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domingo, 19 de janeiro de 2014

Rolezinhos: os flâneurs hipermodernos
Procura por espaços de lazer, demanda cultural reprimida, luta de classes, busca por autorrepresentação e inclusão social e política. Por todos esses ângulos os rolezinhos foram analisados e justificam-se, em grande parte.
No entanto, gostaria de abordar um ponto que me chamou a atenção: esses acontecimentos – que nos revelam e nos remetem à lógica do capital, pela sua face do consumo – podem ser compreendidos como um epifenômeno da própria ação modernizadora desta lógica. Mais simplesmente: decorrência inexorável de um capitalismo de alto consumo.
Esses acontecimentos recentes podem ser vistos como aquilo que Walter Benjamin descreveu como a ação dos flâneurs. Os jovens que vão ao Shopping "dar um rolezinho" são verdadeiros flâneurs da hipermodernidade.
Benjamin, estudando a flânerie contida na obra de Baudelaire, indica que o flâneur é inicialmente um resistente da modernidade. Gosta de misturar-se à multidão, aprecia a paisagem, sente prazer com os olhares. Obra prima em termos de poema e que pode representar essa figura é A uma passante, de Baudelaire (no livro "As Flores do Mal"). O flâneur de Baudelaire só aprecia, não se confunde com a mercadoria. Dispõe de seu tempo como quer, demora-se, abandona-se à multidão. 
No entanto, afirma Benjamin, com a proliferação irresistível de lojas e galerias  – por onde a mercadoria se expõe, de forma exuberante – o flâneur vai se assimilando à paisagem do consumo. E há mesmo uma busca de se expor tal como a mercadoria, de forma exuberante. Talvez por isso mesmo nossos jovens vão muito bem vestidos a esses eventos, independente e a despeito da classe social a que pertencem. Sim, estou afirmando que esses jovens são os flâneurs mais atuais e a diferença para com o flâneur clássico é que enquanto estes iam observar a multidão, aqueles a carregam. Por que a mercadoria implica multidão, exige olhares, suscita ebriedade. Nada como fazer coisas inebriado – tal como flertar, por exemplo.
Numa expressão metaforizada, é o Shopping que, a despeito dos donos de lojas, invoca esses jovens a irem lá. Mais que a busca por se incluírem na paisagem do consumo – dado que esses jovens representam a ponta de lança da modernidade – e pensando de acordo com o que expus, trata-se de uma correspondência tão lógica que quase "natural", vamos dizer assim. Portanto, esses jovens são os protagonistas principais que agora entram em cena, embora no Segundo Ato. Mas agora também desafiando o então consumo exclusivista, que sempre imperou por aqui, desde aeroportos e rodoviárias, passando por supermercados e até mesmo Shoppings. Se há algo que está no seu lugar são esses jovens no Shopping. Sim, evidente, pode-se criar novos espaços para a cultura e o lazer. Mas não se enganem aqueles que assim o querem: esses jovens não deixarão de ir ao Shopping.

Referências:
[1]BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire. Um Lírico no Auge do Capitalismo. Obras Escolhidas III. São Paulo, Brasiliense, 1989
[2]BAUDELAIRE, Charles. As Flores do Mal. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1985 (trad. Ivan Junqueira das obras do séc. XIX de Baudelaire)

Poema de Baudelaire mencionado:

A uma passante

A rua em torno era um frenético alarido.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão suntuosa
Erguendo e sacudindo a barra do vestido.  

Pernas de estátua, era-lhe a imagem nobre e fina.
Qual bizarro basbaque, afoito eu lhe bebia
No olhar, céu lívido onde aflora a ventania,
A doçura que envolve e o prazer que assassina.

Que luz... e a noite após! – Efêmera beldade
Cujos olhos me fazem nascer outra vez,
Não mais hei de te ver senão na eternidade?

Longe daqui! tarde demais! "nunca" talvez!
Pois de ti já me fui, de mim tu já fugiste,
Tu que eu teria amado, ó tu que bem o viste!


(As Flores do Mal, p. 345)

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