JEAN-CLAUDE CARRIÈRE
O CÍRCULO DOS MENTIROSOS. Contos Filosóficos do Mundo Inteiro. Ed. Codex.
Crítica do Livro
Reunião de histórias
do mundo inteiro, como diz o título. Carrière reúne contos, fábulas, pequenas
histórias e até anedotas com "sabor filosófico", isto é, que
contenham uma sabedoria, um "sentido oculto". Estas histórias, na
maior parte delas, não possuem um significado imediato, por isso são
filosóficas. O autor fez questão de selecionar os contos sob este critério,
pois:
"A história popular, contada ao pé do ouvido,
sem nome de autor, não tem essa ambição a uma solidez." (p.11)
Portanto, as
histórias não trazem uma solução para problemas específicos. São abertas,
atemporais; e muitas e mesmas histórias perpassam várias culturas, sendo
contada de modo ligeiramente diferente e adaptada. Mas a mensagem, ou melhor -
o ensinamento, é basicamente o mesmo. Ensinamento, pois, não há uma mensagem
explícita: o leitor é convidado a refletir, a procurar significados.
O autor ainda
assinala que a reunião não contém histórias míticas. Por falta de espaço e por
acomodação do relato - preferiu histórias curtas. Histórias mitológicas, contos
de fadas, relatos fantásticos, são geralmente mais longos e mais obscuros. O
autor preferiu com um conjunto de fábulas e contos populares curtos.
Também eliminou
provérbios, por este apresentarem uma moralidade fácil e explícita. Assim, o
livro representa uma criteriosa seleção de histórias que expressam a
inquietação, reflexões sobre o tempo, sobre a arte de viver. São histórias sem
autoria específica, e no mais das vezes pertencentes a diversas culturas,
reaparecendo apenas com uma "roupa diferente". Portanto, não há uma
realidade específica. São atemporais e situam-se num espaço vago da imaginação.
O autor faz questão de frisar que também baniu toda erudição que pudesse
exercer classificação ou catalogação, tirando o sabor da história,
evidentemente.
No entanto, o
conjunto é reunido sob uma sugestão de reflexão, como podemos observar pelo
índice, indicando o teor das histórias. A seguir indico alguns exemplos :
I - O Mundo é o que
é
II -O Mundo não é o
que é
III- Se tudo talvez
não passe de um sonho, que é aquele que dorme?
...
VIII - Um bom mestre
pode ser útil ou inútil
...
X - Dá para ver que
são muitas as armadilhas deixadas no
caminho da lógica
XI - A justiça é
nossa invenção hesitante
...
XV - Rir talvez seja
um fim em si mesmo
...
XVII - O tempo é
nosso senhor: podemos brincar com o nosso senhor?
XVIII - Se nada pode
ser separado, o além estaria em nós mesmos?
XIX - A verdade, e
daí?
...
Eu destacaria, no
geral, os contos de filosofia Zen. São os que mais obedecem - no meu
entendimento - ao critério do autor: são abertos, de significado amplo. São
histórias que ajudam a viver, isto é, contribuem para a vida no mundo. Muitas
delas também no sentido de ajudar a morrer - isto é, aceitar a morte. A maior
parte delas são divertidas, pois:
"Aquele que ri aceita com mais facilidade o
inaceitável e mesmo algo de insolente e obscuro." (p.16)
O leitor poderá
encontrar um personagem que atravessa muitas e muitas histórias: Nasreddin
Hodja. Vem do Oriente Médio, mas suas histórias são contadas por toda a parte,
inclusive na tradição judaica.
Mas há de tudo um
pouco. Até mesmo reflexões sobre o uso de nossa linguagem, que nos induzem a
armadilhas e contradições.
Enfim, são histórias
de Luz, apesar do formato metafórico e muitas vezes alegórico. São histórias
saborosas, antiquíssimas, que:
"...permanece em nós todos os dias e nos leva a
agir." (p.16).
Ao final do livro há
uma indicação bibliográfica, mas como diz o autor, são apenas algumas pistas
para uma "bibliografia impossível". "Mil e uma Noites" está
indicado, além de uma vasta bibliografia em língua francesa, nacionalidade do
autor.
Por fim, justifica
que não transcreveu literalmente nenhum relato, pois:
"O guarda-chuva é seu, mas a chuva é de todo
mundo." (p.419)
Jean-Claude Carrière
trabalhou como roteirista de Luís Buñuel, além de dramaturgo e romancista.
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