Omar Khayyán. Rubaiyat. Traduções.
Fonte da imagem:https://gavetadoivo.wordpress.com/2013/03/01/2778/
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Leituras realizadas este ano, com base em três traduções da obra de Khayyan. Uma primeira de Octavio Tarquínio de Souza, cuja primeira edição é de 1928. Uma segunda de 1959, na tradução em versos de rimas variadas de J.B. de Mello e Souza, irmão de Malba Tahan. A terceira, bem mais recente, acompanha uma pequena biografia, interpretação da obra e um inventário crítico das muitas edições do Rubbaiyt. Comecemos pela edição de Mello e Souza.
KHAYYÃN, Omar. Rubaiát. Trad. em verso por J. B. de Mello e
Souza. Rio de Janeiro, Topbooks, 2013 (1959).
Irmão de
Malba Tahan, Mello e Souza empregou traduções francesas (Franz Toussaint) e
inglesas (Waringhien, Christensen, Rempis e Fitzgerald) para esta edição
original de 1959, que a mantém em versos.
As poesias
estão bem justapostas nas quadras. As rimas variam, não seguem um esquema fixo
- como ABAB ou AABA, mas vão desde isso até um AAAA ou ainda totalmente
brancos.
O autor desta
tradução considera Khayyán como o poeta da Desesperança (p. 19), com toques de
melancolia, sarcasmo e desalento. O poeta persa foi, na sua concepção, um
"exaltado panteísta" - não que acreditasse em algum deus, mas numa
força desconhecida que rege o Universo e que o submete a leis imutáveis e
eternas. Trata-se do Eterno Enigma, na versão traduzida por Luiz Antonio de
Figueiredo. Segundo Mello e Souza, o poeta não se conformava admitir um Deus
supremo que tivesse criado um ser tão imperfeito quanto o homem.
E com relação
ao amor, ao invés de desconfiança, como frisa Octavio Tarquínio de Souza, Mello
e Souza observa o entusiasmo pelo amor, umas das efêmeras condições de
felicidade terrena (p.21).
Bem destacado
por este autor, em que pese as diferenças para com outros tradutores, é a
observância no que diz respeito à falta de alusão à Família, à Pátria ou à
Raça. Nem poderia ser diferente, pois estes temas pertencem à modernidade. Mas
com razão, não há a menor referência. Khayyán só abraça os grandes temas da
vida.
O vinho
também é bem destacado pelo tradutor. Há uma verdadeira exaltação do vinho;
além de ser uma bebida valorizada por estes povos antigos, a embriaguez também
assim é igualmente. Então parece-nos que o vinho é uma maneira natural de fugir
ao ceticismo e ao materialismo que oprime o espírito, ao mesmo tempo uma forma
de atingir estado de espírito mais elevado. Podemos chamar de "metafísica
do vinho" - uma forma de transcender e olhar com mais admiração, mais
beleza, para a vida.
Um cético,
mas que acreditava na força viva da vida, no seu fluxo incessante, como um rio.
Assim podemos considerar Khayyán por aqui. Por isso mesmo não podemos concordar
com Mello e Souza que seja o poeta da Desesperança.
KHÁYYÁN, Omar. Rubaiát. Trad. Octavio Tarquinio de Souza.
Rio de Janeiro, José Olympio Ed., 1944, 5ªed. (1ª ed. 1928).
O tradutor leu
várias versões francesas, mas a que lhe serviu de base, segundo o próprio, é a
de Franz Toussaint. As considerações do tradutor em seu prefácio sobre Khayyán
não diferem muito das de Figueiredo, outro tradutor que se valeu não da
tradução francesa, mas da inglesa, de FitzGerald.
A forma não foi a de
versos, mas de prosa no estilo de aforismos.
Segue alguns trechos
do prefácio de Tarquínio:
"Ninguém
melhor que Omar Kháyyám viu a precariedade do destino humano (...) Só existe,
só vale o momento presente. O passado não volta mais, o futuro é incerto e virá
provavelmente cheio de tristeza e decepções. Cumpre, pois, aproveitar
intensamente o momento atual, que passa rápido como o esplendor transitório da
rosa. (...)
O
passado não tem interesse. É um cadáver que deve ser sepultado. Nada esperemos
também do futuro. Para não perder a coragem de viver, é necessário embriagar-se
do momento presente. (...)
Beber
vinho! Vinho cor de rubi, vinho cor de rosa, vinho cor de sangue!
O
vinho faz perdoar a pena de viver. (...)
O
vinho é a fonte do entusiasmo. (...)
Nada
de largas esperanças, nada de grandes ilusões. A vida há de ser sempre uma
constante renúncia. (...)
A
filosofia e a ciência não vão além das aparências. O homem diante do mistério
do universo é o cego ferido de cegueira total. (...) Os sistemas dos filósofos
e as construções dos sábios são palavras ocas e têm a consistência das miragens
no deserto. (...)
Cumpre
também não confiar no amor. Não divinizemos a mulher. O amor é apenas a
sensação passageira, o delírio fugaz. (...)
A vida, se tivesse sentido, seria dom funesto,
presente trágico. Não há por que agradecê-la. É uma imposição caprichosa."
(p. III e segs.).
Segue alguns trechos
do prefácio de Tarquínio:
"Ninguém
melhor que Omar Kháyyám viu a precariedade do destino humano (...) Só existe,
só vale o momento presente. O passado não volta mais, o futuro é incerto e virá
provavelmente cheio de tristeza e decepções. Cumpre, pois, aproveitar
intensamente o momento atual, que passa rápido como o esplendor transitório da
rosa. (...)
O
passado não tem interesse. É um cadáver que deve ser sepultado. Nada esperemos
também do futuro. Para não perder a coragem de viver, é necessário embriagar-se
do momento presente. (...)
Beber
vinho! Vinho cor de rubi, vinho cor de rosa, vinho cor de sangue!
O
vinho faz perdoar a pena de viver. (...)
O
vinho é a fonte do entusiasmo. (...)
Nada
de largas esperanças, nada de grandes ilusões. A vida há de ser sempre uma
constante renúncia. (...)
A
filosofia e a ciência não vão além das aparências. O homem diante do mistério
do universo é o cego ferido de cegueira total. (...) Os sistemas dos filósofos
e as construções dos sábios são palavras ocas e têm a consistência das miragens
no deserto. (...)
Cumpre
também não confiar no amor. Não divinizemos a mulher. O amor é apenas a
sensação passageira, o delírio fugaz. (...)
A vida, se tivesse sentido, seria dom funesto,
presente trágico. Não há por que agradecê-la. É uma imposição caprichosa."
(p. III e segs.).
Aqui, ainda que pela
tradução presente, não é possível concordar com o tradutor no que diz respeito
à mulher e à renúncia. Khayyán renuncia ao que é ilusório, não aos prazeres -
portanto, não à vida como um todo, mas somente àquilo que vai além dos
sentidos. O amor aparece em Khayyán mais nesta forma material, que dá prazer,
mas não destituído do belo. Neste sentido, a mulher assume uma forma tão
contemplativa quanto a natureza, representada pela primavera, pela lua, pela
rosa, etc. Os lábios da mulher são vermelhos, como a rosa, digna de admiração,
contemplação. O vinho é rubi como alguns lábios femininos. O efêmero não retira
a beleza da vida, que é vista não em sua forma metafísica, mas plástica e
dinâmica. Há beleza no movimento da vida. Vejam este aforismo da página 56:
Meu nascimento não trouxe nenhum proveito ao universo.
Minha morte não lhe diminuirá a imensidade, nem a beleza.
Ninguém pode explicar-me porque vim, porque me vou embora.
A beleza do mundo
está neste próprio mistério da vida e esse mistério se faz expressar nas coisas
que vemos e sentimos. Luiz Antonio de Figueiredo, outro tradutor, fala de
hedonismo trágico. Eu prefiro falar simplesmente de hedonismo. Dado que o fim é
certo, deixa de ser trágico, transformando-se em resignação, não exatamente em
desespero.
KHAYYÁN, Omar. Rubáiát. Trad. Luiz Antonio de Figueiredo.
São Paulo, Editora Unesp, 2012.
Recriação em quadra
de versos que usa como base a tradução inglesa de Edward FitzGerald, que
traduziu diretamente do persa.
Rubái quer dizer quadra; rubáiyát é o plural de rubái. Na recriação do autor, tentando ser o mais fiel possível
a FitzGerald, manteve o terceiro verso branco:
AABA.
Comentário. Algumas
quadras funcionaram bem, outras nem tanto; mas no geral ficou agradável aos
sentidos. Os versos ficaram melhor no esquema de rimas variadas, não
rígidas, da tradução de J. B. de Mello e
Souza, editora Topbooks, 2013, reedição de 1959.
Na segunda parte do
livro encontramos uma pequena biografia de Khayyán e sua obra, além de uma
interpretação. Um último capítulo desta segunda parte é dedicada aos
comentários das várias edições, onde o autor faz um pequeno inventário das
traduções. Destaque para esta edição é esclarecer sobre a
escolha dos rubáiyats entre os milhares conhecidos, trabalho a que se
entregaram os críticos.
No que se sobressai da obra de Omar:
Hedonismo trágico. Para suportar a brevidade e
a falta de sentido da vida é preciso gozar os momentos, pois a vida é ilusão de
Eternidade; trata-se de uma espécie de "Carpe
Diem", que permeia toda a poesia.
Prazer e Beleza. O
vinho e a rosa. Esse deleite da vida é interposto por símbolos
recorrentes na obra de K.: o vinho, a
rosa, a lua, o rouxinol, etc. encarnam a música, a o amor e a amizade e a
primavera - momentos que devem ser aproveitados;
Véu da ilusão. Universo é ambíguo e obscuro, assim
como a existência humana. A chave do enigma do Universo não nos é
acessível; o Eterno nos dá apenas um aceno por meio da beleza do mundo - como
os pássaros e as flores;
Figueiredo tenta uma
interpretação aproximativa da poesia de
Khayyán com a filosofia de Schopenhauer
(p.124 e ss.), mas um pouco forçada, no meu entendimento. Para o filósofo
alemão a vida é breve, dolorosa e sem sentido. Neste caso, Khayyán estaria de
acordo mais com o último e o primeiro, mas não concordaria com a vida dolorosa
e muito menos em renunciar ao prazer devido a isso, como aconselharia
Schopenhauer. Nas páginas que se sucedem, Figueiredo força cada vez mais essa
aproximação, esmiuçando a filosofia de Schopenhauer.
Oleiro. O oleiro aparece em várias quadras da
poesia de Khayyán, representando o criador que modela a argila (matéria) para
produzir o vaso (homem). Mas pelo que depreendemos dos versos do poeta, o
Oleiro é uma figura fictícia ou não assumida como existente - ou seja, é sempre
posta em dúvida. O que é certo é que o homem vem da argila e a ela voltará,
integrando um ciclo natural.
Vaso imperfeito. Somos imperfeitos - isso é
expresso pela nossa ignorância das coisas (v. p.129). A "solução" é o
vinho, que nos induz a sonho, um meio de sair da dura realidade. Podemos dizer
que é um materialismo que se impõe aos nossos sentidos e do qual o poeta tenta
escapar? Sou levado a acreditar que sim.
Vinho. Segundo
Figueiredo, o vinho, por ser uma "criação divina" deve ser louvado.
Mas aqui também é um pressuposição do poeta - o vinho é tão bom que se houvesse
um Deus o teria criado de qualquer maneira. O vinho é o bálsamo da vida.
Incerteza da origem e do destino humano. Esse
mundo é uma torrente de coisas que flui e que desdenha a origem, tanto quanto o
destino. Não sabemos de onde viemos e nem para onde vamos.
Incerteza do Eterno. O poeta quer o eterno - há
uma nostalgia do Eterno em seus versos; mas como alcançá-lo é impossível, então
investe-se avidamente no prazer - daí o hedonismo trágico. Há uma certa
renúncia do poder, da ambição do conhecimento, da glória, mas não do prazer,
não da celebração da vida. Não importa de onde ela tenha vindo ou como tenha
vindo. A vida é celebrada pelos seus símbolos: a rosa (primavera), a lua (o
belo que pode ser visto), etc.
Ceticismo. O ceticismo de Khayyán revela-se por
toda a sua poesia - mas trata-se de um ceticismo hedonista, como afirma
Figueiredo. Khayyán descrê de uma vida invisível, mas acredita no mundo que se
apresenta, em sua beleza; daí também a renúncia ao poder e aos tesouros.
A mulher. É a figura adorada e admirada,
representada também pela Rosa. A mulher não é apenas matéria a ser deleitada,
mas beleza que merece seu lugar quase divino, como o vinho. Portanto, trata-se
de uma figura elevada, mas não totalmente divina, pois seria assim
inalcançável. Pelo contrário, a mulher é algo bem próximo.
Véu do mundo e o Rio. Se tudo que vemos é como
um véu (uma ilusão), então o que é o Mundo? Em uma de suas quadras, o poeta
afirma: "Cascata que flui sem saber" (p.35). Ou seja, a vida é como o
curso de um rio, como no Tao e como em Heráclito. Atentemos para essa quadra:
A
este Mundo - Cascata que flui sem saber
Por quê, ou de Onde
vem - também vim sem querer,
e
como o Vento errante ignora Onde vai,
Desconheço
Onde vou, ao desaparecer.
Ela resume bem a
"filosofia" do poeta. A vida é como o curso de um rio, uma cascata
que despeja água incessantemente; não sabemos de onde viemos nem para onde
vamos, como o Vento, que ignora seu destino.
Eterno Enigma e o Tao. A vida é um mistério,
onde tudo aparece e desaparece. Por aqui podemos nos aproximar da filosofia do
Tao, ou o Tao, simplesmente. Vamos ler estas quadras:
Sua secreta Presença invade a Criação
por todas as artérias. Tem a compleição
das coisas mais extremas, como a Lua e o Peixe:
mutante, tudo morre. Ele, no entanto, não
Surge por um Instante, então desaparece,
dissolve-se no Escuro e com Ele Anoitece,
eternamente Autor e Ator do mesmo Drama,
repete o mesmo Enredo, onde Nada acontece.
Ora, não é o Tao o
eterno preenchimento e esvaziamento, para onde tudo vai e de onde tudo vem?
Figueiredo não faz essa aproximação, mas isso parece-me evidente. Khayyán era
um bom observador, mas também um bom pensador. Não é de se surpreender que
tenha chegado a essas reflexões, que se aproximam de outras filosofias. Até
mesmo uma dialética é possível
identificar em seus versos. Por minha conta e risco, tomemos como exemplo
máximo este verso, entre outros:
Se baixas teu olhar, fitando o duro Chão,
ou ergues para o Céu, em Sua Imensidão,
lembra que tu é tu neste exato Momento,
mas e Amanhã, depois da própria negação?
Observemos as
oposições: Chão-Céu/Momento-Amanhã. Olhando para o aqui, no Chão ou olhando
para o Céu, independente disso, amanhã seremos diferentes de hoje, posto que
seremos negação da existência de hoje e assim por diante.
Conclusões
e Comentários.
O tradutor aproxima
Khayyán de Schopenhauer, mas eu o aproximo mais do Tao, embora destituído do
ascetismo dessa Ideia. O Tao como explicação do movimento do universo, não como
explicação de sua origem. Não podemos aproximar Khayyán de Schopenhauer, pois
este tenciona ao ascetismo, à renúncia do material. Khayyán não quer renunciar
a nada, embora menospreze o poder e a glória; o materialismo de Khayyán é
imediato: os prazeres e a beleza da vida, embora não possam ser explicadas,
estão aí. Não sabemos se foram feitas para nós, mas por que não aproveitá-las?
O Eterno Enigma não é explicável posto que não é alcançável por nossa ciência, que ilumina alguns movimentos, mas não
vai além das aparências.
No geral, destaca-se
o vinho: bebida que intermedia o humano e
o divino, embora este seja uma ilusão, um produto da imaginação; na verdade o
vinho é o que nos torna divinos, pois é ele que nos induz a fugir da tragédia
humana material, esquecer o efêmero e aproveitar melhor o momento. Nas minhas palavras:
"O vinho nos remove o excesso de realidade"
.
Com relação às
traduções aqui consideradas, podemos afirmar, por elas, mais ou menos tudo o que
foi exposto acima sobre o grande poeta persa.
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