Teoria Quântica. Um guia ilustrado.
McEvoy, J.P. & Oscar Zarate
São Paulo, Leya, 2012.
Amigos, recomendo a leitura deste não tanto pelo didatismo, pois a exposição não é feita de modo muito simples. O autor preferiu uma abordagem sem concessões, colocada numa linha histórica, fazendo com que o leitor consiga apreender a dificuldade de se elaborar uma teoria completa a respeito de qualquer assunto. É divertido. As ilustrações são bem inspiradas e auxiliam na visualização dos problemas. Segue um resumo, para quem quer entender melhor e/ou inspirar-se a adquirir o livro. Ou não.
Teoria
quântica e a física clássica.
A teoria quântica,
em seu acabamento final, continua a desafiar o nosso senso comum e nossas
noções de física, que ainda permanecem no plano do século XVII, ao menos para a
maioria dos mortais - mesmo para aqueles que nunca aprenderam física, pois
estas noções estão impregnadas no discurso cotidiano. E não só nisso: para a
construção de prédios, pontes e estruturas relativamente simples, basta a
física clássica.
Quanta
e energia.
Quando vamos à
estrutura do universo ou à do átomo, tudo muda. É preciso apelar para outras
noções, mais complexas, tal como a da física dos quanta. A origem deste nome se
relaciona a uma "saída matemática", a fim de obter uma equação que
desse conta dos números obtidos com instrumentos de teste (caixa de corpo negro
com uma pequena saída para a radiação), por meio do qual eram observadas as
radiações. A ideia de Max Plank foi justamente "fracionar"
matematicamente os pacotes de energia a fim de poder ajustar o cálculo teórico
aos números obtidos nas observações. Estaríamos aqui um pouco antes do início
do XX e nada se sabia a respeito do átomo, para o qual Rutherford e Bohr iriam
lhe fornecer um modelo. Por conseguinte,
quanta diz respeito a uma fração de
energia; números quânticos estão relacionados à posição das partículas dentro
do átomo; Einstein provou a existência do átomo por meio de um de seus famosos
artigos de 1905. Em outro artigo, estudando a cinética dos elétrons, estabelece
um modelo e uma equação para o efeito fotoelétrico - daí veio a tese dos
fótons. Einstein não admitiu totalmente a quantização da energia de Plank e
queria uma regra muito mais geral - chegaria assim mais tarde à teoria da
relatividade geral. É de se observar que Einstein escreveu seus artigos sem
nenhum contato direto com laboratórios, os quais já havia abandonada há algum
tempo, dado que trabalhava num departamento de patentes na Alemanha.
O
livro.
Este livro aborda,
assim portanto, de maneira não muito simples - diga-se de passagem, a
construção da teoria quântica desde os seus primeiros passos. Equações,
princípios e fórmulas são ilustradas e nos fornecem as informações sobre os
caminhos que tomaram os teóricos até chegarem a formulações mais precisas, tal
como a de Heisenberg. Uma coisa é certa, certíssima: não existem gênios
solitários, que fizeram
"descobertas" maravilhosas. Existem homens geniais, muitos, que
contribuíram com uma pequena ou boa parte para a construção dos paradigmas que
temos hoje. Acredito que se isso é válido para a física, é válido para todo o
resto do conhecimento humano que dependa de investigação. Inclusive, acredito,
nas ciências sociais.
Os
nomes.
Os três nomes mais
diretamente relacionados à teoria quântica - Heisenberg, Schrödinger e Dirac -
não teriam chegado à metade do caminho não fossem contribuições de outros
tantos, tal como o próprio Bohr, Pauli, De Broglie, Plank, Balmer (um simples
professor) e, inclusive, Einstein, entre outros tantos. Não esquecendo mesmo
dos físicos clássicos do século XIX e início do XX
Experiência do Mundo.
Interessante é
concluir, pelo texto apresentado, que todas as experiências nos fornecem um
modelo indireto da Natureza. Seja lá o que isso possa representar ou não. Os
dados das experiências são levados a gráficos e representações, fornecendo
(quando possível) explicações. Esse é o maior mérito do livro, pois o que
geralmente se pensa a respeito de experiências, no senso comum, é que o
cientista está "observando" diretamente os fenômenos da natureza e
extraindo daí suas lições - leis e princípios. Nada mais enganoso. E muitas
vezes não há nem um modelo, nem uma representação, tal como acontece com a
teoria de Heisenberg - totalmente
matemática, chamada de mecânica matricial. Não há uma representação visual,
como o modelo de átomo de Bohr - mestre de Heisenberg - que aprendemos pelos
livros didáticos.
Modelos.
O modelo de Bohr é o
do átomo com elétrons que perfazem uma órbita em torno do "centro
sólido", tal como no sistema solar.
Os elétrons, uma vez excitados, pulam de uma órbita para outra,
desprendendo energia em forma de fótons (luz). Esta é uma tradução bastante
simplificada de seu modelo. Seu discípulo, Heisenberg, a fim de resolver
intrincados problemas relacionados aos campos elétrico e magnético, desenvolveu
um modelo matemático - baseado em matrizes - para resolver tais problemas. O
próprio termo, "mecânica matricial", não era bem quisto por
Heisenberg, mas trata-se certamente de um formalismo puramente matemático,
rejeitando qualquer modelo de visualização.
Enquanto isso,
Schrödinger, na década de 1920, realizava suas experiências adotando um modelo
de ondas para o átomo, chegando assim a equações muito precisas, que davam
conta dos mesmos problemas matemáticos antes colocados. Max Born forneceu a
interpretação probabilística a este modelo.
A
verdade.
Quem está com a
verdade? Ambos estão. E o próprio Heisenberg chegou a essa conclusão, após os
resultados das investigações de Dirac, especificamente. Dirac trabalhava
sozinho, recluso. Mas ainda assim não se pode assumir o modelo de "gênio
solitário", como o de Einstein, pois apesar da solidão, o trabalho,
afinal, tem que estar baseado em teoria, testes e hipóteses de outros.
Trabalhar sozinho ou em equipe não é o que define a autoria. Tanto que
Heisenberg utilizou-se do trabalho de Dirac, especialmente sobre a absorção da
radiação eletromagnética (luz), para chegar à sua conclusão final em 1927,
elevando a teoria quântica a um nível maior de entendimento com relação à
antiga teoria quântica de Bohr, Einstein e Plank. Ela pode ser compreendida em
três termos simples:
1) A matéria pode ser entendida tanto em termos de ondas como
de partículas (princípio da complementaridade);
2)Não há como identificar com precisão a posição exata de uma
partícula subatômica, nem seu movimento - o momento angular (princípio da
incerteza ou da indeterminação);
3)Podemos obter a probabilidade de sua posição e momento,
estimando-se justamente a imprecisão da medição (princípio da exclusão e
escolha).
Essas medições, para
quem não sabe, são realizadas por meio de experiências com difrações de luz em
espectros - e tudo isso, segundo Heisenberg, provoca uma "distorção"
na imagem do objeto, dado que para o contrário a radiação luminosa teria que
ser menor que o próprio objeto - o que não corresponde à realidade. Daí o uso
de "experiências de pensamento" (algo que eu sugeriria aos
historiadores...), por meio do qual pode-se chegar à solução matemática de um
problema, que a experiência talvez não permita...
Confuso? Um pouco. A
conclusão a que se chega, a despeito dos empiristas, é que nem tudo pode (ou se
deve) ser obtido por meio da experiência física, concreta. É o fim do
determinismo, ao menos na Física, por enquanto, e isso já na terceira década do
XX...
O princípio da
complementaridade chocava-se diretamente contra toda a física clássica, desde
Newton, já que, segundo esta última, se duas descrições são mutuamente
exclusivas, então ao menos uma delas deve estar errada. Chegaríamos portanto a
um paradoxo: ou a física clássica está correta e tudo o mais que se fez é pura
ilusão ou a física quântica é que nos fornece a chave para compreensão dos
fenômenos, embora incompleta. Teríamos então que conviver com a incerteza e a
incompletude.
Oposição
de Einstein.
Einstein se opôs obstinadamente ao modelo, a
partir da Conferência de Solvay, em 1927, Bruxelas. Segundo uma frase que lhe é
atribuída: "Deus não joga dados",
isto é, tudo pode ser mensurável; o modelo probabilístico de Heisenberg não o
agradava, de maneira alguma. Concebeu vários modelos, "experiências de
pensamento", para refutar a tese, mas Heisenberg sempre conseguiu uma "saída",
demonstrando a "solidez" de seu modelo. A mais famosa dessas
"experiências de pensamento" é a caixa
de luz de Einstein, sobre a qual não vou entrar em detalhes (sugiro
fortemente a compra do livro), mas a que Heisenberg soube dar uma solução
elegante, inclusive baseando-se em parte na própria teoria da relatividade.
Einstein não
desistiu. Juntamente com Boris Podolsky e Nathan Rosen, desenvolveu um novo
desafio, o paradoxo EPR. Mais uma prova de que não existem gênios solitários. O
paradoxo EPR é bastante complexo para descrevê-lo aqui, mas resumidamente e
grosso modo, podemos descrevê-lo pelo princípio da não localidade - para
Einstein é possível medições em sistemas considerados isoladamente; na teoria
quântica de Heisenberg isso não é possível, pois não há como separar observador
e observado, dado que fazem parte do mesmo sistema. O paradoxo EPR demonstra a
incompletude da teoria quântica; ainda há outro paradoxo, desenvolvido por John
Bell, mais recente e que diz respeito à localidade: pelo teorema da
desigualdade, a natureza é não local. Portanto, mudanças num sistema em A
sempre provocam alterações em B, independente de sua localidade e até mesmo da
velocidade da luz!
Segundo McEvoy:
"Isso significa que, a despeito das aparências
locais dos fenômenos, nosso mundo é na realidade sustentado por uma realidade
invisível, que é imediada e que permite uma comunicação mais veloz que a luz, até mesmo
instantânea." (p. 170)
Resta saber como se
dá essa interação e se a interpretação que lhe damos é verdadeira. Estudos
recentes sobre neutrinos estão deixando os físicos com grandes indagações. Cabe
esperar mais investigações a respeito. Mas uma coisa é fato: nosso entendimento
sobre a natureza não é completo e nem verdadeiro, em seu sentido ontológico.
Ele é paradigmático. Que o diga Thomas Khun.
Um
gato "zumbi": gato vivo, gato morto.
O famoso experimento
de Schrödinger, que na verdade se transformou em metáfora para a teoria
quântica, foi elaborada pelo mestre a fim de refutar o modelo quântico, ao
afirmar que um gato vivo e morto ao mesmo tempo é impossível, um absurdo. O
experimento é bem mais complicado do o que os livros descrevem normalmente.
Envolve o decaimento de radiação dentro da caixa onde está o gato. Após um
tempo de decaimento, ao abrirmos a caixa o que teríamos? Um gato vivo ou um
gato morto? Pela lógica do experimento, um gato morto-vivo, devido ao momento
probabilístico do decaimento da radiação no momento em que a caixa é aberta. O
que na avaliação de Schrödinger seria um absurdo. Heisenberg era sagaz, além de
genial. Tomou o exemplo justamente para exemplificar a teoria, afirmando que o
gato morto-vivo representa a mistura dos dois estados - função de onda e de
partícula. Pode se tomar o gato como vivo ou como morto, depende do que se
queira medir.
Minhas
próprias conclusões.
A história desse
paradoxo nos ensina uma grande lição: a interpretação do mundo passa por uma
grande disputa; mas o significado dessa interpretação, em si mesmo, talvez não esteja em mundo
algum.
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