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segunda-feira, 4 de novembro de 2013

O Morcego. Augusto dos Anjos.

O Morcego

Uma vez fomos morar um pouco mais para o interior, Vargem Grande Paulista, que naquele tempo ainda era bem pequena, e acho que não mudou muito. Minha filha, Catharina, devia ter uns dois anos, acredito. A casa era de tijolo, com reboco. O piso era também de tijolo, assentado e bem unido. Não havia forro. Fazia um frio tremendo à noite. Um dia chego da faculdade e após colocar a Catha para dormir em seu quarto, entro no meu, para fazer o mesmo. A esposa não havia chegado ainda. Leitura antes de dormir. Luz acesa. Sinto algo roçar no meu cabelo. De novo. E eis que o morcego se apresenta, "voando" por sobre minha cabeça. Bem, o resto encontrei aí nesse poema de Augusto dos Anjos. Deparei-me com ele de novo recentemente e lembrei do tal morcego, que se instalou nos interstícios do teto sem forro. A propósito apelidei-o de Lincoln. Talvez em homenagem a aquele presidente americano.


O morcego

Meia noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vêde:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

"Vou mandar levantar outra parede..."
— Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o tecto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh'alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!

Augusto dos Anjos


Fonte: Eu e outras poesias. Augusto dos Anjos. L&PM Pocket, p. 16

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