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quarta-feira, 19 de setembro de 2012


Teoria Quântica. Um guia ilustrado. 
McEvoy, J.P. & Oscar Zarate
São Paulo, Leya, 2012.


Amigos, recomendo a leitura deste não tanto pelo didatismo, pois a exposição não é feita de modo muito simples. O autor preferiu uma abordagem sem concessões, colocada numa linha histórica,  fazendo com que o leitor consiga apreender a dificuldade de se elaborar uma teoria completa a respeito de qualquer assunto. É divertido. As ilustrações são bem inspiradas e auxiliam na visualização dos problemas. Segue um resumo, para quem quer entender melhor e/ou inspirar-se a adquirir o livro. Ou não.


Teoria quântica e a física clássica.
A teoria quântica, em seu acabamento final, continua a desafiar o nosso senso comum e nossas noções de física, que ainda permanecem no plano do século XVII, ao menos para a maioria dos mortais - mesmo para aqueles que nunca aprenderam física, pois estas noções estão impregnadas no discurso cotidiano. E não só nisso: para a construção de prédios, pontes e estruturas relativamente simples, basta a física clássica.

Quanta e energia.
Quando vamos à estrutura do universo ou à do átomo, tudo muda. É preciso apelar para outras noções, mais complexas, tal como a da física dos quanta. A origem deste nome se relaciona a uma "saída matemática", a fim de obter uma equação que desse conta dos números obtidos com instrumentos de teste (caixa de corpo negro com uma pequena saída para a radiação), por meio do qual eram observadas as radiações. A ideia de Max Plank foi justamente "fracionar" matematicamente os pacotes de energia a fim de poder ajustar o cálculo teórico aos números obtidos nas observações. Estaríamos aqui um pouco antes do início do XX e nada se sabia a respeito do átomo, para o qual Rutherford e Bohr iriam lhe fornecer um modelo.  Por conseguinte, quanta diz respeito a uma fração de energia; números quânticos estão relacionados à posição das partículas dentro do átomo; Einstein provou a existência do átomo por meio de um de seus famosos artigos de 1905. Em outro artigo, estudando a cinética dos elétrons, estabelece um modelo e uma equação para o efeito fotoelétrico - daí veio a tese dos fótons. Einstein não admitiu totalmente a quantização da energia de Plank e queria uma regra muito mais geral - chegaria assim mais tarde à teoria da relatividade geral. É de se observar que Einstein escreveu seus artigos sem nenhum contato direto com laboratórios, os quais já havia abandonada há algum tempo, dado que trabalhava num departamento de patentes na Alemanha.

O livro.
Este livro aborda, assim portanto, de maneira não muito simples - diga-se de passagem, a construção da teoria quântica desde os seus primeiros passos. Equações, princípios e fórmulas são ilustradas e nos fornecem as informações sobre os caminhos que tomaram os teóricos até chegarem a formulações mais precisas, tal como a de Heisenberg. Uma coisa é certa, certíssima: não existem gênios solitários, que  fizeram "descobertas" maravilhosas. Existem homens geniais, muitos, que contribuíram com uma pequena ou boa parte para a construção dos paradigmas que temos hoje. Acredito que se isso é válido para a física, é válido para todo o resto do conhecimento humano que dependa de investigação. Inclusive, acredito, nas ciências sociais.

Os nomes.
Os três nomes mais diretamente relacionados à teoria quântica - Heisenberg, Schrödinger e Dirac - não teriam chegado à metade do caminho não fossem contribuições de outros tantos, tal como o próprio Bohr, Pauli, De Broglie, Plank, Balmer (um simples professor) e, inclusive, Einstein, entre outros tantos. Não esquecendo mesmo dos físicos clássicos do século XIX e início do XX

Experiência do Mundo.
Interessante é concluir, pelo texto apresentado, que todas as experiências nos fornecem um modelo indireto da Natureza. Seja lá o que isso possa representar ou não. Os dados das experiências são levados a gráficos e representações, fornecendo (quando possível) explicações. Esse é o maior mérito do livro, pois o que geralmente se pensa a respeito de experiências, no senso comum, é que o cientista está "observando" diretamente os fenômenos da natureza e extraindo daí suas lições - leis e princípios. Nada mais enganoso. E muitas vezes não há nem um modelo, nem uma representação, tal como acontece com a teoria de Heisenberg  - totalmente matemática, chamada de mecânica matricial. Não há uma representação visual, como o modelo de átomo de Bohr - mestre de Heisenberg - que aprendemos pelos livros didáticos.

Modelos.
O modelo de Bohr é o do átomo com elétrons que perfazem uma órbita em torno do "centro sólido", tal como no sistema solar.  Os elétrons, uma vez excitados, pulam de uma órbita para outra, desprendendo energia em forma de fótons (luz). Esta é uma tradução bastante simplificada de seu modelo. Seu discípulo, Heisenberg, a fim de resolver intrincados problemas relacionados aos campos elétrico e magnético, desenvolveu um modelo matemático - baseado em matrizes - para resolver tais problemas. O próprio termo, "mecânica matricial", não era bem quisto por Heisenberg, mas trata-se certamente de um formalismo puramente matemático, rejeitando qualquer modelo de visualização.
Enquanto isso, Schrödinger, na década de 1920, realizava suas experiências adotando um modelo de ondas para o átomo, chegando assim a equações muito precisas, que davam conta dos mesmos problemas matemáticos antes colocados. Max Born forneceu a interpretação probabilística a este modelo.

A verdade.
Quem está com a verdade? Ambos estão. E o próprio Heisenberg chegou a essa conclusão, após os resultados das investigações de Dirac, especificamente. Dirac trabalhava sozinho, recluso. Mas ainda assim não se pode assumir o modelo de "gênio solitário", como o de Einstein, pois apesar da solidão, o trabalho, afinal, tem que estar baseado em teoria, testes e hipóteses de outros. Trabalhar sozinho ou em equipe não é o que define a autoria. Tanto que Heisenberg utilizou-se do trabalho de Dirac, especialmente sobre a absorção da radiação eletromagnética (luz), para chegar à sua conclusão final em 1927, elevando a teoria quântica a um nível maior de entendimento com relação à antiga teoria quântica de Bohr, Einstein e Plank. Ela pode ser compreendida em três termos simples:
1) A matéria pode ser entendida tanto em termos de ondas como de partículas (princípio da complementaridade);
2)Não há como identificar com precisão a posição exata de uma partícula subatômica, nem seu movimento - o momento angular (princípio da incerteza ou da indeterminação);
3)Podemos obter a probabilidade de sua posição e momento, estimando-se justamente a imprecisão da medição (princípio da exclusão e escolha).
Essas medições, para quem não sabe, são realizadas por meio de experiências com difrações de luz em espectros - e tudo isso, segundo Heisenberg, provoca uma "distorção" na imagem do objeto, dado que para o contrário a radiação luminosa teria que ser menor que o próprio objeto - o que não corresponde à realidade. Daí o uso de "experiências de pensamento" (algo que eu sugeriria aos historiadores...), por meio do qual pode-se chegar à solução matemática de um problema, que a experiência talvez não permita...
Confuso? Um pouco. A conclusão a que se chega, a despeito dos empiristas, é que nem tudo pode (ou se deve) ser obtido por meio da experiência física, concreta. É o fim do determinismo, ao menos na Física, por enquanto, e isso já na terceira década do XX...
O princípio da complementaridade chocava-se diretamente contra toda a física clássica, desde Newton, já que, segundo esta última, se duas descrições são mutuamente exclusivas, então ao menos uma delas deve estar errada. Chegaríamos portanto a um paradoxo: ou a física clássica está correta e tudo o mais que se fez é pura ilusão ou a física quântica é que nos fornece a chave para compreensão dos fenômenos, embora incompleta. Teríamos então que conviver com a incerteza e a incompletude.

Oposição de Einstein.
 Einstein se opôs obstinadamente ao modelo, a partir da Conferência de Solvay, em 1927, Bruxelas. Segundo uma frase que lhe é atribuída: "Deus não joga dados", isto é, tudo pode ser mensurável; o modelo probabilístico de Heisenberg não o agradava, de maneira alguma. Concebeu vários modelos, "experiências de pensamento", para refutar a tese, mas Heisenberg  sempre conseguiu uma "saída", demonstrando a "solidez" de seu modelo. A mais famosa dessas "experiências de pensamento" é a caixa de luz de Einstein, sobre a qual não vou entrar em detalhes (sugiro fortemente a compra do livro), mas a que Heisenberg soube dar uma solução elegante, inclusive baseando-se em parte na própria teoria da relatividade.
Einstein não desistiu. Juntamente com Boris Podolsky e Nathan Rosen, desenvolveu um novo desafio, o paradoxo EPR. Mais uma prova de que não existem gênios solitários. O paradoxo EPR é bastante complexo para descrevê-lo aqui, mas resumidamente e grosso modo, podemos descrevê-lo pelo princípio da não localidade - para Einstein é possível medições em sistemas considerados isoladamente; na teoria quântica de Heisenberg isso não é possível, pois não há como separar observador e observado, dado que fazem parte do mesmo sistema. O paradoxo EPR demonstra a incompletude da teoria quântica; ainda há outro paradoxo, desenvolvido por John Bell, mais recente e que diz respeito à localidade: pelo teorema da desigualdade, a natureza é não local. Portanto, mudanças num sistema em A sempre provocam alterações em B, independente de sua localidade e até mesmo da velocidade da luz!
Segundo McEvoy:
"Isso significa que, a despeito das aparências locais dos fenômenos, nosso mundo é na realidade sustentado por uma realidade invisível, que é imediada e que permite uma comunicação mais veloz que a luz, até mesmo instantânea." (p. 170)
Resta saber como se dá essa interação e se a interpretação que lhe damos é verdadeira. Estudos recentes sobre neutrinos estão deixando os físicos com grandes indagações. Cabe esperar mais investigações a respeito. Mas uma coisa é fato: nosso entendimento sobre a natureza não é completo e nem verdadeiro, em seu sentido ontológico. Ele é paradigmático. Que o diga Thomas Khun.

Um gato "zumbi": gato vivo, gato morto.
O famoso experimento de Schrödinger, que na verdade se transformou em metáfora para a teoria quântica, foi elaborada pelo mestre a fim de refutar o modelo quântico, ao afirmar que um gato vivo e morto ao mesmo tempo é impossível, um absurdo. O experimento é bem mais complicado do o que os livros descrevem normalmente. Envolve o decaimento de radiação dentro da caixa onde está o gato. Após um tempo de decaimento, ao abrirmos a caixa o que teríamos? Um gato vivo ou um gato morto? Pela lógica do experimento, um gato morto-vivo, devido ao momento probabilístico do decaimento da radiação no momento em que a caixa é aberta. O que na avaliação de Schrödinger seria um absurdo. Heisenberg era sagaz, além de genial. Tomou o exemplo justamente para exemplificar a teoria, afirmando que o gato morto-vivo representa a mistura dos dois estados - função de onda e de partícula. Pode se tomar o gato como vivo ou como morto, depende do que se queira medir.

Minhas próprias conclusões.
A história desse paradoxo nos ensina uma grande lição: a interpretação do mundo passa por uma grande disputa; mas o significado dessa interpretação, em si mesmo, talvez não esteja em mundo algum. 

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