Casa de Bonecas
IBSEN, Henrik. Trad. Gabor Aranyi. São Paulo, Ed. Veredas, 2007 (1879).
IBSEN, Henrik. Trad. Gabor Aranyi. São Paulo, Ed. Veredas, 2007 (1879).
Trata-se de uma peça
de 1879, e as formas do realismo eram então vigentes. E uma das críticas mais
incisivas e pertinentes deste movimento é ao moralismo burguês, que
tenta acima de tudo manter as aparências.
História
e enredo.
Para um estudo mais
detalhado da história em que se desenrola a peça, aconselho a consultar a
wikipédia, mas resumidamente é o seguinte:
Uma dona de casa,
Nora, tenta manter as economias domésticas em estrito controle ao mesmo tempo
que tenta proporcionar conforto à família, sem abrir mão do consumo -
especialmente o supérfluo. Ocorre que no início do drama nem o espectador nem o
marido, dentro da história, sabem disso. Ao marido, Helmer, Nora se apresenta
como uma gastadora, que não consegue se conter, comprando presentes e
enfeitando a casa - como no Natal, onde a cena se passa no primeiro Ato. Helmer
a trata como uma criança, de modo condescendente. Nora é alegre, cheia de
encanto e esperança na vida. O que Helmer não sabe é que Nora contraiu um
empréstimo, por mãos de um homem inescrupuloso - Krogstad, um advogado. Este,
assim que sabe da notícia de que Helmer passará à direção de um Banco, onde
também trabalha, tenta chantagear Nora, com o fim de não apenas manter-se no
emprego, mas obter uma posição melhor. O que Helmer também não sabe, e o
público vem a saber depois também somente por meio de uma conversa com a Sra.
Linde (Cristina) - antiga conhecida de Nora - é que o empréstimo contraído
tinha por finalidade uma viagem, empreendida por ambos, marido e mulher,
anteriormente, a fim de que Helmer se restabelecesse de uma doença que o
consumia. Enfim, a mulher salva o marido, não menciona a fonte do dinheiro,
aliás, menciona falsamente: diz que a quantia veio do pai. Na realidade este
não tinha o dinheiro e estava à beira da morte. O pai de Nora teria servido
como aval do empréstimo contraído com o advogado, mas morre antes de assinar a
promissória. Nora falsifica a assinatura e obtém o empréstimo, mas Krogstad
sabe disso. Não diz nada a Nora, até aquele momento, chantageando-a de modo
oportuno. Nora mantém-se confiante de que o marido irá compreender tudo - é a
espera do "maior dos milagres". A Sra. Linde tenta interferir, pois é
conhecida de Krogstad, com o qual poderia ter tido um relacionamento no
passado. Krogstad gostou dela antes, mas não chegaram a ficar juntos. Agora tem
a oportunidade. Linde convence-o a não revelar nada a Helmer, o que teria feito
por uma carta escrita, dirigida ao marido. O advogado aceita, mas Linde muda de
ideia na última hora e decide que Helmer deveria saber de toda a história, para
o bem de Nora. De fato, por meio de um desenrolar cheio de tensão aos
espectadores, Helmer fica sabendo de tudo, pois lê a carta que lhe era
dirigida. Aqui é que começa a chave para se entender o enredo da história. Nora
espera um "milagre": que o marido entenda tudo e fique agradecido,
acima de tudo, ao relacionar o empréstimo com a viagem, a saúde restabelecida e
a retomada da vida normal. Mas Helmer, também ele um advogado, só se concentra
no deslize de Nora, a assinatura falsificada, entendendo isso como uma grande
falha moral e não atentando para o outro lado, o gesto nobre de salvar a saúde
do próprio marido. Pior ainda é a proposta de manter as aparências, o casamento
ao olhar dos outros. Toma essa decisão após conhecer o conteúdo de uma segunda
carta de Krogstad, informando que desistiu da chantagem e devolvendo a
promissória. Até então Nora se mantém impassível e fria, ouvindo tudo. Após
isso e toda a censura que teve que ouvir, acrescida à proposta do marido de
manter as aparências, decide sair daquela casa de bonecas. Era assim que sentia
tratada.
Nora toma uma
decisão corajosa: não aceita a proposta do marido de continuar assim e apenas
manter as aparências, visto que não entende nada acerca dos sentimentos que a
envolve e que justificaram aqueles atos. Helmer atenta apenas para o lado moral
da desobediência à lei - falsificar uma assinatura é crime, não importa se há
justificativa ou motivo nobre. Nora só olha para o ato legítimo, para a relação
entre as pessoas, não para a fria letra da lei.
A peça de Ibsen é um
verdadeiro libelo contra esse moralismo jurídico que já tomava conta das
relações sociais nas sociedades modernas. Não por acaso gerou muita polêmica
onde foi encenada. O desfecho, em termos de enredo de acordo com o drama, não
poderia ser outro senão a ausência de qualquer conciliação, haja vista a
firmeza com que ambos os personagens defendem seus pontos de vista, embora ao
final Helmer se sinta confuso e interrogativo. Talvez haja uma ponta de
esperança no "maior dos milagres".
O único
"regenerado" é Krogstad, que parece abandonar sua índole egoísta ao
reencontrar seu antigo amor - a Sra. Linde. Esta também encontra um motivo
para viver - "cuidar" de Krogstad, posto que morreram seu marido e
sua mãe, não tendo mais ninguém a quem se ligar.
A
narrativa.
Trata-se de uma
descrição que vai se adensando; o ar leve e os diálogos suaves vão sendo
substituídos por uma atmosfera mais pesada à medida que os personagens vão
revelando seus atos e seus motivos. Uma parte do desenvolvimento, com relação à
carta, envolve também grande tensão para o público.
Não posso dizer nada
a respeito da encenação da peça, pois nunca assisti a uma representação. Mas se
bem encenada, acredito que ela possa causar uma forte impressão interior.
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