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domingo, 23 de setembro de 2012


Casa de Bonecas
IBSEN, Henrik. Trad. Gabor  Aranyi. São Paulo, Ed. Veredas, 2007 (1879).

Trata-se de uma peça de 1879, e as formas do realismo eram então vigentes. E uma das críticas mais incisivas e pertinentes deste movimento é ao moralismo burguês, que tenta acima de tudo manter as aparências.

História e enredo.
Para um estudo mais detalhado da história em que se desenrola a peça, aconselho a consultar a wikipédia, mas resumidamente é o seguinte:
Uma dona de casa, Nora, tenta manter as economias domésticas em estrito controle ao mesmo tempo que tenta proporcionar conforto à família, sem abrir mão do consumo - especialmente o supérfluo. Ocorre que no início do drama nem o espectador nem o marido, dentro da história, sabem disso. Ao marido, Helmer, Nora se apresenta como uma gastadora, que não consegue se conter, comprando presentes e enfeitando a casa - como no Natal, onde a cena se passa no primeiro Ato. Helmer a trata como uma criança, de modo condescendente. Nora é alegre, cheia de encanto e esperança na vida. O que Helmer não sabe é que Nora contraiu um empréstimo, por mãos de um homem inescrupuloso - Krogstad, um advogado. Este, assim que sabe da notícia de que Helmer passará à direção de um Banco, onde também trabalha, tenta chantagear Nora, com o fim de não apenas manter-se no emprego, mas obter uma posição melhor. O que Helmer também não sabe, e o público vem a saber depois também somente por meio de uma conversa com a Sra. Linde (Cristina) - antiga conhecida de Nora - é que o empréstimo contraído tinha por finalidade uma viagem, empreendida por ambos, marido e mulher, anteriormente, a fim de que Helmer se restabelecesse de uma doença que o consumia. Enfim, a mulher salva o marido, não menciona a fonte do dinheiro, aliás, menciona falsamente: diz que a quantia veio do pai. Na realidade este não tinha o dinheiro e estava à beira da morte. O pai de Nora teria servido como aval do empréstimo contraído com o advogado, mas morre antes de assinar a promissória. Nora falsifica a assinatura e obtém o empréstimo, mas Krogstad sabe disso. Não diz nada a Nora, até aquele momento, chantageando-a de modo oportuno. Nora mantém-se confiante de que o marido irá compreender tudo - é a espera do "maior dos milagres". A Sra. Linde tenta interferir, pois é conhecida de Krogstad, com o qual poderia ter tido um relacionamento no passado. Krogstad gostou dela antes, mas não chegaram a ficar juntos. Agora tem a oportunidade. Linde convence-o a não revelar nada a Helmer, o que teria feito por uma carta escrita, dirigida ao marido. O advogado aceita, mas Linde muda de ideia na última hora e decide que Helmer deveria saber de toda a história, para o bem de Nora. De fato, por meio de um desenrolar cheio de tensão aos espectadores, Helmer fica sabendo de tudo, pois lê a carta que lhe era dirigida. Aqui é que começa a chave para se entender o enredo da história. Nora espera um "milagre": que o marido entenda tudo e fique agradecido, acima de tudo, ao relacionar o empréstimo com a viagem, a saúde restabelecida e a retomada da vida normal. Mas Helmer, também ele um advogado, só se concentra no deslize de Nora, a assinatura falsificada, entendendo isso como uma grande falha moral e não atentando para o outro lado, o gesto nobre de salvar a saúde do próprio marido. Pior ainda é a proposta de manter as aparências, o casamento ao olhar dos outros. Toma essa decisão após conhecer o conteúdo de uma segunda carta de Krogstad, informando que desistiu da chantagem e devolvendo a promissória. Até então Nora se mantém impassível e fria, ouvindo tudo. Após isso e toda a censura que teve que ouvir, acrescida à proposta do marido de manter as aparências, decide sair daquela casa de bonecas. Era assim que sentia tratada.
Nora toma uma decisão corajosa: não aceita a proposta do marido de continuar assim e apenas manter as aparências, visto que não entende nada acerca dos sentimentos que a envolve e que justificaram aqueles atos. Helmer atenta apenas para o lado moral da desobediência à lei - falsificar uma assinatura é crime, não importa se há justificativa ou motivo nobre. Nora só olha para o ato legítimo, para a relação entre as pessoas, não para a fria letra da lei.
A peça de Ibsen é um verdadeiro libelo contra esse moralismo jurídico que já tomava conta das relações sociais nas sociedades modernas. Não por acaso gerou muita polêmica onde foi encenada. O desfecho, em termos de enredo de acordo com o drama, não poderia ser outro senão a ausência de qualquer conciliação, haja vista a firmeza com que ambos os personagens defendem seus pontos de vista, embora ao final Helmer se sinta confuso e interrogativo. Talvez haja uma ponta de esperança no "maior dos milagres".
O único "regenerado" é Krogstad, que parece abandonar sua índole egoísta ao reencontrar seu antigo amor - a Sra. Linde. Esta também encontra um motivo para viver - "cuidar" de Krogstad, posto que morreram seu marido e sua mãe, não tendo mais ninguém a quem se ligar.

A narrativa.
Trata-se de uma descrição que vai se adensando; o ar leve e os diálogos suaves vão sendo substituídos por uma atmosfera mais pesada à medida que os personagens vão revelando seus atos e seus motivos. Uma parte do desenvolvimento, com relação à carta, envolve também grande tensão para o público.
Não posso dizer nada a respeito da encenação da peça, pois nunca assisti a uma representação. Mas se bem encenada, acredito que ela possa causar uma forte impressão interior. 

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