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sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Os Engenheiros do Caos, Giuliano Da Empoli. Ou: Como a engenharia da mentira está produzindo o caos na sua vida.

“Os maus, sem dúvida, entenderam alguma coisa que os bons ignoram.”

Woody Allen

É assim que Da Empoli abre as páginas de seu pequeno livro. Vamos entender porque.


A verdade aparente e o Carnaval na política.

Um novo modelo de fazer política está se impondo, segundo Da Empoli. Um modelo onde o discurso da verdade pouco importa — o que importa é no que o público acredita ou possa estar acreditando, desde que isso aparente a verdade. Se no discurso não importa mais a verdade, sendo que os fatos possam ser produzidos para que se acredite em algo, o espaço público, por sua vez, torna-se um grande Carnaval. O Carnaval populista, de acordo com Da Empoli. Agora, o político deverá se apresentar antipolítico, antissistema — a ordem é "acabar com a velha política", vendida e vista pelos eleitores cidadãos como corrupta e venal. Uma verdadeira batalha cultural é empreendida. E mais:

 

                "Se, nos anos 1960, os gestos de provocação dos manifestantes visavam sobretudo atingir a moral comum e quebrar os tabus de uma sociedade conservadora, hoje os nacional-populistas adotam um estilo transgressor em sentido oposto: quebrar os códigos das esquerdas e do politicamente correto tornou-se a regra número 1 de sua comunicação." (Introdução)

 

Os novos meios e técnicas.

Mas sobretudo, há novos meios de se atingir o eleitor médio: as fábricas de fake news: softwares cujos algoritmos que — trabalhando sob uma base de dados imensa (big data), coletada na própria rede — operam para mudar a opinião e produzir uma reação no público alvo: pode ser com relação a um produto novo no mercado ou a eleição presidencial.

As ferramentas de software são inúmeras, cada novidade possui seu próprio algoritmo e é feita sob encomenda para uma determinada finalidade, envolvendo um perfil psicológico próprio, conforme os objetivos a serem atingidos.

O que Trump, Bolsonaro, Salvini e Johnson têm em comum? A assessoria de Steve Bannon, por meio de sua empresa, a Cambridge Analytica. Ligada a esta estão outras empresas, tal como a AggregateIQ, canadense, que trabalha com big data. À frente estão os novos agentes dessa revolução: os spin doctors, consultores e desenvolvedores de soluções para os nossos políticos — soluções que integram um pacote que envolve não só prospecção e marketing, mas também técnicas de modificação de comportamento, seja de consumidores, seja de eleitores. Estes são os engenheiros do caos. 

 

Os principais clientes.

Os principais clientes nesse Carnaval são os políticos nacional-populistas, segundo a conceituação de Da Empoli. Políticos de extrema-direita, antes desacreditados na política tradicional, apresentando-se como antissistema e "oferecendo" sua experiência técnica, gestora. Que não se pense que é apenas uma onda, afirma. A política foi transformada e nunca mais, pelos rumos que vai tomando, vai ser vista e feita da mesma forma. O nacional-populismo explora o ódio, o ressentimento, a loucura conspiratória, a polarização, entre outros sentimentos e atitudes negativos. Há uma base psicológica para eles, mas os algoritmos o elevam ao máximo. Na base do ódio estão os trolls, que podem ser robôs (agentes automáticos) ou usuários humanos, que trabalham disseminando a discórdia, a fúria e o caos nas redes sociais, com base local ou em outro país, aleatoriamente ou com estratégias definidas pelos spin doctors.

A Itália, diz Da Empoli, foi o principal laboratório desse novo modelo de fazer política (e de ganhar nela também), tendo seu início nos anos 2000. Movimentos de direita como o 5S (5 estrelas) e Liga Norte, só vêm crescendo em razão disso. E o sucesso é cada vez mais amplo, como demonstra fato ocorrido na Inglaterra, o Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia).

Dominic Cummings, comandou uma equipe na campanha do Brexit.

Steve Bannon, principal assessor de Trump nesta área, ajudou-o na eleição.

Arthur Finkelstein, um judeu homossexual de Nova York que se tornou o mais eficaz conselheiro de Viktor Orban, na Hungria, mas já tendo assessorado antes Bush, Netanyahu e o próprio Trump. 

Gianroberto Casaleggio, na Itália.

Estes são os engenheiros do caos que verdadeiramente se instala sobre a Terra.

 

Comentário.

Alguém já cansou de falar em ódio na política. Esse movimento que explora o ódio já havia sido mencionado, segundo Da Empoli, pelo filósofo Peter Sloterdijk:

                "Hoje, diz Sloterdijk, ninguém gerencia mais a cólera que os homens acumulam. Nem a religião católica – que teve de abandonar os tons apocalípticos, o juízo universal e a revanche dos humilhados no “outro mundo” para se adaptar à modernidade –, nem a esquerda – que, em geral, reconciliou-se com os princípios da democracia liberal e as regras do mercado. Por isso, desde o início do século XXI, a cólera passou a se expressar de maneira cada vez mais desorganizada, dos movimentos anti-globalização às revoltas dos subúrbios" (Cap. III)

Com qual objetivo é que se tornando mais ou menos claro à medida que os fatos vão se sucedendo: radicalização à direita e afastamento das esquerdas do jogo político. Obviamente que o neoliberalismo, aspecto não explorado por Da Empoli neste livro, toma seu assento neste caos. Pauperização, uberização (proletarização extrema), endividamento das pessoas e do Estado, desrregulamentação total da economia, violência (inclusive policial), são umas das consequências decorrentes desse caos. Em meio à bagunça, à "balbúrdia", à desordem econômica e política, uma coisa é certa que se mantém na ordem: o capital. 

Os engenheiros do caos, os spin doctors, não são necessariamente donos das empresas de dados, tal como Bannon, mas podem ser associados ou ainda meros contratantes. O que interessa é a nova  visão e estratégia política envolvida, onde o novo marketing é fundamental.

 Então há uma convergência interessante: as redes sociais, Facebook (mais Whatsapp), Youtube e Twitter; políticos de extrema direita (e muitos de direita); bilionários (como Bannon) com dinheiro e vontade de financiar estes políticos e impulsionar o ódio nas redes; por fim os engenheiros do caos, roteiristas aglutinadores dos atores da bagunça. A receita fica completa com estes ingredientes: ódio à esquerda, ao discurso do politicamente correto, das pautas identitárias, da política tradicional, aos impostos, às políticas sociais, ao Estado... e por aí vai. Interessante: por que ninguém fala em ódio à guerra e aos banqueiros? Há um trabalho muito bem sucedido nessa espiral do silêncio.

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