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quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Custo Bras(z)il - Parte I


Fala-se muito em "Custo Brasil". Uma definição que não é econômica, visto que pouco demonstrável.  Dimensionar o custo para abrir ou fechar empresas não pertence à ciência econômica — nem à economia política, nem à macroeconomia. Desconheço os meandros da microeconomia, mas a isso também não pertence, por exclusão. O que importa aqui para nós é desconstruir esse termo, muito mais um sintagma ideológico (no puro sentido) que um conceito ou definição. Trata-se de uma construção semiótica, uma manipulação simbólica dos dois termos que, unidos e apropriadamente empregados pela imprensa, vendem uma ideia totalmente invertida da triste realidade brasileira — a dos pobres, claro. E esse "marketing" é um sucesso em termos de efetividade comunicacional e sociológica, dado que afeta os comportamentos individuais em massa, tornando as ações do coletivo uma reação contra si mesmo a ponto de ajudar alcançar as metas que se escondem aí — que são aquelas ditas por todo o lado: Estado mínimo, etc.

Nosso objetivo aqui não é fazer demonstrações exaustivas de economia, mas apontar para a contradição — em cada ponto — e desconstruir o sintagma e expor a manipulação, num sentido amplo.

 

Vamos ver como isso se apresenta.

 

Segundo o Portal da Indústria:

 

"Custo Brasil é a expressão usada para se referir a um conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas, trabalhistas e econômicas que atrapalham o crescimento do país, influenciam negativamente o ambiente de negócios, encarecem os preços dos produtos nacionais e custos de logística, comprometem investimentos e contribuem para uma excessiva carga tributária. A estimativa é que o Custo Brasil retire R$ 1,5 trilhão por ano das empresas instaladas no país, representando 20,5% do Produto Interno Bruto (PIB). "

 

Prestem atenção à definição: "conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas, trabalhistas e econômicas...". Quer dizer, é o país inteiro errado, já que as dificuldades vão desde a estrutura até a economia! Isso é amplamente repercutido nos órgãos de  Imprensa, por meio de jornalistas, colunista e agora... influencers!

 

"Estima-se" que "o Custo Brasil retire R$ 1,5 trilhão por ano das empresas instaladas no país...". Pergunta-se: em que base é realizado esse cálculo? Isso é algo obscuro. Mas eles indicam o seguinte [1]:

 

1. Sistema tributário complexo e com carga elevada

2. Custo do capital elevado

3. Legislação trabalhista

4. Educação de baixa qualidade

5. Infraestrutura inadequada (transporte, energia, saneamento, telecomunicações)

6. Insegurança jurídica e burocracia excessiva (em diversas áreas: relações de trabalho, meio ambiente, tributos, regulação econômica, comércio exterior)

7. Ineficiência do Estado

8. Saúde e segurança pública de baixa qualidade

9. Desequilíbrio fiscal

 

Pergunta-se de novo: o critério adotado para cada uma dessas coisas é algo assente, pacífico? Provável? Item por item, pode-se demonstrar, são todos muito discutíveis. Mas estes pontos tornam-se assentes, ou aceitáveis, por uma operação comunicacional muito bem sucedida.

 

Nossa carga tributária é elevada?

Porém estamos atrás de muitos outros países... mais ou menos desenvolvidos. O economista Victor Young [2] escreve em seu site:

 

"A Alemanha e a Itália, que também têm economias maiores do que a do Brasil, registram cargas tributárias de 38,2% e 42,1% respectivamente. Neste conjunto, apenas 9 países tem uma carga tributária menor do que 33%."

 

A do Brasil é de 33,1 [Gráfico 1, site Unicamp]. E quanto ao "complexo sistema tributário" jaz aqui uma bravata, pois qualquer empresa, mesmo a mais simples, pode ter um consultor, contabilista ou advogado tributário, a fim de cuidar do recolhimento dos impostos. Fiquemos por aqui, por enquanto.

 

Mas antes de finalizar o assunto e ficar por aqui, vamos nos introduzir ao estudo de um verdadeiro (!) "Custo Brasil". Ou "Custo Brazil", melhor dizendo. Vamos a ele.

 

Segundo o site do economista Ladislaw Dawbor [3]:

 

"O Economist de 13 de dezembro de 2018, na reportagem “Jair Bolsonaro must tackle Brazil´s soaring pensions spending” apresenta o nosso novo ministro da Economia: “Paulo Guedes, who studied at the University of Chicago and co-founded BTG Pactual, Brazil’s foremost home-grown investment bank”. Portanto, universidade de Chicago, onde se formaram os chamados “Chicago boys” que apoiaram ditaduras e desastres sociais por onde passaram. E no Brasil, co-fundador do Banco BTG Pactual."

(...)

"O que o Pactual faz mesmo é wealth management, ou seja, gestão de fortunas, trabalhando com o que se chama internacionalmente High Net Wealth Individuals, ajudando os muito ricos a ganhar mais dinheiro com dinheiro. E assegura também a intermediação financeira para empresas que buscam “otimizar” os seus fluxos financeiros, na linha do asset management. No conjunto, trata-se de otimizar os ganhos financeiros dos mais ricos. Não se trata, evidentemente, de desenvolver atividades produtivas, pelo contrário, trata-se de drená-las."

(...)

"É útil lembrar que segundo o Tax Justice Network de Londres, em 2012, o Brasil tinha 519,5 bilhões de dólares em paraísos fiscais, equivalentes a cerca de dois trilhões de reais, um estoque que representa, como ponto de referência, quase um terço do PIB do país"

 

Pergunta-se: como afirmar que temos um "custo elevado do capital" com uma evasão de divisas dessa monta? Já não seria um capital formado ou excedente? Se sim, como saberemos qual o seu custo? Então: o cálculo em 1) e em 2) estão "furados". Estes capitais seriam importantes para realizar inversões diretas na economia, ainda mais em uma potencialmente promissora, como é a do Brasil, com toda certeza. Aposto nisso, pois temos o mais importante: uma mão-de-obra muito poderosa e um povo trabalhador e criativo. Esse é o segredo de qualquer riqueza de um país.

 

Quem paga por essa evasão? Esse dinheiro não foi tirado do nada. É um capital que foi gerado aqui e foi para fora. Se toda riqueza vem do trabalho, como afirmava o grande Adam Smith, então esse dinheiro é fruto de sangue e suor. Ou seja, muita exploração da classe que trabalha ou que trabalhou para gerar essa riqueza que vai embora. Ainda que seja oriunda da especulação financeira. 

 

Então retomemos: o custo Brasil retira 1,5 trilhão das empresas, como afirma o site do portal da indústria? Ou será que esse valor é justamente o montante que é evadido do país? Onde está o custo? no Brasil ou no Brazil? Muitos economistas afirmam que essa riqueza vai embora justamente devido à carga tributária alta. Mas já apontamos para o Gráfico 1, que demonstra que a história não é bem essa. Então, em breves linhas, fica demonstrado que nem a carga tributária, nem o custo do capital são elevados. Pelo contrário, ele é exportado justamente porque facilmente obtido.

 

E segue o fato que o país — bem como quem trabalha, de verdade  — empobrece, dado que a sonegação de imposto influi na baixa arrecadação fiscal. Esse dinheiro é exportado por meio de sistemas facilitados aos exploradores (podem chamar de investidores... ou até de um nome mais apropriado para quem se vale do resultado alheio...), tais como as contas CC5, que permitem o envio de dinheiro por meio de "empresas" off shore [4], criado nos anos 1990, durante o avanço neoliberal aqui no Brasil (e que continua). De fato, esse dinheiro não paga (ou não pagava) imposto nenhum. Já é um mecanismo conhecido por aqui. Não damos conta de outros, ante a complexidade do fluxo internacional de dinheiro. 

 

 

 

Fontes:

[1] https://www.portaldaindustria.com.br/industria-de-a-z/o-que-e-custo-brasil/#:~:text=Custo%20Brasil%20%C3%A9%20a%20express%C3%A3o,de%20log%C3%ADstica%2C%20comprometem%20investimentos%20e

 

[2] https://www.blogs.unicamp.br/sobreeconomia/2022/05/02/o-brasil-tem-a-maior-carga-tributaria-do-mundo/#:~:text=A%20Alemanha%20e%20a%20It%C3%A1lia,tribut%C3%A1ria%20menor%20do%20que%2033%25.

 

[3] https://dowbor.org/2019/04/l-dowbor-de-onde-vem-o-nosso-super-ministro-da-economia-6p.html

 

[4] https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=2127:catid=28&Itemid=23#:~:text=S%C3%A3o%20contas%20especiais%2C%20mantidas%20no,o%20dinheiro%20em%20moeda%20estrangeira.

 

Outras fontes:

Dicionário da Comunicação; 2ª edição, revista e ampliada/Ciro Marcondes Filho (org.)/São Paulo: Paulus, 2009. [especialmente para este artigo o verbete “manipulação”, por Josimey Costa]


Gráficos:

1 - (site da Unicamp):

 



 

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