredita ou possa estar acreditando, desde que isso aparente a
verdade. Se no discurso não importa mais a verdade, sendo que os fatos possam
ser produzidos para que se acredite em algo, o espaço público, por sua vez,
torna-se um grande Carnaval. O Carnaval populista, de acordo com Da Empoli.
Agora, o político deverá se apresentar antipolítico, antissistema — a ordem é
"acabar com a velha política", vendida e vista pelos eleitores
cidadãos como corrupta e venal. Uma verdadeira batalha cultural é empreendida.
E mais:
"Se,
nos anos 1960, os gestos de provocação dos manifestantes visavam sobretudo
atingir a moral comum e quebrar os tabus de uma sociedade conservadora, hoje os
nacional-populistas adotam um estilo transgressor em sentido oposto: quebrar os
códigos das esquerdas e do politicamente correto tornou-se a regra número 1 de
sua comunicação." (Introdução)
Os novos meios e técnicas.
Mas sobretudo, há novos meios de se atingir o eleitor médio:
as fábricas de fake news: softwares cujos algoritmos que — trabalhando sob uma
base de dados imensa (big data), coletada na própria rede — operam para mudar a
opinião e produzir uma reação no público alvo: pode ser com relação a um
produto novo no mercado ou a eleição presidencial.
As ferramentas de software são inúmeras, cada novidade possui
seu próprio algoritmo e é feita sob encomenda para uma determinada finalidade,
envolvendo um perfil psicológico próprio, conforme os objetivos a serem
atingidos.
O que Trump, Bolsonaro, Salvini e Johnson têm em comum? A
assessoria de Steve Bannon, por meio de sua empresa, a Cambridge Analytica.
Ligada a esta estão outras empresas, tal como a AggregateIQ, canadense, que
trabalha com big data. À frente estão os novos agentes dessa revolução: os spin
doctors, consultores e desenvolvedores de soluções para os nossos políticos —
soluções que integram um pacote que envolve não só prospecção e marketing, mas
também técnicas de modificação de comportamento, seja de consumidores, seja de
eleitores. Estes são os engenheiros do caos.
Os principais clientes.
Os principais clientes nesse Carnaval são os políticos
nacional-populistas, segundo a conceituação de Da Empoli. Políticos de
extrema-direita, antes desacreditados na política tradicional, apresentando-se
como antissistema e "oferecendo" sua experiência técnica, gestora.
Que não se pense que é apenas uma onda, afirma. A política foi transformada e
nunca mais, pelos rumos que vai tomando, vai ser vista e feita da mesma forma.
O nacional-populismo explora o ódio, o ressentimento, a loucura conspiratória,
a polarização, entre outros sentimentos e atitudes negativos. Há uma base
psicológica para eles, mas os algoritmos o elevam ao máximo. Na base do ódio
estão os trolls, que podem ser robôs (agentes automáticos) ou usuários humanos,
que trabalham disseminando a discórdia, a fúria e o caos nas redes sociais, com
base local ou em outro país, aleatoriamente ou com estratégias definidas pelos
spin doctors.
A Itália, diz Da Empoli, foi o principal laboratório desse
novo modelo de fazer política (e de ganhar nela também), tendo seu início nos
anos 2000. Movimentos de direita como o 5S (5 estrelas) e Liga Norte, só vêm
crescendo em razão disso. E o sucesso é cada vez mais amplo, como demonstra
fato ocorrido na Inglaterra, o Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia).
Dominic Cummings, comandou uma equipe na campanha do Brexit.
Steve Bannon, principal assessor de Trump nesta área,
ajudou-o na eleição.
Arthur Finkelstein, um judeu homossexual de Nova York que se
tornou o mais eficaz conselheiro de Viktor Orban, na Hungria, mas já tendo
assessorado antes Bush, Netanyahu e o próprio Trump.
Gianroberto Casaleggio, na Itália.
Estes são os engenheiros do caos que verdadeiramente se
instala sobre a Terra.
Comentário.
Alguém já cansou de falar em ódio na política. Esse
movimento que explora o ódio já havia sido mencionado, segundo Da Empoli, pelo
filósofo Peter Sloterdijk:
"Hoje, diz Sloterdijk, ninguém gerencia mais a cólera que os homens acumulam. Nem a religião católica – que teve de abandonar os tons apocalípticos, o juízo universal e a revanche dos humilhados no “outro mundo” para se adaptar à modernidade –, nem a esquerda – que, em geral, reconciliou-se com os princípios da democracia liberal e as regras do mercado. Por isso, desde o início do século XXI, a cólera passou a se expressar de maneira cada vez mais desorganizada, dos movimentos anti-globalização às revoltas dos subúrbios" (Cap. III)
Com qual objetivo é que se tornando mais ou menos claro à medida que os fatos vão se sucedendo: radicalização à direita e afastamento das esquerdas do jogo político. Obviamente que o neoliberalismo, aspecto não explorado por Da Empoli neste livro, toma seu assento neste caos. Pauperização, uberização (proletarização extrema), endividamento das pessoas e do Estado, desrregulamentação total da economia, violência (inclusive policial), são umas das consequências decorrentes desse caos. Em meio à bagunça, à "balbúrdia", à desordem econômica e política, uma coisa é certa que se mantém na ordem: o capital.
Os engenheiros do caos, os spin doctors, não são
necessariamente donos das empresas de dados, tal como Bannon, mas podem ser
associados ou ainda meros contratantes. O que interessa é a nova visão e estratégia política envolvida, onde o
novo marketing é fundamental.
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