Acabei de rever o
jogo da final da Copa do Mundo de 58: Brasil 5 x 2 Suécia. Bem disputado, com
os times ocupando todo o espaço do campo, alta velocidade. O Brasil se destacou
nesta Copa pela sua defesa, pois no ataque quem mandava era a França, com Just
Fontaine à frente, fazendo inúmeros e belos gols.
O Brasil já tinha
aquele toque de bola maravilhoso, mas que ainda se revelaria mais afinado nas
Copas seguintes. No entanto, pode-se dizer que nesta Copa de 58 o Brasil teve
seu melhor: organização tática impecável, excelente defesa e meio campo bem
entrosado com o ataque, além do alto nível técnico de todos os jogadores.
Quem assistir aos
jogos desta Copa, como por exemplo os da França e da Alemanha, perceberá também
o alto nível que o futebol apresentava como um todo. E tratava-se já de uma
época de muita dificuldade para a prática, com os espaços no campo totalmente
preenchidos e alta velocidade, possibilitando incríveis contra-ataques, como
hoje. Vendo estes jogos, com a imagens
de época, podemos ter a ilusão de alguma
relativa facilidade para jogar. Ilusão, repito, pois as dimensões do campo não
mudaram em nada, bem como as regras que quase não mudaram e a bola, que apenas
melhorou em termos qualitativos. Podemos comparar quaisquer destes jogos com os
atuais e observaremos que, guardadas as devidas proporções, as dificuldades são
as mesmas.
Não estou dizendo
que o futebol piorou ou melhorou. Isso depende do momento. Há épocas muito boas
tecnicamente e outras sofríveis, sem criatividade, sem nenhuma empolgação no
meio jogo, esperando-se apenas que o placar seja favorável no final.
O bom futebol hoje
está na Europa. Pelo menos há uma década, alguns clubes reinventaram formas de
jogar, abandonando antigos modelos de marcação - retranca, para ser claro. Um
destes times é o Barcelona, claro. Resultado de décadas de investimento de jogadores
na base, o time é fruto de diversas filosofias futebolísticas, sendo uma delas
a holandesa. Brasil? Sim, mas uma
inspiração mais distante, na qual o toque de bola e jogadas ensaiadas estão presentes. Futebol ofensivo,
baseado no 4-3-3, é tônica que põe fim a um longo período de retrancados times
vencedores.
Ocorre que futebol,
bem como o xadrez, evolui segundo paradigmas. Sendo um pouco grosseiro, podemos
simplificar assim: paradigmas baseados em defesa e paradigmas de ataque. No
xadrez, após um longo período em que Karpov reinou absoluto, pensava-se que o estilo
agressivo, baseado no ataque à moda Bob Fisher, tinha encontrado seu fim.
Restava apenas calcular uma boa tática, selecionando pontos onde se acentuavam
as defesas. Na verdade os enxadristas estão voltados para este paradigma. Não
era o jogo, em si, que havia mostrado todas as suas possibilidades de cálculo,
mas os jogadores que assim se empenhavam segundo um paradigma que para todos
parecia ser verdade.
O futebol pós 82,
ano da grande derrota da seleção brasileira na Copa, também ofereceu seu paradigma: mudou-se a
mentalidade ofensiva e os times, com raras exceções, tornaram-se cada vez mais
especialistas em defesas e retrancas. O gol tornou-se um detalhe, a ser
explorado no "cochilo" do adversário. Ganhar com apenas um tento
tornou-se a coisa mais banal. O espetáculo futebolístico deixou a desejar,
apesar do mundo oferecer grandes atacantes. Uma pena é que estes eram
simplesmente uma peça de uma engrenagem que funcionava para travar, não para
desenvolver.
O jogo de Karpov não
era exatamente um jogo feio, na mesma medida e proporção que alguns clubes de
futebol retranqueiros ofereceram sua encenação lúdica. Encontramos no
repertório do velho mestre enxadrista muitas partidas interessantes. Mas quando
este se deparou com outro enxadrista chamado Kasparov, a coisa mudou. E
Kasparov mostrou ao mundo do xadrez que o paradigma agora era outro: o do
ataque. Kasparov chegou a ser praticamente imbatível, com lances nunca antes
contemplados, quando todos pensavam ter chegado ao conhecimento total do
xadrez. Nos confrontos de mundiais
contra Karpov nunca perdeu.
Assim, penso que com
o futebol é o mesmo. Os paradigmas se impõem e se sucedem conforme cada
período. Sendo um esporte coletivo, o futebol pode se apresentar, sim, como uma
arte, uma construção, onde cada jogador procura dar a sua pincelada para a
imagem final, que é o gol. No xadrez, embora apenas uma pessoa joga, as peças
operam coletivamente para o xeque-mate. E isso também é uma construção que pode
ser feita com arte.
Não estou querendo
dizer que sou totalmente a favor do jogo ofensivo. Este pode resvalar em
monotonia, às vezes. Por outro lado, defender-se pode se constituir numa arte
também, mas desde que colabore para o grande espetáculo, sem tomar toda a
atenção ou roubar a cena do lúdico. É o que fez aquela grande seleção de 1958 e
também por isso acredito que seja a melhor
das seleções campeãs.
P.S. Leio um artigo
no "O Estado de São Paulo" neste dia 30/12/12, de José Miguel Wisnik,
a respeito do futebol brasileiro, que reflete em muito o que escrevi acima.
Recomendo que leiam.
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