Fala-se muito em "Custo Brasil".
Uma definição que não é econômica, visto que pouco demonstrável. Dimensionar o custo para abrir ou fechar
empresas não pertence à ciência econômica — nem à economia política, nem à
macroeconomia. Desconheço os meandros da microeconomia, mas a isso também não
pertence, por exclusão. O que importa aqui para nós é desconstruir esse termo,
muito mais um sintagma ideológico (no puro sentido) que um conceito ou
definição. Trata-se de uma construção semiótica, uma manipulação simbólica dos
dois termos que, unidos e apropriadamente empregados pela imprensa, vendem uma
ideia totalmente invertida da triste realidade brasileira — a dos pobres,
claro. E esse "marketing" é um sucesso em termos de efetividade
comunicacional e sociológica, dado que afeta os comportamentos individuais em
massa, tornando as ações do coletivo uma reação contra si mesmo a ponto de
ajudar alcançar as metas que se escondem aí — que são aquelas ditas por todo o
lado: Estado mínimo, etc.
Nosso objetivo aqui não é fazer
demonstrações exaustivas de economia, mas apontar para a contradição — em cada
ponto — e desconstruir o sintagma e expor a manipulação, num sentido amplo.
Vamos ver como isso se apresenta.
Segundo o Portal da Indústria:
"Custo Brasil é a expressão
usada para se referir a um conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas,
trabalhistas e econômicas que atrapalham o crescimento do país, influenciam
negativamente o ambiente de negócios, encarecem os preços dos produtos
nacionais e custos de logística, comprometem investimentos e contribuem para
uma excessiva carga tributária. A estimativa é que o Custo Brasil retire R$ 1,5
trilhão por ano das empresas instaladas no país, representando 20,5% do Produto
Interno Bruto (PIB). "
Prestem atenção à definição: "conjunto
de dificuldades estruturais, burocráticas, trabalhistas e econômicas...".
Quer dizer, é o país inteiro errado, já que as dificuldades vão desde a
estrutura até a economia! Isso é amplamente repercutido nos órgãos de Imprensa, por meio de jornalistas, colunista e
agora... influencers!
"Estima-se" que "o Custo
Brasil retire R$ 1,5 trilhão por ano das empresas instaladas no país...". Pergunta-se:
em que base é realizado esse cálculo? Isso é algo obscuro. Mas eles indicam o
seguinte [1]:
1. Sistema tributário complexo e com carga
elevada
2. Custo do capital elevado
3. Legislação trabalhista
4. Educação de baixa qualidade
5. Infraestrutura inadequada (transporte,
energia, saneamento, telecomunicações)
6. Insegurança jurídica e burocracia
excessiva (em diversas áreas: relações de trabalho, meio ambiente, tributos,
regulação econômica, comércio exterior)
7. Ineficiência do Estado
8. Saúde e segurança pública de baixa
qualidade
9. Desequilíbrio fiscal
Pergunta-se de novo: o critério adotado
para cada uma dessas coisas é algo assente, pacífico? Provável? Item por item,
pode-se demonstrar, são todos muito discutíveis. Mas estes pontos tornam-se
assentes, ou aceitáveis, por uma operação comunicacional muito bem sucedida.
Nossa carga tributária é elevada?
Porém estamos atrás de muitos outros
países... mais ou menos desenvolvidos. O economista Victor Young [2] escreve em
seu site:
"A Alemanha e a Itália, que
também têm economias maiores do que a do Brasil, registram cargas tributárias
de 38,2% e 42,1% respectivamente. Neste conjunto, apenas 9 países tem uma carga
tributária menor do que 33%."
A do Brasil é de 33,1 [Gráfico 1, site
Unicamp]. E quanto ao "complexo sistema tributário" jaz aqui uma
bravata, pois qualquer empresa, mesmo a mais simples, pode ter um consultor,
contabilista ou advogado tributário, a fim de cuidar do recolhimento dos
impostos. Fiquemos por aqui, por enquanto.
Mas antes de finalizar o assunto e ficar
por aqui, vamos nos introduzir ao estudo de um verdadeiro (!) "Custo
Brasil". Ou "Custo Brazil", melhor dizendo. Vamos a ele.
Segundo o site do economista Ladislaw
Dawbor [3]:
"O
Economist de 13 de dezembro de 2018, na reportagem “Jair Bolsonaro must tackle
Brazil´s soaring pensions spending” apresenta o nosso novo ministro da
Economia: “Paulo Guedes, who studied at the University of Chicago and
co-founded BTG Pactual, Brazil’s foremost home-grown investment bank”. Portanto,
universidade de Chicago, onde se formaram os chamados “Chicago boys” que
apoiaram ditaduras e desastres sociais por onde passaram. E no Brasil,
co-fundador do Banco BTG Pactual."
(...)
"O que o Pactual faz mesmo é
wealth management, ou seja, gestão de fortunas, trabalhando com o que se chama
internacionalmente High Net Wealth Individuals, ajudando os muito ricos a
ganhar mais dinheiro com dinheiro. E assegura também a intermediação financeira
para empresas que buscam “otimizar” os seus fluxos financeiros, na linha do
asset management. No conjunto, trata-se de otimizar os ganhos financeiros dos
mais ricos. Não se trata, evidentemente, de desenvolver atividades produtivas,
pelo contrário, trata-se de drená-las."
(...)
"É útil lembrar que segundo o
Tax Justice Network de Londres, em 2012, o Brasil tinha 519,5 bilhões de
dólares em paraísos fiscais, equivalentes a cerca de dois trilhões de reais, um
estoque que representa, como ponto de referência, quase um terço do PIB do
país"
Pergunta-se: como afirmar que temos um
"custo elevado do capital" com uma evasão de divisas dessa
monta? Já não seria um capital formado ou excedente? Se sim, como saberemos
qual o seu custo? Então: o cálculo em 1) e em 2) estão "furados".
Estes capitais seriam importantes para realizar inversões diretas na economia,
ainda mais em uma potencialmente promissora, como é a do Brasil, com toda
certeza. Aposto nisso, pois temos o mais importante: uma mão-de-obra muito
poderosa e um povo trabalhador e criativo. Esse é o segredo de qualquer riqueza
de um país.
Quem paga por essa evasão? Esse dinheiro
não foi tirado do nada. É um capital que foi gerado aqui e foi para fora. Se
toda riqueza vem do trabalho, como afirmava o grande Adam Smith, então esse
dinheiro é fruto de sangue e suor. Ou seja, muita exploração da classe que
trabalha ou que trabalhou para gerar essa riqueza que vai embora. Ainda que
seja oriunda da especulação financeira.
Então retomemos: o custo Brasil retira 1,5
trilhão das empresas, como afirma o site do portal da indústria? Ou será que
esse valor é justamente o montante que é evadido do país? Onde está o custo? no
Brasil ou no Brazil? Muitos economistas afirmam que essa riqueza vai embora
justamente devido à carga tributária alta. Mas já apontamos para o Gráfico 1,
que demonstra que a história não é bem essa. Então, em breves linhas, fica
demonstrado que nem a carga tributária, nem o custo do capital são elevados.
Pelo contrário, ele é exportado justamente porque facilmente obtido.
E segue o fato que o país — bem como quem
trabalha, de verdade — empobrece, dado
que a sonegação de imposto influi na baixa arrecadação fiscal. Esse dinheiro é
exportado por meio de sistemas facilitados aos exploradores (podem chamar de
investidores... ou até de um nome mais apropriado para quem se vale do
resultado alheio...), tais como as contas CC5, que permitem o envio de dinheiro
por meio de "empresas" off shore [4], criado nos anos 1990,
durante o avanço neoliberal aqui no Brasil (e que continua). De fato, esse
dinheiro não paga (ou não pagava) imposto nenhum. Já é um mecanismo conhecido
por aqui. Não damos conta de outros, ante a complexidade do fluxo internacional
de dinheiro.
Fontes:
[3]
https://dowbor.org/2019/04/l-dowbor-de-onde-vem-o-nosso-super-ministro-da-economia-6p.html
Outras fontes:
Dicionário da Comunicação; 2ª edição, revista e ampliada/Ciro Marcondes Filho (org.)/São Paulo: Paulus, 2009. [especialmente para este artigo o verbete “manipulação”, por Josimey Costa]
Gráficos:
1
- (site da Unicamp):
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