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domingo, 16 de março de 2014

O mundo é um moinho, segundo Cartola - ou um rio que corre, cujas águas nunca são as mesmas, segundo Heráclito?

Cartola:
Ainda é cedo, amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar
Preste atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és
Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho
Vai reduzir as ilusões a pó
Preste atenção, querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés

O Mundo é Um Moinho
fonte: http://letras.mus.br/cartola/44901/> [o negrito é por minha conta]


Heráclito (dos fragmentos):
"No mesmo rio entramos e não entramos, somos e não somos."
fonte:Os pensadores, ed. Abril, 1973, p. 90.

A música, do genial Cartola, adverte a pessoa que sair para o mundo é perigoso e imprevisível, um moinho, cujas engrenagens podem derrubar todos os nossos projetos de vida. Eu gostaria de sugerir não exatamente uma semelhança da música de Cartola com o fragmento de Heráclito, mas um complementação. Sim, o movimento, bem como o tempo, é como um rio, onde entramos e não entramos - somos e não somos, isto é, apesar da mesma aparência, minha e do rio, a essência já não é mais a mesma ("Em cada esquina cai um pouco a tua vida").
E mesmo a aparência também já não é mais a mesma, pois não percebemos a mudança no curto tempo, mas na longa duração, aproveitando aqui marginalmente o conceito de Braudel.
Mas também da vida faz parte um moinho, o engenho social no qual nos incluímos e por meio do qual atuamos. Nesse moinho ninguém deixa de passar e a cada momento um pedaço de nós se vai, transformando-nos sempre em outra coisa que não nós mesmos, apesar de lutarmos para manter a identidade, os projetos, os sonhos.

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