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segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

SOBRE A COMUNICAÇÃO

VELDE, Jan van de, II Haarlem printing press, 1628- Engraving

Metropolitan Museum of Art, New York

[web Gallery of Art]

 

 

"...Como é terrível a sapiência
quando quem sabe não consegue aproveitá-la!"

 Sófocles --  Tirésias em Édipo Rei, 376-7

 



 



Comunicação é, segundo André Comte-Sponville, um intercâmbio de signos, de mensagens, de informações, entre dois ou mais indivíduos. Lógico, essa troca, esse intercâmbio, pode ser de coisas inteligentes ou de bobagens. Não importa o que se comunique: comunicar é passar adiante uma mensagem a alguém.

Que não se confunda a comunicação com seu conteúdo, que é a informação. A comunicação é uma troca, envolve um meio que deve ser o difusor. Por exemplo, a TV, que foi um meio de comunicação de ampla difusão de mensagens, mas sem uma interação direta. A resposta do público é passiva — tal como ver um anúncio e refletir se vai ou não comprar um determinado produto. Entre outras coisas.

Com o advento da Internet e das lives em streaming,  foi possível uma interação direta e uma resposta às informações muito mais rápidas também. O envolvimento direto, interativo, provoca uma reação mais efetiva, dado que envolve justamente os afetos, disparados pela comunicação visual dos gestos, comportamentos e reações.

A qualidade da informação não depende diretamente do meio. Depende do tempo dispendido na atenção ao assunto — um livro ou uma live podem se equivaler, depende do tempo envolvido em cada um deles. Sem mencionar autoria, domínio do assunto, entre outras coisas, evidentemente.

O alcance da comunicação depende da difusão. Uma coisa é transmitir algo localmente. Outra, nacionalmente e internacionalmente. E isso depende do transmissor, não do meio e muito menos da informação em si, embora sejam esta e aquela importantes.  Uma TV pública vai se diferenciar muito de uma TV privada, mas o alcance de cada um dependerá muito de seus recursos no geral, em todas as áreas da comunicação e da informação.

Isso é o  básico se se quer entender por que a comunicação — se desejamos que ela tenha grande alcance — falha ou não.

Esse é o dilema, um dos, do atual governo Lula: a comunicação. Ou melhor, o alcance dela, como já dito.

A comunicação da chamada extrema direita é altamente eficiente, a ponto de ofuscar qualquer coisa de boa que aconteça na esfera oposta. Quem está numa "bolha" comunicacional é a esquerda, dado que não consegue alcance na sociedade. Em todas as áreas, os temas devem ser tratados com cuidado, pois a esquerda não consegue sequer diálogo com grupos de ideias opostas. A esfera pública está contaminada de ideias retrógradas e defesa contra qualquer outro tipo que lhe seja exógeno. E qual o segredo da extrema direita ou mesmo da direita? A hegemonia de suas ideias... uma resposta rápida e irrefletida. Sempre ouço isto. Mas como ela se deu? Como se construiu? Com o aumento do conservadorismo. Outra resposta rápida. Mas é preciso explicá-lo, claro, e isso é mais demorado. Mas para agirmos mais rápido nisso basta entender que esse recente conservadorismo crescente é artificial, construído. Sim, possui base social, é possível explicá-lo historicamente —  mas é perfeitamente possível refreá-lo. E quiçá invertê-lo.

 

Até aqui quero asseverar alguns pontos:

 

1 - Se quisermos discutir sobre a qualidade da informação não é na comunicação que devemos nos deter;

2 - A qualidade da informação é importante para o campo da esquerda, mas seu alcance, em termos quantitativos é fundamental;

3 - Se quisermos um grande alcance em nossa comunicação é preciso se deter nos mecanismos e métodos da comunicação — e isso depende de nós, os transmissores;

 

Viralização da informação.

Já se disse acima que a direita (ou extrema direita, pouco importa) consegue uma eficiente comunicação, pois conseguiu, faz muito tempo, "furar a bolha", atingindo amplos setores sociais. E conseguiram isso com a viralização da informação por meio das redes sociais, em especial o WhatsApp e o Telegram. Há outros dispositivos, que cabem um no outro: o TikTok, por exemplo, com vídeos curtos. A viralização permite produção orgânica e eficiente desses vídeos curtos. Grupos são formados em forma de pirâmides, por isso seu alcance é formidável. A modulação de comportamentos na rede é outra variável e isso depende dos agentes acima na pirâmide — os transmissores principais. A forma de pirâmide é fundamental, pois é ela que determina seu espalhamento. Há muitos outros conceitos envolvidos nessa forma comunicacional, mas não é o caso de discuti-los aqui.

Que tenha a ver isso com Steve Banon ou o Gabinete do Ódio, pouco importa agora. Isso já deveria estar assente. Estamos no mínimo dez anos atrasados. O que importa é: como vamos fazer viralizar nossa informação? Que meio de comunicação empregaremos? Qual atende aos nossos objetivos, se estes não forem modestos demais? Chega de falar na qualidade da informação. Nós já a possuímos. O podcast do Lula é muito bom. A produção de vídeos na ala esquerda é boa. Mas não podemos esperar que apenas a qualidade, em si, adquira moto contínuo — isso é uma crença quase religiosa de que o bem triunfa, independente da vontade dos seres. Temos a qualidade, temos os meios. Suficientes? Falta essa reflexão aos agentes encarregados da comunicação no governo. Que empreguemos todos os meios, inclusive redes sociais, não de maneira passiva, isso deveria estar mais que consolidado nas posições da esquerda. Não basta dizer: "eles são muito fortes nas redes sociais...". Temos que descobrir COMO fazem isso, independente das razões porque fazem. Se temos que ocupar as ruas e os espaços novamente, ora, isso é um truísmo. Aqui também devemos pensar numa estratégia do COMO e não apenas ficar se lamentando. E se algum dia conseguirmos novamente ocupar os espaços novamente talvez não precisemos depender tanto das redes sociais. Ou talvez as empreguemos de uma outra forma, mais produtiva, não apenas para fazer política — pois este é o ponto agora: fazer política, espalhar nossas ideias políticas. Na minha modestíssima opinião — e isso é mais uma posição que uma opinião — devemos por primeiro imitar os nossos opositores. Em alguns pontos no conteúdo, noutros, na maioria, na forma. E não é preciso recuar um milímetro em nossos ideais mais caros. Temos é que transmiti-los bem, dentro daquilo que circunscrevi acima. 

Fontes:

COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

SOUZA, Joyce; AVELINO, Rodolfo; SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. (org.) A sociedade de controle. Manipulação e modulação nas redes digitais. São Paulo: Hedra, 2018

 

 

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