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domingo, 13 de outubro de 2024

Theodor W. Adorno, “Estudos sobre a personalidade autoritária”, publicado em 1950 - Ou Como compreender a disposição da subjetividade ao fascismo

Theodor W. Adorno, “Estudos sobre a personalidade autoritária”, publicado em 1950.

Ou Como compreender a disposição da subjetividade ao fascismo

 

The Authoritarian Personality, conhecido entre nós como Estudos sobre a personalidade autoritária, originalmente publicado em 1950, mas advindo de estudos de mais de uma década, onde contamos com os Estudos sobre autoridade e família, de Horkeimer e Adorno – é o resultado de um esforço para se entender o fenômeno do fascismo em sua subjetividade, isto é, como e por qual razão os indivíduos aderem às ideias fascistas e, ainda mais, tornam-se veículos de tais  ideais, posto que no limite podem alavancar e se comprometer com as ações fascistas. Compreendendo assim que o fascismo não é um acontecimento localizado e restrito a um momento histórico.

O estudo envolveu trabalho empírico-quantitativo, por meio de pesquisa de campo (com entrevistas e questionários), onde tenta se comprovar a hipótese de que o fascismo pode encontrar uma disposição na psique da população — o medidor é uma denominada "Escala F", comportando muitas variantes, onde teríamos um indicador do quanto alguém é suscetível a concordar com mensagens autoritárias.

Há uma indagação de fundo que é importante descrever, por meio da seguinte formulação: por quê o fascismo torna-se possível dentro de uma sociedade tecnológica num tempo em que os valores democráticos são apresentados de forma geral como sendo importantes? Este estudo foi realizado nos EUA, em Berkeley, na Califórnia, chefiado por Adorno enquanto esteve lá, compondo uma equipe de estudiosos e entre eles o próprio Horkeimer, que conjuntamente cuidavam da parte de psicologia do projeto. Portanto, numa sociedade que aparentava ou se apresentava como democrática.

 

O resultado de então foi que os entrevistados eram não apenas suscetíveis às mensagens autoritárias, mas muitos apresentavam alto nível de concordância com a tal escala F (F de fascismo). Essa disposição não é gratuita: é anteriormente "trabalhada", ou seja, operada pelos meios de comunicação de massa cuja propaganda antidemocrática é difusa, a malgrado de ambiguamente afirmarem a democracia. Isso já estava demonstrado no texto "Teoria da Propaganda Fascista", do mesmo Adorno. Mas não só isso. As relações cotidianas já não são democráticas ou democratizadas, reflexo do ambiente político, social e econômico — e, portanto, contribuem assim para a formação de uma personalidade autoritária.

 

Não foi um estudo simples. Além da escala F havia também outras, envolvendo também questionários: AS – Antissemitismo; E – Etnocentrismo; PEC – Conservadorismo Político-Econômico, envolvendo questões projetivas, entrevista ideológica, clínica e teste de apercepção temática (TAT). Portanto, um amplo espectro visando cercar o problema por meio de pontuações e avaliações dos entrevistadores. Os itens são implícitos, não tocando no assunto diretamente para se evitar indução, ou seja, uma forma de mensurar o quanto a indústria cultural (mídia e atividade cultural) está presente na veiculação de ideologia e propaganda autoritária.

Além desse breve relato sobre metodologia, eu gostaria de mencionar que Adorno faz comparações qualitativas das opiniões entre os grupos e entre os indivíduos, sempre oferecendo uma explicação psicologizante (dado que as características formam uma “síndrome”). Os entrevistados diferem em pontuação nas escalas e desenvolvem formas variadas de preconceito – seja contra minorias, seja contra a política, seja contra Roosevelt e o New Deal, que então estava em pleno andamento e funcionando de forma razoável.

 

A publicação e a recepção da obra. O estudo de Adorno, junto aos seus colaboradores, é coerente com a crítica imanente derivada de seus trabalhos anteriores e em especial com Dialética do Esclarecimento, concluído em 1947 e com os estudos oriundos de Freud. No ano da publicação dos “Estudos”, 1950, Adorno retornava a Frankfurt. Continuaria seu trabalho no antigo Instituto de Pesquisa Social (mais conhecido entre nós como “Escola de Frankfurt”). A Teoria Crítica da Sociedade, cujo molde primordial era a crítica da sociedade tecnológica capitalista, ainda ganharia grande fôlego, com publicações importantes as quais Adorno daria contribuição decisiva.

É preciso dizer que não obstante a grande importância de The Authoritarian Personality, a obra publicada ficou um pouco esquecida, sendo apenas mencionada nos meios acadêmicos e sendo republicada, nos EUA, apenas nos anos 1990. E no Brasil suas principais partes apenas recentemente (2019), pela Editora Unesp. Os motivos pelos quais isso ocorreu ainda deveriam ser discutidos, como fazendo parte, em meu entendimento, do próprio problema do fascismo e da memória histórica.  

 

Aspectos gerais do estudo. A relação entre personalidade individual e comportamento social é complexa. O tipo autoritário de homem “...parece combinar as ideias e habilidades típicas de uma sociedade altamente industrializada com crenças irracionais ou antirracionais.” (p.29). Afirma Horkeimer na introdução da obra, ou seja: há uma ambivalência aqui que precisa ser explicada, pois é este indivíduo que será propenso às ideias e atividades fascistas e/ou antidemocráticas. O grupo de estudo, incluindo Adorno, evidentemente, entendia que só assim poderíamos obter elementos orientadores para uma educação democrática. Isso me parece o mais importante, pois nos fornece base teórica para a ação antifascista e democrática.

A investigação sobre antissemitismo (AS), por exemplo, incluído no estudo, seria um ponto de partida para o estudo do preconceito em geral e o preconceito contra minorias. De fato, pelo observado, as opiniões antissemitas dos entrevistados compunham a mesma base contra outras “minorias”, a saber, os negros e os imigrantes. Trata-se de um construto, onde o outro é perfilado como “feio”, “sujo”, “malvado”, etc. Podendo envolver até características também aparentemente positivas, tais como “inteligente”, mas que se voltam contra as características do in group  e se revelam, ao final, negativas. Há sempre uma “ameaça à civilização” na base destas convicções, daí a relação com o etnocentrismo (escala E). Isso pode parecer uma não novidade para nós. Mas o estudo é de 1950! Então deveríamos talvez aprender um pouco mais.

Classes sociais. Um dos investigadores no estudo, Daniel J. Levinson, alerta para um importante fato: não há uma relação simples entre pertencimento a classes sociais e o preconceito em geral e o conservadorismo. Portanto, não há uma relação necessária entre ideologia e classe social. E nem mesmo com a faixa etária. Mais uma vez, isso não nos parece ser uma novidade, mas auxilia na compreensão do “pobre de direita” – em termos mais específicos: como os indivíduos tendem a adotar ideologias que vão contra seus próprios interesses.

Perfil psicológico e o ambiente social. O estudo é apoiado fortemente em Freud. Possui um mérito excepcional ao tentar dar explicações que reúnam ao mesmo tempo as estruturas materiais da sociedade e as forças da personalidade individual — pulsões, desejos, impulsos emocionais, etc.

“Há necessidades emocionais primitivas, há necessidade de se evitar a punição e conservar a boa vontade do grupo social, há necessidades de se manter a harmonia e a integração dentro de si [self]” (p.79)

A personalidade exige essa organização de necessidades e, sendo assim, pode determinar preferências ideológicas que, claro, são dinâmicas. Importantíssimo dizer ainda que:

“... a personalidade se desenvolve sob o impacto do ambiente social e nunca pode ser isolada da totalidade social dentro do qual ela existe.” (p.80)

A personalidade se estrutura assim dentro desse ambiente e é capaz, plenamente, de ação. Não há nada de inato, “básico” ou “racial” dentro dessa estrutura psíquica. A personalidade é um potencial, mais ou menos estruturada e permanente da psique, que reivindica prontidão para um comportamento. Este, que estará de acordo, embora de forma contraditória ou padronizada, com os estímulos do ambiente social. É aqui que entra a propaganda fascista e/ou antidemocrática. E é evidente que isso decorre de interesses muito bem estabelecidos, econômicos e de poder. E certamente imerso em um ambiente propício: crise ou instabilidade.

“(...) O fascismo, a fim de ser bem-sucedido como um movimento político, precisa ter uma massa como base. Ele precisa assegurar não apenas a submissão temerosa, mas a cooperação ativa da grande maioria das pessoas. Uma vez que, por sua natureza mesma, ele favorece poucos à custa de muitos, não tem como demonstrar que irá melhorar a situação da maioria das pessoas a ponto de seus interesses serem atendidos. Ele precisa, portanto, fazer apelo, acima de tudo, não ao autointeresse racional, mas às necessidades emocionais — frequentemente aos medos e desejos mais primitivos e irracionais.” (ADORNO, 2019 p.88)

Se esses potenciais emocionais antidemocráticos já existem no meio social, a propaganda fascista torna-se mais fácil. E é aqui que entra em cena o papel da mídia, da imprensa escrita, auditiva, televisiva e... redes sociais!! Esta última merece um capítulo à parte, pois possui “poderes ocultos” que operam na personalidade de modo incisivo e eficaz. Mas esta parte quero dizer o mínimo, dado que envolve teorias da linguagem e semiótica.

 

Construção ou síndrome edípica. Não é nosso interesse fazer uma descrição exaustiva das teses de Freud, que entre outros estudos, também escreveu sobre os movimentos de massas. Importante aqui recordar algo do Complexo de Édipo para relacionarmos melhor com o tipo autoritário e o mecanismo psíquico envolvido.

Segundo Freud, o futuro psicológico da personalidade do indivíduo depende da relação com os pais. Aqui nos interessa a internalização no supereu no que diz respeito à autoridade e que nos remete à identificação, como uma resposta ao complexo na economia libidinal. Segundo o próprio Adorno:

A identificação é a expressão mais primitiva de uma ligação emocional com outra pessoa, desempenhando um papel na história inicial complexo de Édipo. Pode bem ser que este componente pré-edipiano da identificação ajude a provocar a separação da imagem do líder como a de um pai primitivo todo poderoso, da imagem paterna real. Uma vez que a identificação da criança com seu pai como uma resposta para o complexo de Édipo é apenas um fenômeno secundário, a regressão infantil pode ir além desta imagem paterna e por um processo anaclítico alcançar uma mais arcaica. Além disso, o aspecto primitivamente narcisista da identificação como um ato de devorar, de tornar o objeto amado parte de si mesmo, pode nos fornecer uma pista para o fato de que a imagem do líder moderno às vezes parece ser mais a ampliação da própria personalidade do sujeito, uma projeção coletiva de si mesmo, do que a imagem de um pai cujo papel durante as fases tardias da infância do sujeito pode bem ter diminuído na sociedade atual. (ADORNO, 2015 p.167/8).

 

Dada essa exposição, é muito fácil se desviar para um argumento de individualização: o sujeito autoritário é aquele que resolveu mal a internalização da autoridade devido a pertencer a uma família desajustada, cujos pais falharam na educação. É a explicação mais usual e insuficiente, que tenta justificar a existência de um líder cuja loucura seduz as massas. O intuito de todo os Estudos é justamente o contrário: as massas seguem o líder não porque foram simplesmente “seduzidas”, mas porque se identificam com ele. A família se orienta e evolui dentro de um ambiente social, educacional e econômico, onde as interações vão ser complexas — em outros termos, a família não é uma unidade isolada, onde o indivíduo dá respostas aos estímulos apenas dentro desse ambiente. Em uma sociedade narcísica as respostas serão por meio da identificação narcísica — a figura do pai, por exemplo, poderá ser externalizada na de um líder do tipo autoritário (projeção narcísica). Assim (grifo meu):

“O supereu, que deveria se comportar como uma obrigação impessoal e sublimada no interior do indivíduo, acaba, no entanto, “repersonalizado” em outra figura externa de liderança que substitui a autoridade familiar. Tal pessoa será escolhida pela filiação inconsciente com as características dos pais típicos dos mais preconceituosos, a saber, aquele que reproduz no interior da família os valores e exigências do capitalismo: fomentando a obediência pelo medo e intimidação...  reforçará o status quo econômico-social e culturalmente já dominante, prometerá bens materiais por recompensas morais, em suma, baseará seus argumentos não em conclusões racionais, mas em moralismos de fachada, manipulação de ódio e agressividade...” (COSTA, 2020 p.9)

Em outras palavras, a internalização da lei no supereu, que poderia levar o indivíduo a uma solução de autonomia, pelo contrário, pode, por estes motivos expostos, conduzir uma personalidade de um sectarismo cego e no limite violento e agressivo.  

  

Constituintes do ideário político.

Ignorância e confusão. Ambiente de confusão. Segundo o estudo, há uma ignorância geral em relação às complexidades da sociedade contemporânea, que por sua vez contribui para um estado de incerteza e angústia. Há muitos fatores que contribuem para isso. Materialmente, estas condições são mantidas e reforçadas por “poderosas” forças econômicas que, com ou sem intenção, mantêm as pessoas ignorantes. Os autores falam em “manipulação”, mas não aprofundam o tema. Só podemos depreender que naquele tempo jornais e outras mídias já embaralhavam o cenário político e social; o que aliás é coerente com o restante do estudo, no que diz respeito à propaganda fascista e antidemocrática que os autores analisam. Por seu turno, há os fatores subjetivos. A estupidez é mantida pelo próprio indivíduo a fim de não minar seu próprio padrão de identificação. Há fatores idiossincráticos da própria sociedade: um utilitarismo que visa apenas a sua satisfação e sucesso individual, alheando-se da política – embora isso não o constrinja de ter opiniões políticas. A política não é vista como algo que possa promover objetivos individuais. Os autores descrevem uma particularidade interessante neste capítulo e está relacionada à indústria cultural: notícias são vistas como entretenimento e misturam-se com os programas propriamente de entretenimento. Buscar um conhecimento aprofundado não combina com essa natureza da cultura. Sim, estamos ainda nos anos 1940...

 

Pensamento de ticket. Personalização da política. Os autores dedicam longas páginas somente a este item. Vamos dar um resumo, para que esta resenha não se prolongue demais. Pensamento de ticket é aceitar (muito facilmente) um bloco de ideias, sejam elas de qualquer área, e constar tudo como verdade, sem aprofundamento e na maior parte calcadas na estereotipia. Especialmente quando diz respeito a minorias: negros, judeus, imigrantes. E atinge indivíduos pontuados altos ou baixos em qualquer escala.

A personalização parece ser uma característica de longa data em nossas democracias. Campanhas políticas são fortemente personalizadas, exaltando mais o candidato que o partido ou o programa político. Conhecer alguém, falar sobre alguém é menos complicado que abordar questões. O jogo começa a ficar perigoso aqui quando aparece um candidato que atinge o supereu punitivo do indivíduo, isto é, entra em cena a identificação e projeção num candidato autoritário.

Enfim, vale a pena acompanhar uma pequena conclusão dos autores:

“...processos sociais cada vez mais anônimos e opacos dificultam cada vez mais a integração da esfera limitada da experiência de vida pessoal com a dinâmica social objetiva. A alienação social é ocultada por um fenômeno superficial em que o próprio oposto está sendo enfatizado: a personalização de atitudes e hábitos políticos oferece uma compensação pela desumanização da esfera social que se encontra subjacente à maioria das queixas de hoje. Como cada vez menos se depende realmente da espontaneidade individual em nossa organização política e social, mais as pessoas tendem a se apegar a ideia de que o home é tudo e a buscar um substituto para sua própria impotência social na suposta onipotência de grandes personalidades.” (ADORNO, 2019 p.370)

Há outros itens neste capítulo. Gostaria de destacar apenas mais um, que diz respeito a Franklin Roosevelt. Nele está concentrado o denominado “complexo de usurpação”. Trata-se de um sentimento de que ali não está o homem certo para governar, por vários motivos: “é negociante de guerra”, “comunista”, “internacionalista”, “não sabe lidar com dinheiro”, “esnobe”, “decrépito”, estão entre os qualificadores mais comuns. As justificativas são descritas nas próprias respostas — que em geral também associam o político à pessoa. Ou seja, não há separação de um e de outro. Então comunista porque dá dinheiro aos pobres, que deveriam trabalhar, em vez de receber ajuda do governo (como no caso brasileiro, o “bolsa família”); negociante de guerra e internacionalista porque tratou da paz nos encontros em Yalta; não sabe lidar com dinheiro e esnobe, porque “nasceu em berço de ouro” (FDR nasceu em família rica) e agora distribui dinheiro; decrépito porque está doente e velho — esse aspecto pessoal é associado ao New Deal, por atribuição semiótica, claro. Então todo o governo é decrépito. Os de pontuação baixa nas escalas tendem a ver aspectos positivos no governo de Roosevelt, mas não conseguem escapar a todos os estereótipos, tal como achar que o presidente era velho demais e o país necessita de alguém jovem. Alguma coincidência? Estamos nos anos 1930 ainda...

Outras opiniões correlatas. Os autores alertam que muitas afirmações dos entrevistados  não estão, de forma geral, confinadas a nenhum grupo em particular, sejam altos ou baixos pontuadores. Então por exemplo, extrapolando: burocratas e políticos: “ninguém presta”, “a política é suja”. Política e políticos são mal vistos de forma geral. E pelo visto, ainda hoje...

Vejamos outras afirmações dos entrevistados.

Realismo: é preciso ser “realista”, nenhuma utopia é válida, dado que a vida é dura. Outro determinante relacionado a este pensamento é o medo. Medo de mudança, do que poderia advir de uma realização utópica. Há uma grande ambiguidade aqui: tudo deveria ser mudado, mas a “realidade” é o que é (considerada como um dado da Natureza). O que leva o sujeito a uma atitude cínica: “deixe o mundo como está”.

Sem piedade dos pobres. Esse é um tópico, um dos poucos, que está mais confinado aos altos pontuadores. Possui sua contraparte na admiração dos ricos e dos bem-sucedidos. Esta característica é importante segundo os autores porque vai um forte elemento justificador de ações violentas em situações críticas, pois:

“...lança luz sobre a atitude potencial dos altos pontuadores em relação a possíveis vítimas do fascismo em situação crítica. Aqueles que mentalmente humilham os que já são, de qualquer forma, espezinhados são mais do que propensos a reagir da mesma maneira quando um outgroup estiver sendo ‘liquidado’.” (ADORNO, 2019 p.428)

Essa simpatia para com os ricos está relacionada com determinantes sociológicos: expectativa de ascensão social, visão de um mundo de competição, onde a pessoa vale pelo que pode conquistar. Mas há também os motivos psicológicos: projeção da punição que receberam, quando ainda criança ou jovem, pela própria compaixão pelos pobres (a criança, em geral, não gosta de ver o sofrimento alheio). Junto a isso, a educação recebida, de forma punitiva, pelos pais; a sociedade por sua vez responsabiliza os pobres mesmos pela sua própria pobreza e isso é internalizado pelo supereu de uma forma autoritária e que vai projetar para fora também numa figura autoritária.

No último capítulo do livro e também do estudo, os autores descrevem e discutem características tipológicas dos indivíduos — que eles chamam de “síndromes”, em altos e baixos pontuadores. A mais importante ou mais relevante para o nosso tema é a “síndrome autoritária”, que segue o

“...padrão psicanalítico clássico que envolve uma resolução sadomasoquista do complexo de Édipo... a repressão social externa é concomitante com a repressão interna dos impulsos. (...) O sujeito alcança seu próprio ajuste social apenas sentindo prazer na obediência e na subordinação. Isso traz à tona a estrutura de impulsos sadomasoquistas (...) O ódio resultante contra o pai é transformado, por uma formação reativa, em amor. Essa transformação leva a uma categoria particular de supereu. A transformação de ódio em amor... nunca é completamente bem-sucedida. Na psicodinâmica do ‘caráter autoritário’, parte da agressividade precedente é absorvida e transformada em masoquismo, enquanto outra parte é deixada ao sadismo, que busca uma saída em direção àqueles com quem o sujeito não se identifica: em última instância o outgroup.” (ADORNO, 2019 p.544)

O autoritário desenvolve traços de compulsividade, rigidez e prontidão para atacar aqueles que são considerados (socialmente) como “vítimas”.  É bom lembrar: este sujeito independe de classe social. Na Europa era um fenômeno de classe média-baixa. Aqui, nos EUA daquele tempo, em qualquer classe cujo status difere daquele ao qual aspiram. Em outros termos e traduzindo: não há uma relação necessária entre status social e desenvolvimento de uma síndrome autoritária, a depreender por esse estudo.

A tipologia autoritária pode ser resumida nestas variáveis (Adorno, 2019 p.135):

a)       Convencionalismo: adesão rígida a valores convencionais, de classe média [considerados em termos médios, mas que podem ser adotados por qualquer classe];

b)      Submissão autoritária: atitude submissa, acrítica a autoridades morais idealizadas do ingroup;

c)       Agressão autoritária: tendência a vigiar e condenar, rejeitar e punir pessoas que violam os valores convencionais;

d)      Anti-intracepção: oposição ao subjetivo, ao imaginativo, a um espírito compassivo;

e)      Superstição e estereotipia: crença em determinantes místicos do destino individual; disposição a pensar por meio de categorias rígidas;

f)        Poder e “dureza”: preocupação com a dimensão de dominação-submissão, forte-fraco, líder-seguidor; identificação com figuras de poder; ênfase excessiva nos atributos convencionalizados do eu; asserção exagerada de força e dureza [a vida é dura e é preciso ser duro com tudo e com todos];

g)       Destrutividade e cinismo: hostilidade generalizada, desprezo pelo humano [e pelo sofrimento humano, em geral: normalização do tipo “acontece...”];

h)      Projetividade: a disposição para acreditar que coisas tresloucadas e perigosas acontecem no mundo; projeção para fora de impulsos emocionais inconscientes;

i)        Sexualismo: preocupação exagerada com “eventos” sexuais [e comportamentos sexuais no outgroup].

 

Uma palavra sobre religião.

Ao tempo da pesquisa a religião não refletia essa importância que ganhou nos dias de hoje. O evangelismo moderno, televisivo, que ganhou proeminência nos EUA nos 1970 e que se irradiou pelo mundo, ainda não estava no horizonte dos fiéis. Nem da política.

Os próprios autores constatam que, naquele momento, a religião era secundária na vida e na opinião das pessoas. Ora considerada como um meio utilitarista, na realização de metas, ora como meio subjetivo de tranquilizar a consciência. Não impedia que pastores e ex-pastores de igrejas atuassem na disseminação de propaganda fascista. Apesar disso, e a despeito da religião desencantada, observam os autores que ela atua como um resíduo, conservando-se na base moral individual e servindo como justificativa de opiniões mais conservadoras e de alguma forma até antidemocráticas, mas não tão essencial para escala F, a tendência ao fascismo – pois neste há uma tendência a acolher a religião como uma agência, entre outras, num eu cindido.

Em resumo, havia uma tendência de adotar a religião convencionalizada e como parte do status quo. 

 

Para o Brasil.

Importantíssimo estudo para nós brasileiros, mas não só, onde o fascismo (propensão ao ou in facto) vem crescendo há algum tempo. Caracteres antidemocráticos e autoritários já se abrigavam no perfil psicológico e comportamental do brasileiro. Portanto, encontramos uma predisposição positiva na população quando agentes políticos autoritários se oferecem na cena pública, pois são estes que vendem a ideia de que podem resolver os problemas nacionais, opondo-se ao governo ou à política (apresentando-se como antissistema), ainda que a evolução econômica se mostre favorável ou ainda que haja otimismo de melhora futura.

As raízes dessa disposição podemos identificar em nossa própria formação histórica: escravista, patriarcal, fortemente inclinada à punição física. Esse traço é marcante, enquanto sociedade colonial, nas classes aristocráticas, na figura do pai de família e senhor de terras. O fim da escravidão, o fim de um sistema colonial clássico, não contribuíram decisivamente para um outro perfil social — podemos dizer que se mantiveram como fatores de “longa duração” (nos termos empregados por Braudel) na mentalidade e psique brasileira, onde as soluções para os problemas sociais, políticos e até mesmo econômicos são associados à força, autoridade, punição exemplar e até justiçamento. Uma recapitulação recente desse nosso panorama social, que podemos aqui indicar, muito bom em termos de síntese, é o de Lilia Schwarcz, “Sobre o autoritarismo brasileiro”; onde a autora descreve como o Estado Moderno brasileiro vai se erigir nestas bases autoritárias -- infelizmente. Daí explicando também o forte militarismo que envolve nossas instituições, pois a República não modifica substancialmente o quadro econômico-social: o fato de a República ser fundada em bases militares vai ao encontro dessas permanências autoritárias.

O que muda, ou melhor, evolui num sentido de acentuamento desse traço é o desenvolvimento da própria sociedade em bases modernizadas. “Somos modernizados, não modernos”, já afirmava um grande economista. O traço autoritário vai se tornar um fenômeno de massas na sociedade modernizada. Daí que a figura autoritária independe do status social, tanto do líder quanto do seguidor. Estou fazendo sínteses que, evidente, merecem maiores estudos sociológicos. Mas estes não faltam. O que falta é uma maior difusão e aprofundamento de estudos tais como o de Adorno, com pesquisa de campo e envolvendo também investigação do perfil psicológico. O que seria perfeitamente válido para nós na medida em que poderíamos compreender tanto os fatores sociais e econômicos quanto subjetivos e a relação íntima dessas associações. Entender as aspirações de classe em termos ideológicos e psicossociais é essencial para entender o fenômeno do “pobre de direita” — que precisa, sim, ser explicado, a despeito da carga pejorativa que carrega. Mas esta nos remete justamente à questão proposta nos Estudos sobre a personalidade autoritária: como entender a tendência autoritária, o fascismo, o preconceito, o antissemitismo, nas sociedades modernas, tecnológicas, que se apresentam como democráticas, abertas, plurais...

 

Em nosso caso brasileiro a disposição autoritária – em sua forma mais recente, podemos afirmar com certa segurança – foi despertada no âmbito da Lava-Jato e da Guerra Híbrida, a partir da segunda década do século, fenômeno bastante visível a partir das manifestações de 2013. Esse foi o "ovo da serpente", digamos assim. Se quisermos ir mais longe, talvez tenhamos que regredir ao tempo do "mensalão", ainda no primeiro mandato de Lula, tempo em que a mídia operou incessantemente não apenas contra o PT, mas de forma oportuna contra as pautas de esquerda. E não só isso. Contra qualquer pauta que de certa forma democratizasse o cotidiano – como as pautas distributivas e compensatórias, por exemplo. Mas a sociedade brasileira já não era autoritária e conservadora? Sim, como demonstra Lilia Schwarz, na obra já mencionada; ocorre que esses caracteres, de longa duração, foram ainda mais acentuados pelo trabalho da mídia, como já dissemos, e estendendo ainda mais a cronologia, vem desde o início deste século, a partir do primeiro mandato de Lula. E agora temos as mídias de internet, redes sociais e aplicativos (não vamos esquecer do tik tok), que elevaram ao paroxismo a tendência autoritária na população. Não por acaso estamos sempre à beira de um fascismo maior, com candidatos cada vez mais de caráter autoritário.

 

Em síntese e algumas conclusões

Como dissemos, o estudo ocupou-se de entender o fascismo e autoritarismo em sua dimensão social e psicológica e resultando, enfim, numa tipologia antropológica que é o do autoritário. A preocupação maior foi com o indivíduo potencialmente fascista e sujeito à propaganda antidemocrática. Evidente que todos os traços desse perfil vão se concentrar em poucas figuras, casos extremos. Toda tipologia é ideal e somente a realidade empírica demonstrará sua verdade. No caso dos Estudos, ao tempo em que foi realizado, concluiu-se que o caráter autoritário estava disseminado de forma difusa nas pessoas pesquisadas e em contradição com uma sociedade que  se apresentava e que se enxergava como democrática, plural e tolerante. Em contradição também com o ambiente do New Deal, que em seus esforços procurava recuperar a economia — e de fato estava sendo mais ou menos bem sucedido. Outro “achado” que podemos encontrar nos Estudos é que o preconceito, o etnocentrismo e outros comportamentos conservadores, não dependiam diretamente da classe social, sua origem ou nível instrução. Estava difusa; o que nos leva a compreender por que a sociedade moderna é permeável aos discursos antidemocráticos e autoritários. As razões estariam nos dois níveis inseparáveis: social e subjetivo. No primeiro plano porque a sociedade não é democrática ou não é suficientemente democrática ou ainda que se apresente como tal, não desenvolveu atitudes e costumes democráticos em seu cotidiano. No segundo plano, subjetivo, cuja interação com o plano social é dialética, desenvolve-se um conflito edípico cuja solução será a projeção e identificação com o caráter, o comportamento e o líder autoritário. O impulso autoritário, no limite a violência, decorre daqui.  A interação é dinâmica, reforçadora uma da outra. Em termos: o sujeito é submetido a fatores sociológicos e ideológicos que vão influenciar suas agências (agencies), isto é, sua capacidade de operar no mundo, de acordo com essa personalidade resultante. Entendamos: o autoritário está aí e age no mundo.

Adorno, em algumas passagens, atenta para o fato de que o ambiente geral em que ocorrem todas essas interações é o do capitalismo e suas bases materiais em que se desenvolve a sociabilidade humana.

Se esse estudo pode nos ensinar algo é o seguinte: se quisermos uma sociedade democrática, não autoritária e não fascista, temos que lutar para democratização de nossas instituições de Estado e, para além disso, de nosso cotidiano. O que nos leva a encarar o antidemocratismo  também das instituições privadas: a começar pela imprensa, seja escrita, televisiva, auditiva ou digital. Mídia. E por último, mas ao mesmo tempo, no plano da família. É nela que se dá e se resolve o plano edípico e a organização da personalidade.

Por onde e como começar? Isso é plano para outro artigo. Importa saber por enquanto ninguém está imune ao fascismo da forma em que se exerce atualmente, cujas características são distintas das do histórico em alguns pontos, muito semelhantes em outros, mas psicológica e socialmente de mesma ordem.

 

Bibliografia comentada.

 

ADORNO, Theodor W. Estudos sobre a personalidade autoritária. Trad. Virgínia Helena Ferreira Costa e outros. São Paulo: Editora Unesp, 2019.

Importante destacar os coautores que trabalharam nessa pesquisa: Else Frenkel-Brunswik, Daniel J. Levinson e R. Nevitt Sanford. Como dissemos, uma importante obra que aqui ficou inédita até 2019 e nos EUA só foi republicada em 1992. Só relatório da pesquisa, em si, possui mais de mil páginas. A presente obra é um resumo, mas bastante detalhada em alguns aspectos.

 

ADORNO, Theodor W. “Teoria Freudiana e o Padrão da Propaganda Fascista” in: Ensaios sobre psicologia social e psicanálise. São Paulo: Editora Unesp, 2015.

Este é o importante ensaio que deve ser lido conjuntamente à obra dos Estudos, agrega conhecimentos da psicologia freudiana, fundamentais para se entender a suscetibilidade dos sujeitos a ideologias que podem ir contra seus próprios interesses.

 

COSTA, Virgínia Helena Ferreira. “A personalidade autoritária” de Theodor W. Adorno: conceituação do “tipo antropológico autoritário” e atualizações no neoliberalismo. 44º Encontro Anual da ANPOCS, 2020.

-Neste texto a autora, que ajudou na tradução e organização do livro acima, faz importantes atualizações dos Estudos para os dias de hoje, contemplando a era neoliberal. Há outros trabalhos da autora que visam aclarar a obra adorniana.

 

SCHWARCZ, Lilia Moritz. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

-Editado no calor da Covid-19 e do governo Bolsonaro, a autora faz toda uma reconstituição de nossa herança autoritária: a escravidão, o passado colonial e o domínio dos senhores de terras.

 

Outras referências.

 

Inúmeras obras poderiam aqui compor a lista para a parte brasileira, em termos de nossas permanências. Mas quero destacar duas, que aproveitei para esta resenha:

 

CAIO PRADO JR. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1965.

-O autor discute o sentido da colonização e os fatores de seu prolongamento no tempo, além de uma descrição bem ampla do período colonial.

FLORESTAN FERNANDES. “A sociedade escravista no Brasil” in: Circuito Fechado. São Paulo: Hucitec, 1976.

-O autor discute a evolução da sociedade escravista, transição, resistências e legitimações. Texto obrigatório.

domingo, 30 de junho de 2024

AVANÇO DO FASCISMO numa EUROPA SITIADA


Snakes, Escher, 1969

Causou surpresa  e espanto a muitos do Ocidente um evento eleitoral recente na Europa, a indicar o avanço da extrema direita sobre o Parlamento Europeu, levando Macron, na França, a dissolver a Casa e antecipar eleições [1].

O que é espantoso, ao fim, é a própria surpresa com que a mídia e a opinião pública receberam a notícia, como expressou essa mesma que citamos nas notas. Não deveria ser novidade a ninguém. A ala política da direita mais extremista, de caráter nitidamente neofascista, vem ganhando espaço — entretanto, esse fenômeno não é recente. O que aparentemente surpreende mais a audiência midiática é o caráter fascista de como se apresentam candidatos e eleitos, especialmente em sua forma de comunicação e propostas, sem revelar diretamente um “projeto fascista”. O arcaísmo das posições políticas e a truculência de sua difusão amedrontam, mas não provocam grandes ações concretas em contrário, à exceção de algumas manifestações contra, embora até mesmo reprimidas pelos governos que se dizem democráticos [2]. Portanto, há uma permissividade, não só da mídia, mas de instituições e órgãos públicos, que reagem de forma pusilânime às investidas da extrema direita neofascista.  

Quais as razões dessa onda?

A Europa vem sendo pressionada à direita por ordem dos fatores imperiais: Departamento de Defesa norte-americano/OTAN, que operam por variados meios no continente desde o fim da Segunda Guerra [3]. Antes da queda do bloco soviético, ou seja, durante a Guerra Fria, o objetivo era deter qualquer avanço dos partidos comunistas na parte ocidental europeia.

Esses dispositivos não foram totalmente desativados, pelo que podemos depreender das atividades políticas nas últimas décadas neste continente. Já bem observou José Luís Fiori que os governos europeus, quaisquer que fossem, de centro, direita ou esquerda — e desde o advento da Primeira Guerra Mundial — sempre apoiaram a guerra imperialista e após a Segunda Guerra Mundial se incorporaram à OTAN, transformando-se em força auxiliar da estratégia militar norte-americana [4]

Após a “Queda do Muro”, novos mecanismos foram introduzidos e constituídos naquilo se convencionou chamar de Guerra Híbrida. E especialmente a França é que sofreu duramente esses ataques e essas imposições — como bem observou Hervé Juvin [5] instituindo o caos por meio da promoção da “luta anticorrupção”, onde várias empresas nacionais foram perseguidas juridicamente, segmentadas e com perda de capital. Alguma semelhança na memória? Sim, é o lawfare. É a Lava Jato. E entram também novos atores da chamada “Nova Direita Mundial”, liderada por Steve Banonn, a partir da empresa Cambridge Analytica, além de muitos outros think tanks, a operar em países como a Itália, por exemplo, que desde o princípio, no século XX, como bem atestou Giuliano da Empoli, foi palco das experiências políticas que posteriormente se multiplicaram no mundo inteiro [6].

Fica claro o apoio destes agentes aos partidos de extrema direita, que ao fim, como escreveu da Empoli, trata-se de movimento de concertação mundial. Esse movimento se intensificou nas últimas duas décadas, onde temos movimentos extremistas direita que se valem dos vários problemas que afetam o continente europeu, tal como o da imigração, o do desemprego, entre outros.

Muitos dos movimentos de protesto atuais, tais como os “coletes amarelos” na França, seguem a receita da máquina do caos empreendida por Bannon e atuam a mover os governos do centro à direita. A situação política só tende a piorar agora com a Guerra da Ucrânia, empurrando a Europa mais ainda à direita. É o que vem ocorrendo nos protestos contra a importação de grãos da Ucrânia, uma nítida operação de ajuda àquele país empreendida pelos governos europeus; assim se dá na Polônia [7] bem como no restante de outros países [8] daquele Velho Mundo, mesmo com fortes receios da EU e a impor alguma regulação e/ou restrição [9] de modo a não desequilibrar seriamente as economias regionais, da qual a UE enfim depende.

 

Conclusões.  

O movimento de extrema direita neofascista avança na Europa emulado por vários fatores, como observamos: agentes externos (OTAN/Departamento de Estado norte-americano, Bannon) somados a e alimentados por problemas internos — crise econômica, energética e social, esta última decorrente principalmente das constantes e enormes imigrações que a Europa deve tolerar, de forma violenta ou não — causadas pelas guerras estadounidenses no Oriente Médio, no propósito claro de dominar as reservas petrolíferas na região.

A imigração é quadro geral de maior apelo populista para os partidos de direita na Europa, levando os partidos de centro (e não só) a tomarem medidas duras contra os próprios cidadãos, como advogaram os governantes desde a queda do muro, a favor de medidas neoliberais, especialmente na França e na Itália. O que temos é uma Europa fragmentada e fragilizada que, como descrevemos acima, desde a Segunda Guerra é controlada pelas forças do Atlântico Norte. Os Trinta Anos Gloriosos (1945-1975), de economia crescente e forte desenvolvimento social, acobertaram o fato de uma Europa tutelada. Tutela que se tornou manifesta quando dos movimentos políticos de libertação do fascismo ou congêneres em países como Portugal, Grécia, Espanha e Turquia, nos idos dos anos 1970 — em nenhum destes países o socialismo pode avançar, devido justamente, em uma breve síntese, às operações encobertas da OTAN e outros mecanismos de controle estadunidense. Mas não só. A mídia ocidental europeia veicula cinicamente seu espanto, como se não pudesse oferecer forte resistência ao movimento neofacista, apresentando-o como uma evolução natural da política e do desejo social.  Ocorre que as Agências Internacionais Notícias (Reuters, EFE, ANSA, AFP, DPA, UPI, entre outras) e que são diapasões dos interesses ocidentais, inter alia e praesertim, norte-americanos, interagem intimamente com outros canais espalhados pela Europa e pelo mundo, a estabelecer um consenso fabricado, como bem afirmou Chomsky, em uma de suas entrevistas [10] e no seu livro Midia, que demonstra como é realizada a construção da opinião pública no Ocidente [11]. Consenso este, fabricado de tal modo, que nunca irá contra os interesses estadunidenses, mas cujos efeitos estão levando a Europa para um abismo. Ou para uma guerra, que seria o maior dos abismos.

Enfim, os EUA mantêm a Europa na linha de frente — praticamente como uma proxy war —  contra a Eurásia, especialmente e desde sempre contra a Rússia. A Guerra da Ucrânia somente desvelou esse cenário e acentuou a crise geral que vem sendo sentida fortemente desde os anos 1990.

É um sumário, que merece maior e melhor desenvolvimento.

 

Notas.

[1] https://g1.globo.com/mundo/noticia/2024/06/09/macron-dissolve-parlamento-e-convoca-novas-eleicoes-na-franca.ghtml

[2] https://pt.euronews.com/my-europe/2024/06/29/varias-detencoes-durante-protestos-contra-conferencia-do-partido-de-extrema-direita-alemao

[3] https://www.esquerda.net/dossier/terrorismo-na-europa-ocidental-uma-abordagem-aos-exercitos-secretos-da-nato/81577

[4] FIORI, José Luís. “A social-democracia e a guerra”. In: A guerra, a energia e o novo mapa do poder mundial. Petrópolis, RJ: Vozes; Rio de Janeiro: INEEP, 2023. pp. 44-48

[5] JUVIN, Hervé. De La Lutte Anticorruption Au Capitalisme Du Chaos. Sécurité, huit thèses sur une révolution du droit. Sécurité globale 2017/1 (N° 9), p. 39-57. DOI 10.3917/secug.171.0039

[6] EMPOLI, Giuliano da. Os Engenheiros do Caos. São Paulo: Vestígio, 2019 (ed. Digital Epub), Capitulo I: O Vale do Silício do Populismo.

[7] https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/agricultores-poloneses-bloqueiam-fronteira-com-ucrania-em-protesto-contra-importacoes/

[8] https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/protestos-de-agricultores-se-espalham-pela-europa-e-governos-prometem-ajuda/

[9] https://forbes.com.br/forbesagro/2024/04/ue-indica-acordo-para-restringir-importacoes-agricolas-da-ucrania/

[10] https://diplomatique.org.br/a-grande-fabrica-de-consensos/

[11] CHOMSKY, Noam. Mídia: propaganda política e manipulação. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013 (2002).

 

 

 

 



quarta-feira, 20 de março de 2024

O Novo Ensino Médio e a Escola Sem Partido - manutenção de uma farsa

Indico o presente livro por dois motivos quase óbvios:

1- Esclarece sobre o movimento;

2 - Aponta para os problemas envolvidos na questão educacional -- tal como o NOVO ENSINO MÉDIO, que é uma farsa educacional, ainda mantida pelos governos democráticos. 

 

No ano em que o governo federal (2017), sem grandes debates ou discussões, impõe uma reforma que vai contra tudo o que se estava conseguindo na área por meio do PNE, o livro escrito por 20 autores especializados nos ajuda com argumentos para tomada de posição contra um movimento que já conseguiu não só adeptos, mas interferir diretamente no processo educacional. 

 

Segue um resumo dos capítulos - que não substitui o livro, mas para quem não puder acessá-lo, será muito útil. Minha intenção é contribuir para a luta pela educação, por uma educação digna e democrática.


 


São 20 autores que "desmontam" o discurso do Movimento Escola sem Partido", evidenciando o que pretende o ESP: um ensino técnico, acrítico e sem compromisso com a democracia. O que mais incomoda o ESP é o ensino de humanas (crítico) e a discussão sobre gênero; secundariamente, mas de maneira firme, o ensino de história africana e da cultura negra.

 

A iniciativa do movimento partiu do advogado Miguel Nagib a partir de um incidente de descontentamento com um professor da escola de seus filhos. O acontecido foi motivo para dar início a uma campanha contra a "opinião esquerdizante" que considera existir entre os professores. Na sua opinião os professores são doutrinadores que querem incutir as "ideias de esquerda " nos jovens.

 O livro quer demonstrar como isso é falacioso. Os alunos não são uma tabula rasa, depósitos de ideias, simples repositório. Os alunos em geral são ativos, contestadores, não aceitam nada facilmente.

 

Mas a iniciativa do advogado ensejou várias outras nos Parlamentos - Projetos de Lei para censurar e punir professores, com base nos princípios da ESP. Essas iniciativas atuam diretamente contra tudo o que foi realizado de avanço com relação à Educação, inclusive os previstos no PNE (Plano Nacional de Educação) e no Estatuto da Juventude, consolidado após muito debate (10 anos) promovido pelo Conjuve, Conselho Nacional de Educação.

 

Colhida a opinião de alguns alunos, o que se intui é que realmente é um movimento que deseja que o aluno permaneça apenas no nível técnico, a fornecer mão-de-obra (barata, de preferência) para o mercado. O discurso de qualificação e excelência resta apenas como um adereço retórico para atrair os jovens em direção a esse tipo de educação.

 

Os mais diversos temas, inclusive a questão do livro didático, é discutida no conjunto de artigos, pelos mais variados especialistas educadores - não um simples advogado que pensa possuir boas intenções.

 

A seguir, os títulos dos capítulos, indicando os temas e o sumário do que cada autor disse sobre o assunto.

 

 

APRESENTAÇÃO

Vera Masagão Ribeiro.

Doutora em educação pela PUC-SP e coordenadora executiva da Ação Educativa.

Faz a apresentação do livro, o plano geral em que se situa a ação do ESP.

 

"ESCOLA SEM PARTIDO": DOUTRINAÇÃO COMUNISTA, COELHO DA PÁSCOA E PAPAI NOEL

Leonardo Sakamoto.

Doutor em Ciência Política pela USP. Professor de jornalismo na PUC-SP, diretor da ONG Repórter Brasil e Conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão.

Afirma que o ESP mostra uma coisa irreal, mas que provoca medos na população —especialmente nos pobres, que a classe média quer incutir [ela mesma possui seus próprios medos... e quer vendê-los aos pobres...]. Por exemplo: discussão sobre a sexualidade e diversidade de gênero. Querem interditar o debate. A mesma coisa com os movimentos sociais, especialmente os dos negros. O ESP trabalha com a simbologia da "assombração" para incutir o medo.

 

NADA MAIS IDEOLÓGICO QUE "ESCOLA SEM PARTIDO"

Cleomar Manhas. Assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC) e doutora em educação pela PUC-SP.

Afirma que a pauta que devemos fazer é a da qualidade da educação, não de discussões falaciosas em torno da ideologia de professores ou da escola. Também aponta a autoria de projetos conservadores que insistem na questão do assédio ideológico, como o de Rogério Marinho (PSDB/RN) e de Victório Galli (PSC/MT), que proíbem a distribuição de livros que mencionem sobre diversidade sexual. Lembra bem que a primeira ação do ESP foi contra o INEP, por ter colocado o tema da violência contra as mulheres no ENEM de 2015 — tema que julgaram doutrinador [ora!]. Segundo a autora, o tema da violência contra as mulheres é reconhecido internacionalmente como um grave problema e foi aprovado na ONU em 1979 já o CEDAW — Convenção Sobre Eliminação de todas as Formas de Descriminação contra as Mulheres. Por que deveríamos retroceder nisso ao negarmos o debate?

 

CONHEÇA O DEPARTAMENTO DE DESIDEOLOGIZAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO DA NOSSA EDITORA

Paulo Candido. Doutor em Psicologia do Desenvolvimento, professor universitário e especialista em tecnologia educacional.

Mostra, por meio de um diálogo, como o ESP quer ensinar as pessoas, os professores, a ensinar. Quase tudo pode ser considerado "esquerdista"...

 

14 PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE O "ESCOLA SEM PARTIDO"

Rodrigo Ratier. Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e editor executivo da Revista Nova Escola.

Faz 14 perguntas com 14 respostas sobre o "Escola Sem Partido". Muito interessante, pois trata-se do artigo que investiga cada uma das inquirições do ESP. O autor responde e desmonta todas.

Entre as mais importantes:

1.A doutrinação é um grave problema? Irrelevante e sem sentido, mas o ESP quer tornar isso um grande problema;

2.A doutrinação esquerdista está de fato acontecendo? Segundo pesquisas do DataFolha há mais gente afinada com as ideias de direita (45%) do que com as de esquerda (35%). Então qual o medo?

3.Qual o poder dos professores sobre os alunos? Para o ESP é imenso. Mas é um equívoco tratar o problema assim. Alunos são questionadores, não são uma caixa vazia para receber ideias;

4.Os professores formam um "exército de militantes"? Não. A verdade é que a sociedade está mudando de opinião e o ESP quer provocar a confusão e retroceder;

5.O ESP é apartidário? Não. Isso não existe — ademais, há legisladores do PMDB, PSDB e PSC, entre outros, por trás dele. Como considerar isso apartidário?

6.As propostas do movimento defendem a pluralidade no ensino? Não. Invocam descontextualizadamente uma cláusula (4) da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos — que diz sobre o direito dos pais a que seus filhos recebam "educação moral e religiosa" que esteja de acordo com suas próprias convicções — para justificar praticamente todo o movimento reacionário, indo contra a LDB, inclusive, e a CF no que diz respeito à laicidade da Escola Pública;

7.É correta impedir a discussão de gênero, como quer o ESP? Vai contra toda a recomendação dos órgãos internacionais, especialmente a da UNESCO;

8.Discutir diversidade cultural pode levar à doutrinação? Outro ponto que vai contra a maré do mundo inteiro, contando com a UNESCO, novamente. Experiências de discussão da diversidade são bem-sucedidas em países como a Noruega, por exemplo, que discute o povo Sami, originário do Norte da Noruega;

9.É justo que a Base Nacional passe pela aprovação do Congresso, como defende o Escola sem Partido?

Não. Para votar a BNCC — Base Nacional Comum Curricular seria necessário mudar o que está no Plano Nacional de Educação — PNE, já votado anteriormente (2015) e que já foi amplamente discutido com milhões de sugestões e milhares de debates entre professores e educadores? Ora, mudar tudo isso na base de um pensamento recém-saído de uma cabeça de advogado?

10.O marxismo é um método de doutrinação esquerdista? O tema em si é controverso. Não há uma conexão necessária entre uma coisa e outra — conforme já demonstrado por intelectuais de peso como Norberto Bobbio;

11.Sim, mas o marxismo domina as universidades e a formação de professores? Evidências apontam para o contrário; para mais informações há o ótimo texto "O lugar do marxismo na formação do educador", vários autores e "O refluxo de uma tradição: o marxismo, o ensino de História e a ditadura empresarial-militar (1964-1975);

12.Há base para dizer que Paulo Freire faz "proselitismo ideológico" e "doutrinação marxista"? Não. Trata-se de uma leitura distorcida de Paulo Freire, cujos temas convidavam ao diálogo, ao pacifismo e a um socialismo não radical nem violento; segundo a autora, para Paulo Freire "...a Educação, como prática da liberdade, é um ato de conhecimento, uma aproximação crítica da realidade." (p.40);

13.O "Escola Sem Partido" propõe judicializar a Educação. Processar professores resolve? Evidentemente que não. A saída para qualquer problema é o diálogo — entre alunos, pais e professores.

14.Faz sentido ter essa discussão? Nas ditaduras os debates são sufocados. Na democracia, acolhidos e estimulados. Portanto, não faz sentido um debate armado, nestes termos; faz sentido sim, ouvir as partes, inclusive o ESP, mas não nos seus próprios e únicos termos.

 

O PROGRAMA "ESCOLA SEM PARTIDO" QUER UMA ESCOLA SEM EDUCAÇÃO

Daniel Cara.

Mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Segundo o autor, o ESP exerce uma recusa à Educação, no seu sentido amplo de apropriação da cultura. "A leitura dos textos dos sites do Escola Sem Partido e de postagens em redes sociais mostra que os defensores dos projetos de lei desejam uma educação moral ultrapassada, completamente descontextualizada do mundo e incapaz de refletir a diversidade existente na sociedade brasileira. (p.45)

(..)

"O direito à educação é, portanto, o direito de todos se apropriarem da cultura, tornando-se sujeitos autônomos, capazes de ler, compreender e participar verdadeiramente do mundo..." (p.46)

Se a proposta do ESP vingar o que teremos é um paradoxo: emergirá uma escola sem voz e sem liberdade, uma escola sem educação.

 

O QUE O DIREITO À EDUCAÇÃO TEM A DIZER SOBRE "ESCOLA SEM PARTIDO"?

Salomão Ximenes.

Professor do bacharelado e do programa de pós-graduação em Políticas Públicas da UFABC, doutor em Direito do Estado (USP) e mestre em Educação Brasileira (UFC), membro da Rede Escola Pública e Universidade e do Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES).

Para o autor, o ESP tolhe a liberdade de ensinar. Possui uma agenda que representa um segundo ciclo conservador estabelecendo um projeto de controle do trabalho docente, escondido sob a forma e o nome da "neutralidade".

 CONTRA ESCOLA SEM SENTIDO

Fernando Abrucio.

Doutor em Ciência Política pela USP e coordenador do curso de Administração Pública da FGV-SP.

É sem sentido, pois é contra todas as experiências que deram certo, tanto aqui como em outros países — o ESP só quer retroceder, não avançar.

"O projeto em questão não só está distante dos verdadeiros problemas da educação do país e da experiência internacional bem sucedida. Ele também atrapalha a busca das soluções. [onde]... O professor é a figura-chave do processo educativo." (p.61)

"...o Escola Sem Partido só reforça o radicalismo e a incapacidade de diálogo. (...) se os valores dos pais não podem, em hipótese alguma, ser colocados em questão pelos professores e pelo coordenador pedagógico, os quais não podem expressar suas visões de mundo nem fomentar o debate para além do aprendizado adquirido no universo familiar, o resultado final disso vai ser a morte da escola como instituição viva e essencial na formação de pessoas de pessoas livres e autônomas, dois ideais da modernidade e que serão ainda mais essenciais no século XXI." (p.63)

 

ESCOLA SEM PARTIDO?

Frei Betto.

Assessor de movimentos sociais e autor de 58 livros, editados no Brasil e no exterior. Estudou jornalismo, antropologia, filosofia e teologia.

Para Frei Betto o movimento representa a recusa do ensino crítico e a própria crítica. Velha artimanha da direita, já que não convém mudar a realidade (para ela), acobertando-a com palavras.

 

UM PONTO NA REDE: O "ESCOLA SEM PARTIDO" NO CONTEXTO DA ESCOLA DO PENSAMENTO ÚNICO.

Eduardo Girotto.

Doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo. Foi professor da Educação Básica e atualmente é professor do Departamento de Geografia da USP, na área de Estágio Supervisionado e Ensino de Geografia.

O autor relembra o Projeto de Reorganização da Rede Estadual de Educação de São Paulo, em 2015, que previa o fechamento de 94 escolas e remanejamento de mais de 300 mil alunos; e mais recentemente o projeto de reforma da educação atentamente acompanhada por grupos empresariais como o Itaú, Fundação Lemann, SESI e outros, que desejam o aumento da relação entre educação e mercado de trabalho, a fim de promover uma concepção tecnicista de educação. Desse modo, diz o autor, transformamo-nos em estatística, não em agentes que constroem e mudam a história — pois o que interessa a esses grupos é primordialmente a produtividade. Tal repertório consolida o pensamento único, de que a Escola só deve formar profissionais. É preciso romper com essa lógica, pois ela destrói toda a base educacional em que a Escola se formou, ainda que não idealmente.

 

A ESCOLA, O AUTORITARISMO E A EMANCIPAÇÃO

Joana Salém Vasconcelos.

Doutora em Histórica Econômica pela Universidade de São Paulo, atua na Rede Emancipa de Educação Popular e trabalha no Instituto Vladimir Herzog.

A autora nos faz lembrar que o sistema brasileiro de educação pública se inspirou no que surgiu da Revolução Francesa, como parte essencial do projeto iluminista. A nobreza educava e instruía seus filhos em casa, com professores particulares, filósofos, padres, etc. Um dos lemas da Revolução era justamente contra esse modelo que restringia o acesso à cultura e, portanto, aos cargos e carreiras. O modelo brasileiro, embora ali inspirado e criado no final do XIX [quanto tempo depois...], exibia suas contradições, dado que mantinha hierarquias e restrições — não atingia a todos. Lentamente avançou para o ensino universal e gratuito. A escola pública no decorrer do XX sofreu um revés evolucionário:

"...no Brasil a escola pública tornou-se o lugar de socialização dos mais pobres e dos mais negros. As classes médias e altas, predominantemente brancas, retiram seus filhos da realidade desagradável da gente comum e os protegem dentro das escolas particulares, nas quais provavelmente encontrarão maridos e esposas." (p.79)

O autoritarismo da escola pública pode ser visto nas avaliações das Escolas, pelo SARESP, atrelando a nota dos alunos ao salário do professor, sob a égide de um currículo com conteúdos impostos, pois as questões não estão sob controle dos professores.

Há projetos de lei tramitando no Congresso e outros Parlamentos que estabelecem controles rígidos aos professores, determinando o que o ensino seja exercido baixo o princípio da "neutralidade" política, ideológica e religiosa do Estado. Tratam os estudantes como tabula rasa: que reproduzem apenas o que é ensinado. Nada mais equivocado, pois:

"Subestimam radicalmente a capacidade dos alunos pensarem por conta própria e desenvolverem raciocínios autônomos a partir de suas experiências na escola..." (p.81)

Contrariamente ao que desejava Paulo Freire, que entendia a educação como prática da liberdade e não subestimava os alunos.

 

A CRIMINALIZAÇÃO IDEOLÓGICA DOS LIVROS DIDÁTICOS: A QUEM SERVE?

Roberto Catelli Jr.

Doutor em educação pela Universidade de São Paulo e coordenador da unidade de Educação de Jovens e Adultos da Ação Educativa.

Conforme o autor, sob a acusação de que o livro didático veicula ideologia de esquerda ou como sai expresso nas revistas "distorções ideológicas", esconde-se uma disputa pelo mercado editorial de vendas de livros didáticos. É um mercado rico que atualmente movimenta mais de 500 milhões de reais. A pergunta: quais mídias dão voz ao ESP? Não estariam elas ligadas aos grupos editoriais em disputa? Para o autor, é certo que sim. Livros distribuídos pelo PNLD (Plano Nacional do Livro Didático) são desqualificados com exemplos pontuais; por trás da disputa do mercado de livro esconde-se uma disputa por modelos de sociedade; também uma disputa pelos recursos públicos por agentes privados.

 

ÓDIO AOS PROFESSORES

Fernando Penna.

Doutor em educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, é professor adjunto da Universidade Federal Fluminense.

Aponta que o ESP trabalha imagens para demonização das políticas avançadas, especialmente o debate crítico e a discussão de gênero. Na verdade, quer impedir o avanço democrático que obtivemos nas décadas anteriores, sob o rótulo acusatório de "paulo-freirianismo"; veiculam imagens que estimulam o ódio aos professores e a referências teóricas legítimas no campo de pesquisa educacional.

São chavões, palavras grosseiras e vazias, mas carregadas de simbolismo negativo, a fim de desqualificar e demonizar aquilo que representa avanço [diálogo, consenso democrático, respeito, tolerância, aceitação da diversidade].

 

JOVENS, ESCOLA DEMOCRÁTICA E PROPOSTA DO "ESCOLA SEM PARTIDO"

Maria Virgínia de Freitas.

Mestre em educação pela USP, autora de publicações relativas ao tema da juventude e coordenadora da área de Juventude da Ação Educativa.

Lembra bem quando menciona o Estatuto da Juventude — fruto de 10 anos de tramitação, promovido pelo Conjuve (Conselho Nacional da Juventude) envolvendo um sem fim de audiências públicas, debates e conferências, consolidando o resultado num código, que define os princípios que regem as políticas públicas de juventude (pessoas de 15 a 29 anos).

O primeiro princípio é o da promoção da autonomia e emancipação dos jovens; o segundo, a valorização e promoção da participação social e política, de forma direta e por meio das suas representações.

Ora, o que quer o ESP? Não quer a autonomia, pois imagina serem os jovens desprotegidos moralmente (o que já vimos que é equivocado); quer o silêncio à força dos professores, pois imagina serem eles deturpadores da educação familiar. Convenhamos, a vivência juvenil não se restringe à família e à escola. Há um mundo de outras vivências que levam os alunos já com bagagem para escola e esta precisa considerar isso, abrindo-se ao diálogo, não ao silêncio.

 

 

O ESP SOB O OLHAR DA JUVENTUDE

Denise Eloy.

Jornalista da Ação Educativa, especialista em Educomunicação: Comunicação, Mídias e Educação. Tem experiência em políticas públicas de juventude, comunicação e direitos humanos.

Juliane Cintra.

Coordenadora de Comunicação da Ação Educativa, especialista em mídias digitais. Tem experiência em comunicação e direitos humanos, atuando com ciberativismo e relações étnico-raciais.

Colhem depoimentos, desfavoráveis e negativos, de alunos com relação ao que veicula o ESP (v. resumo pg. 115). Algumas delas percebem a proposta tecnicista que está por trás desse movimento, que se esconde sob o título autodenominado de "apartidário".

Enfim, os princípios do ESP desconsideram o aluno em si, como se ele fosse uma tabula rasa (já o dissemos), onde os professores possuiriam pleno domínio sobre o aluno — o que é falso, já que o aluno, qualquer aluno, é um ser complexo, portador de suas próprias demandas; a escola é um local onde a diversidade se instala e ela não pode ignorar isso, homogeneizando o ensino e impondo normas de conduta não condizentes com essa pluralidade. Portanto, a escola deve ser plural para lidar com a diversidade real dos alunos.

 

GÊNERO E LGBTFOBIA NA EDUCAÇÃO

Toni Reis.

Pós-doutor em Educação e secretário da Educação da ANGLT - Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais.

O autor nos assevera para o profundo conservadorismo do ESP com relação às questões e demandas LGBT. Revela ainda que o ESP surgiu em 2004 e desde lá vem querendo interferir no cenário educacional — fato que se expressa no PL do Senado 193/2016, intitulado "Programa Escola Sem Partido", cujo título não esconde sua inspiração, e apresentado pelo senador Magno Malta (PR/ES), conhecido por suas convicções conservadoras religiosas e evangélicas; o projeto inclui a vedação do que chamam de "ideologia de gênero". Igualmente, há muitos projetos municipais circulando para serem aprovados nas Câmaras. Segundo Toni Reis:

"Desde a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, o Brasil vem ratificando tratados e acordos internacionais no âmbito da Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos voltados para a eliminação das desigualdades entre os gêneros, inclusive na educação (UNICEF, 1979; UNESCO, 2001; OEA, 1994; UNFPA, 1995, entre outros), sendo que mais recentemente foram estabelecidos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para serem alcançados até 2030." (p.121).

Estão previstas, entre outras coisas, a meta de "eliminação das disparidades”, alcançar a "igualdade de gênero" e empoderamento de meninas e meninos, pois há uma percepção de que a violência contra o gênero é também resultados dessas desigualdades.

A proposta ou propostas baseadas no ESP são nocivas para o alcance dos objetivos da Educação estipulados pela Constituição Federal, art. 205, que almeja o pleno desenvolvimento da pessoa, preparo para o exercício da cidadania além da qualificação para o trabalho.

 

NO CHÃO DA ESCOLA: CONVERSANDO COM FAMÍLIAS E PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO SOBRE O ESCOLA SEM PARTIDO

Denise Carreira.

Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo e coordenadora-adjunta da Ação Educativa. Feminista, foi coordenadora da Campanha Nacional de Educação e Relatora Nacional de Educação da Plataforma DHESCA Brasil.

Responde bem e quase extensamente diversas questões importantes, quais sejam:

Quem defende uma "escola com partido"?

Por que é tão ameaçadora uma escola que questione as desigualdades?

Discutir política é algo ruim?

O "Escola Sem Partido" defende os interesses das famílias?

Ser religioso não é ser fundamentalista! [tal como se comportam alguns parlamentares...]

A autora responde a essas questões (p.126 e segs.) de forma objetiva e contundente; a própria questão, de tal forma colocada, já é um questionamento esclarecedor.

A seguir, fala sobre um ponto interessante: o financiamento, como uma conquista para a educação de qualidade. Por outro lado, o ESP se articula a setores do governo federal [do golpista Temer, principalmente agora] e setores privados, ciosos de diminuir o orçamento para as políticas públicas — especialmente para a educação. Por exemplo: a PEC 241 [do teto, que acaba com as vinculações obrigatórias de recursos com a saúde e educação] inviabiliza a implementação do PNE (Plano Nacional de Educação).

Para a autora, uma escola de qualidade deve contar:

-Com profissionais da educação valorizados, com formação adequada e com salários dignos, bem como um bom ambiente de trabalho;

-Com menos crianças/estudantes por turma;

-Com infraestrutura;

-Com articulação com as políticas de saúde;

-Que tenha como base a gestão democrática;

-Que enfrente desigualdades educacionais e discriminações;

Tudo isso constitui o chamado CAQ - Custo Aluno Qualidade, previsto na legislação aprovada em 2014 (PNE). A PEC 241 inviabiliza a concretização do CAQ [a menos que o índice seja manipulado...]

 

REEDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES RACIAIS E ESP

Ana Lúcia Silva Souza

Doutora em Linguística Aplicada pela Universidade de Campinas, professora da Universidade Federal da Bahia e vice-coordenadora do Programa de Mestrado Profissional em Letras.

Ednéia Gonçalves.

Socióloga pós-graduada em Educação pela PUC-SP. Atua na formulação de propostas e formação de professores e gestores educacionais. É assessora das unidades de Educação de Jovens e Adultos e Diversidade, Raça e Participação da Ação Educativa.

As autoras trazem para o debate a questão do ensino e cultura afro-brasileira, um ponto de atrito com o ESP, que não aceita o avanço e a afirmação do movimento negro. Os autores lembram a Lei 10.639, que aprovou entre outras coisas o ensino de história da África, de 2003, fruto de um longo período de lutas e debates. O ESP quer apenas adensar o preconceito racial e a intolerância religiosa, a despeito de invocarem o artigo quarto da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos [

Pacto de São José da Costa Rica], que segundo os autores aqui supracitados, trata-se de uma interpretação equivocada e descontextualizada, além de enunciar apenas esse item, desconsiderando os três primeiros (p. 141/2 — veja na íntegra o Artigo 12). No todo, o que podemos depreender é que ninguém deve ser obrigado a receber a educação moral e religiosa em desacordo com a orientação dos pais ou da família. Mas a Escola é laica. E segundo este princípio ninguém está ensinando moral ou religião, ainda mais em desacordo. O que ocorre na realidade é que a Escola Pública está sendo preparada para o debate, para a diversidade religiosa e isso o ESP não aceita. Praticamente rejeita o laicismo. Para os autores, portanto:

"O desafio atual nesse campo é superar uma educação fortemente marcada pelo eurocentrismo e pelo racismo..." (p.143)

Neste sentido, é preciso fortalecer políticas e práticas para uma educação antirracista. O livro didático é mais uma vez alvo do ESP nesta questão. Referências à cultura negra são criticadas e apontadas como "ideologia".

Todo o avanço que se fez em todas essas áreas foi fruto de mobilização dos movimentos sociais organizados. Portanto, dizem os autores, a Escola deve sim ter partido — pelos direitos e pela vida digna. É preciso não calar sobre tudo isso.

 

A ESCOLA CIDADÃ FRENTE AO "ESCOLA SEM PARTIDO"

Moacir Gadotti.

Presidente de Honra do Instituto Paulo Freire e professor aposentado da Universidade de São Paulo.

Para o autor, houve um descuido com a educação política. Estamos sendo impedidos de avançar e o ESP é uma expressão desse retrocesso.

Primeiro, com a aceitação de uma escola de delatores, onde se busca castigar justamente aqueles que trabalham para a conscientização.

Segundo, a educação está sitiada:

"O Escola Sem Partido é apenas mais uma tentativa de destruir a Escola Democrática, a Escola Cidadã, uma conquista da Constituição de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996." (p.153)

O ESP é contra Paulo Freire porque este é um educador do diálogo, da crítica e da consciência democrática. O ESP só quer o silêncio, a omissão sobre a desigualdade. Estamos de volta ao passado, quando o PNA (Plano Nacional de Alfabetização de Paulo Freire) foi "cassado", isto é, extinto em abril de 1964, logo após o golpe.

Como fazer frente a essas ameaças? Estamos diante de dois modelos, dois projetos em disputa, que nos remete aos anos 1930 - entre liberais e católicos, por uma (ou não) escola laica. O professor precisa de liberdade, pois é o protagonista e devemos ter em mente que o fundamental é formar o cidadão. Então é preciso educar para e pela cidadania, o que nos remete ao Projeto da Escola Cidadã, cujas linhas fundamentais estão delineadas pelo Instituto Paulo Freire desde 1994, que entre outras coisas valoriza os Conselhos de Escola.

Para o autor, o que define a Educação Popular Cidadã é a opção política assumida na prática educativa e que deve ser democrática. E a democracia deve prevalecer sobre a insensatez do ESP, que ignora os Forum Mundial da Educação e outros fóruns pela educação.

 

[ANEXO]

OS PROTAGONISTAS DO ESP

Daniele Brait.

Formada em Letras pela Faculdade Editora Nacional, especialista em edição de livros didáticos e assessora editorial da Ação Educativa.

A autora aponta quais são as personagens envolvidas no ESP e quais os seus interesses — na sua maioria absoluta retrógrados.

Miguel Francisco Urbano Nagib. Coordenador do movimento; advogado e articulista do Instituto Millenium (desvinculou-se recentemente).

Os colaboradores políticos se espalham e elaboram seus projetos inspirados no Movimento ESP em todas as casas parlamentares, desde as municipais até o Congresso, com o conhecido PL 193/2016 proposto por Magno Malta (PR-ES).

Outros (todos eles envolvendo propostas inspiradas no ESP):

-PL 7180/2014; deputado Erivelton Santana (PSC-BA);

-PL 867/2015; deputado Izalci Lucas Ferreira (PSDB-DF);

-João Campos, Deputado federal (PSDB-GO), membro da banca evangélica, que propôs a "cura gay" pelo PLC 234/2011; defende o ESP;

-Orley José da Silva, mestre em Letras e Linguística pela UFG, é membro da Assembleia de Deus em Goiânia, mantém um blog para fins sectários: "De olho no livro didático".

-Rogério Marinho, deputado federal PSDB-RN, coordenador da comissão de educação do PSDB. Defende um ensino fundamental "focado na alfabetização e na matemática", um ensino médio "flexibilizado e diversificado", que qualifique os profissionais para o mercado, a fim de manter elevados os níveis de produtividade da mão-de-obra. Enfim, o suprassumo do discurso tecnicista. É autor do PL 1411/2015, que criminaliza o "assédio ideológico".

Outra figura atuante é Rodrigo Constantino, formado em economia, presidente do Conselho do Instituto Liberal e membro-fundador do Instituto Millenium. Olavo de Carvalho, pretenso filósofo que nem é formado em alguma coisa do tipo, também apoia o ESP.

E nas eleições municipais de 2016, uma página do Facebook anunciava os candidatos a vereador pelo ESP:

PMDB, PSDB, PMN, PSC, DEM, Solidariedade, PPL, PRTB, PP, PTN, e PV.

[Ora, onde está o "sem partido" nisso tudo? Só na escola é que não se quer o partido? Mas existe algum dentro da escola? E tomar partido do que?]

 

Comentário.

Um livro básico e essencial não só para compreender as diretrizes reacionárias do movimento Escola Sem Partido, mas para fazer lembrar que a Escola e os princípios educacionais que ainda nos restam é resultado de uma lenta evolução, onde se travaram debates e muita discussão, com ampla atuação de movimentos sociais democráticos, inclusive do movimento negro. Princípios e modelos consolidados no PNE, que nem avançou muito, mas se quer impedir qualquer progresso. A Reforma Educacional, recém promovida e sancionada pelo governo ilegítimo de Michel Temer (L13415 de Fev de 2017), é expressão máxima da atuação dessa facção que representa o ESP. Considerada amplamente, uma minoria, mas com apoio de políticos e empresários com muito poder e influência, com interesses os mais diversos no que diz respeito à educação — notadamente mercadológicos, como vimos com respeito ao livro didático. Devemos tentar obstar esse retrocesso e continuar mantendo nossa opinião firme sobre a Escola Democrática. E marcar posição, de preferência.

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Anexo: Convenção Americana sobre os Direitos Humanos - aprovação no Brasil no governo Itamar. Veja abaixo, com o artigo 12 em destaque:

DECRETO N° 678, DE 6 DE NOVEMBRO DE 1992 Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. O VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VIII, da Constituição, e Considerando que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), adotada no âmbito da Organização dos Estados Americanos, em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, entrou em vigor internacional em 18 de julho de 1978, na forma do segundo parágrafo de seu art. 74; Considerando que o Governo brasileiro depositou a carta de adesão a essa convenção em 25 de setembro de 1992; Considerando que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) entrou em vigor, para o Brasil, em 25 de setembro de 1992 , de conformidade com o disposto no segundo parágrafo de seu art. 74; DECRETA: Art. 1° A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), celebrada em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, apensa por cópia ao presente decreto, deverá ser cumprida tão inteiramente como nela se contém. Art. 2° Ao depositar a carta de adesão a esse ato internacional, em 25 de setembro de 1992, o Governo brasileiro fez a seguinte declaração interpretativa: "O Governo do Brasil entende que os arts. 43 e 48, alínea “d”, não incluem o direito automático de visitas e inspeções in loco da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, as quais dependerão da anuência expressa do Estado". Art. 3° O presente Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 6 de novembro de 1992; 171° da Independência e 104° da República. ITAMAR FRANCO Fernando Henrique Cardoso ANEXO AO DECRETO QUE PROMULGA A CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS (PACTO DE SÃO JOSE DA COSTA RICA) – MRE CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS PREÂMBULO Os Estados americanos signatários da presente Convenção, Reafirmando seu propósito de consolidar neste Continente, dentro do quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos essenciais do homem; Reconhecendo que os direitos essenciais do homem não deviam do fato de ser ele nacional de determinado Estado, mas sim do fato de ter como fundamento os atributos da pessoa humana, razão por que justificam uma proteção internacional, de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece o direito interno dos Estados americanos; Considerando que esses princípios foram consagrados na Carta da Organização dos estados Americanos, na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Declaração Universal dos Direitos do Homem e que foram reafirmados e desenvolvidos em outros instrumentos internacionais, tanto de âmbito mundial como regional; Reiterando que, de acordo com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, só pode ser realizado o ideal do ser humano livre, isento do temor e da miséria, se forem criadas condições que permitam a cada pessoa gozar dos seus direitos econômicos, sociais e culturais, bem como dos seus direitos civis e políticos; e Considerando que a Terceira Conferência Interamericana Extraordinária (Buenos Aires, 1967) aprovou a incorporação à própria sociais e educacionais e resolveu que uma convenção interamericana sobre direitos humanos determinasse a estrutura, competência e processo dos órgãos encarregados dessa matéria, Convieram no seguinte: PARTE I Deveres dos Estados e Direitos Protegidos CAPÍTULO I Enumeração de Deveres ARTIGO 1 Obrigação de Respeitar os Direitos 1. Os Estados-Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. 2. Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano. ARTIGO 2 Dever de Adotar Disposições de Direito Interno Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados-Partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades. CAPÍTULO II Direitos Civis e Políticos ARTIGO 3 Direitos ao Reconhecimento da Personalidade Jurídica Toda pessoa tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica. ARTIGO 4 Direito à Vida 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente. 2. Nos países que não houverem abolido a pena de morte, esta só poderá ser imposta pelos delitos mais graves, em cumprimento de sentença final de tribunal competente e em conformidade com lei que estabeleça tal pena, promulgada antes de haver o delito sido cometido. Tampouco se estenderá sua aplicação a delitos aos quais não se aplique atualmente. 3. Não se pode restabelecer a pena de morte nos Estados que a hajam abolido. 4. Em nenhum caso pode a pena de morte ser aplicada por delitos políticos, nem por delidos comuns conexos com delitos políticos. 5. Não se deve impor a pena de morte a pessoa que, no momento da perpetração do delito, for menor de dezoito anos, ou maior de setenta, nem aplicá-la a mulher em estado de gravidez. 6. Toda pessoa condenada à morte tem direito a solicitar anistia, indulto ou comutação da pena, os quais podem ser concedidos em todos os casos. Não se pode executar a pena de morte enquanto o pedido estiver pendente de decisão ante a autoridade competente. ARTIGO 5 Direito à Integridade Pessoal 1.Toda pessoa tem o direito de que se respeito sua integridade física, psíquica e moral. 2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano. 3. A pena não pode passar da pessoa do delinquente. 4. Os processados devem ficar separados dos condenados, salvo em circunstâncias excepcionais, a ser submetido a tratamento adequado à sua condição de pessoal não condenada. 5. Os menores, quando puderem ser processados, devem ser separados dos adultos e conduzidos a tribunal especializado, com a maior rapidez possível, para seu tratamento. 6. As penas privativas da liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados. ARTIGO 6 Proibição da Escravidão e da Servidão 1. Ninguém pode ser submetido à escravidão ou a servidão, e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as formas. 2. Ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório. Nos países em que se prescreve, para certos delitos, pena privativa da liberdade acompanhada de trabalhos forçados, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que proíbe o cumprimento da dita pena, importa por juiz ou tribunal competente. O trabalho forçado não deve afetar a dignidade nem a capacidade física e intelectual do recluso. 3. Não constituem trabalhos forçados ou obrigatórios para os efeitos deste artigo: a) os trabalhos ou serviços normalmente exigidos de pessoal reclusa em cumprimento de sentença ou resolução formal expedida pela autoridade judiciária competente. Tais trabalhos ou serviços de devem ser executados sob a vigilância e controle das autoridades públicas, e os indivíduos que os executarem não devem ser postos à disposição de particulares, companhias ou pessoas jurídicas de caráter privado: b) o serviço militar e, nos países onde se admite a isenção por motivos de consciências, o serviço nacional que a lei estabelecer em lugar daquele; c) o serviço imposto em casos de perigo ou calamidade que ameace a existência ou o bem-estar da comunidade; e d) o trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais. ARTIGO 7 Direito à Liberdade Pessoal 1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais. 2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas constituições políticas dos Estados-Partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas. 3. Ninguém pode ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários. 4. Toda pessoa detida ou retida deve ser informada das razões da sua detenção e notificada, sem demora, da acusação ou acusações formuladas contra ela. 5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, a presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condiciona a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. 6. Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura se a prisão ou a detenção forem ilegais. Nos Estados-Partes cujas leis preveem que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente a fim de que este decida sobre a legalidade de tal ameaça, tal recurso não pode ser restringido nem abolido. O recurso pode ser interposto pela própria pessoa ou por outra pessoa. 7. Ninguém deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar. ARTIGO 8 Garantias Judiciais 1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação pena formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. 2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por tradutor ou intérprete, se não compreender ou não falar o idioma do juízo ou tribunal; b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada; c) concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa; d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor; e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei; f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presente no tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos. g) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada; e h) direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior. 3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza. 4. O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá se submetido a novo processo pelos mesmos fatos. 5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça. ARTIGO 9 Princípio da Legalidade e da Retroatividade Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinquente será por isso beneficiado. ARTIGO 10 Direito a Indenização Toda pessoa tem direito de ser indenizada conforme a lei, no caso de haver sido condenada em sentença passada em julgado, por erro judiciário. ARTIGO 11 Proteção da Honra e da Dignidade 1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade. 2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação. 3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas. ARTIGO 12 Liberdade de Consciência e de Religião 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião. Esse direito implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em privado. 2. Ninguém pode ser objeto de medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças. 3. A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças está sujeita unicamente às limitações prescritas pelas leis e que sejam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou morais públicas ou os direitos ou liberdades das demais pessoas. 4. Os pais, e quando for o caso os tutores, têm direito a que seus filhos ou pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja acorde com suas próprias convicções. ARTIGO 13 Liberdade de Pensamento e de Expressão 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei a ser necessárias para assegurar: a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral pública. 3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões. 4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2. 5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência. ARTIGO 14 Direito de Retificação ou Resposta 1. Toda pessoa atingida por informações inexatas ou ofensivas emitidas em seus prejuízo por meios de difusão legalmente regulamentados e que se dirijam ao público em geral, tem direito a fazer, pelo mesmo órgão de difusão, sua retificação ou resposta, nas condições que estabeleça a lei. 2. Em nenhum caso a retificação ou a resposta eximirão das outras responsabilidades legais em que se houver incorrido. 3. Para a efetiva proteção da honra e da reputação, toda publicação ou empresa jornalística, cinematográfica, de rádio ou televisão, deve ter uma pessoa responsável que não seja protegida por imunidades nem goze de foro especial. ARTIGO 15 Direito de Reunião É reconhecido o direito de reunião pacífica e sem armas. O exercício de tal direito só pode estar sujeito às restrições previstas pela lei e que sejam necessárias, uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança ou da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral pública ou os direitos e liberdades das demais pessoas. ARTIGO 16 Liberdade de Associação 1. Todas as pessoas têm o direito de associar-se livremente com fins ideológicos, religiosos, políticos, econômicos, trabalhistas, sociais, culturais, desportivos, ou de qualquer outra natureza. 2. O exercício de tal direito só pode estar sujeito às restrições previstas pela lei que sejam necessárias, numa sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança ou da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral pública ou os direitos e liberdades das demais pessoas. 3. O disposto neste artigo não impede a imposição de restrições legais, e mesmo a privação do exercício do direito de associação, aos membros das forças armadas e da polícia. ARTIGO 17 Proteção da Família 1. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e deve ser protegida pela sociedade e pelo Estado. 2. É reconhecido o direito do homem e da mulher de contraírem casamento e de fundarem uma família, se tiverem a idade e as condições para isso exigidas pelas leis internas, na medida em que não afetem estas o princípio da não discriminação estabelecido nesta Convenção. 3. O casamento não pode ser celebrado sem o livre e pleno consentimento dos contraentes. 4. Os Estados-Partes devem tomar medidas apropriadas no sentido de assegurar a igualdade de direitos e a adequada equivalência de responsabilidades dos cônjuges quanto ao casamento, durante o casamento e em caso de dissolução do mesmo. Em caso de dissolução, serão adotadas disposições que assegurem a proteção necessárias aos filhos, com base unicamente no interesse e conveniência dos mesmos. 5. A lei deve reconhecer iguais direitos tanto aos filhos nascidos fora do casamento como aos nascidos dentro do casamento. ARTIGO 18 Direito ao Nome Toda pessoa tem direito a um prenome e aos nomes de seus pais ou ao de um destes. A lei deve regular a forma de assegurar a todos esses direitos, mediante nomes fictícios, se for necessário. ARTIGO 19 Direitos da Criança Toda criança tem direito às medidas de proteção que a sua condição de menor requer por parte da sua família, da sociedade e do Estado. ARTIGO 20 Direito à Nacionalidade 1. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade. 2. Toda pessoa tem direito à nacionalidade do Estado em cujo território houver nascido, se não tiver direito a outra. 3. A ninguém se deve privar arbitrariamente de sua nacionalidade nem do direito de mudá-la. ARTIGO 21 Direito à Propriedade Privada 1. Toda pessoa tem direito ao uso e gozo dos seus bens. A lei pode subordinar esse uso e gozo ao interesse social. 2. Nenhuma pessoa pode ser privada de seus bens, salvo mediante o pagamento de indenização justa, por motivo de utilidade pública ou de interesse social e nos casos e na forma estabelecidos pela lei. 3. Tanto a usura como qualquer outra forma de exploração do homem pelo homem devem ser reprimidas pela lei. ARTIGO 22 Direito de Circulação e de Residência 1. Toda pessoa que se ache legalmente no território de um Estado tem direito de circular nele e de nele residir conformidade com as disposições legais. 2. toda pessoa tem o direito de sair livremente de qualquer país, inclusive do próprio. 3. O exercício dos direitos acima mencionados não pode ser restringido senão em virtude de lei, na medida indispensável, numa sociedade democrática, para prevenir infrações penais ou para proteger a segurança nacional, a segurança ou a ordem pública, a moral ou a saúde pública, ou os direitos e liberdades das demais pessoas. 4. O exercício dos direitos reconhecidos no inciso 1 pode também ser restringido pela lei, em zonas determinadas, por motivos de interesse público. 5. Ninguém pode ser expulso do território do Estado do qual for nacional, nem ser privado do direito de nele entrar. 6. O estrangeiro que se ache legalmente no território de uma Estado-Parte nesta Convenção só poderá dele ser expulso em cumprimento de decisão adotada de acordo com a lei. 7. Toda pessoa tem o direito de buscar e receber asilo em território estrangeiro, em caso de perseguição por delitos políticos ou comuns conexos com delitos políticos e de acordo com a legislação de cada estado e com os convênios internacionais. 8. Em nenhum caso o estrangeiro pode ser expulso ou entregue a outro país, seja ou não de origem, onde seu direito à vida ou liberdade pessoal esteja em risco de violação por causa da sua raça, nacionalidade, religião, condição social ou de suas opiniões políticas. 9. É proibida a expulsão coletiva de estrangeiros. ARTIGO 23 Direitos Políticos 1. Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades: a) de participar da direção dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos; b) de votar e se eleitos em eleições periódicas autênticas, realizadas por sufrágio universal e igual e por voto secreto que garanta a livre expressão da vontade dos eleitores; e c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país. 2. A lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades e a que se refere o inciso anterior, exclusivamente por motivos de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal. ARTIGO 24 Igualdade Perante a Lei Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem discriminação, a igual proteção da lei. ARTIGO 25 Proteção Judicial 1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízos ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando nos exercícios de suas funções oficiais. 2. Os Estados-Partes comprometem-se: a) a assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal recurso; b) a desenvolver as possibilidades de recurso judicial; e c) a assegurar o cumprimento, pelas autoridades competente, de toda decisão em que se tenha considerado procedente o recurso. CAPÍTULO III Direitos Econômicos, Sociais e Culturais ARTIGO 26 Desenvolvimento Progressivo Os Estados-Partes comprometem-se a adotar providência, tanto no âmbito interno como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados. CAPÍTULO IV Suspensão de Garantias, Interpretação e Aplicação ARTIGO 27 Suspensão de Garantias 1. Em caso de guerra, de perigo público, ou de outra emergência que ameace a independência ou segurança do Estado-Parte, este poderá adotar disposições que, na medida e pelo tempo estritamente limitados às exigências da situação, suspendam as obrigações contraídas em virtude desta Convenção, desde que tais disposições não sejam incompatíveis com as demais obrigações que lhe impõe o Direito Internacional e não encerrem discriminação alguma fundada em motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião ou origem social. 2. A disposição precedente não autoriza a suspensão dos direitos determinados nos seguintes artigos: 3 (Direito ao Reconhecimento da Personalidade Jurídica), 4 (Direito à vida), 5 (Direito à Integridade Pessoal), 6 (Proibição da Escravidão e Servidão), 9 (Princípio da Legalidade e da Retroatividade), 12 (Liberdade de Consciência e de Religião), 17 (Proteção da Família), 18 (Direito ao Nome), 18 (Direitos da Criança), 20 (Direito à Nacionalidade) e 23 (Direitos Políticos), nem das garantias indispensáveis para a proteção de tais direitos. 3. Todo Estado-Parte que fizer uso do direito de suspensão deverá informar imediatamente os outros Estados-Partes na presente Convenção, por intermédio do Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos, das disposições cuja aplicação haja suspendido, dos motivos determinantes da suspensão e da data em que haja dado por terminado tal suspensão. ARTIGO 28 Cláusula Federal 1. Quando se tratar de um Estado-Parte constituído como Estado federal, o governo nacional do aludido Estado-Parte cumprirá todas as disposições da presente Convenção, relacionadas com as matérias sobre as quais exerce competência legislativa e judicial. 2. No tocante às disposições relativas às matérias que correspondem à competência das entidades componentes da federação, o governo nacional deve tomar imediatamente as medidas pertinentes, em conformidade com sua constituição e suas leis, a fim de que as autoridades competentes das referidas entidades possam adotar as disposições cabíveis para o cumprimento desta Convenção.

Fonte:

http://aidpbrasil.org.br/arquivos/anexos/conv_idh.pdf

Acesso em 02/04/2017