Postagens mais visitadas

quarta-feira, 20 de março de 2024

O Novo Ensino Médio e a Escola Sem Partido - manutenção de uma farsa

Indico o presente livro por dois motivos quase óbvios:

1- Esclarece sobre o movimento;

2 - Aponta para os problemas envolvidos na questão educacional -- tal como o NOVO ENSINO MÉDIO, que é uma farsa educacional, ainda mantida pelos governos democráticos. 

 

No ano em que o governo federal (2017), sem grandes debates ou discussões, impõe uma reforma que vai contra tudo o que se estava conseguindo na área por meio do PNE, o livro escrito por 20 autores especializados nos ajuda com argumentos para tomada de posição contra um movimento que já conseguiu não só adeptos, mas interferir diretamente no processo educacional. 

 

Segue um resumo dos capítulos - que não substitui o livro, mas para quem não puder acessá-lo, será muito útil. Minha intenção é contribuir para a luta pela educação, por uma educação digna e democrática.


 


São 20 autores que "desmontam" o discurso do Movimento Escola sem Partido", evidenciando o que pretende o ESP: um ensino técnico, acrítico e sem compromisso com a democracia. O que mais incomoda o ESP é o ensino de humanas (crítico) e a discussão sobre gênero; secundariamente, mas de maneira firme, o ensino de história africana e da cultura negra.

 

A iniciativa do movimento partiu do advogado Miguel Nagib a partir de um incidente de descontentamento com um professor da escola de seus filhos. O acontecido foi motivo para dar início a uma campanha contra a "opinião esquerdizante" que considera existir entre os professores. Na sua opinião os professores são doutrinadores que querem incutir as "ideias de esquerda " nos jovens.

 O livro quer demonstrar como isso é falacioso. Os alunos não são uma tabula rasa, depósitos de ideias, simples repositório. Os alunos em geral são ativos, contestadores, não aceitam nada facilmente.

 

Mas a iniciativa do advogado ensejou várias outras nos Parlamentos - Projetos de Lei para censurar e punir professores, com base nos princípios da ESP. Essas iniciativas atuam diretamente contra tudo o que foi realizado de avanço com relação à Educação, inclusive os previstos no PNE (Plano Nacional de Educação) e no Estatuto da Juventude, consolidado após muito debate (10 anos) promovido pelo Conjuve, Conselho Nacional de Educação.

 

Colhida a opinião de alguns alunos, o que se intui é que realmente é um movimento que deseja que o aluno permaneça apenas no nível técnico, a fornecer mão-de-obra (barata, de preferência) para o mercado. O discurso de qualificação e excelência resta apenas como um adereço retórico para atrair os jovens em direção a esse tipo de educação.

 

Os mais diversos temas, inclusive a questão do livro didático, é discutida no conjunto de artigos, pelos mais variados especialistas educadores - não um simples advogado que pensa possuir boas intenções.

 

A seguir, os títulos dos capítulos, indicando os temas e o sumário do que cada autor disse sobre o assunto.

 

 

APRESENTAÇÃO

Vera Masagão Ribeiro.

Doutora em educação pela PUC-SP e coordenadora executiva da Ação Educativa.

Faz a apresentação do livro, o plano geral em que se situa a ação do ESP.

 

"ESCOLA SEM PARTIDO": DOUTRINAÇÃO COMUNISTA, COELHO DA PÁSCOA E PAPAI NOEL

Leonardo Sakamoto.

Doutor em Ciência Política pela USP. Professor de jornalismo na PUC-SP, diretor da ONG Repórter Brasil e Conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão.

Afirma que o ESP mostra uma coisa irreal, mas que provoca medos na população —especialmente nos pobres, que a classe média quer incutir [ela mesma possui seus próprios medos... e quer vendê-los aos pobres...]. Por exemplo: discussão sobre a sexualidade e diversidade de gênero. Querem interditar o debate. A mesma coisa com os movimentos sociais, especialmente os dos negros. O ESP trabalha com a simbologia da "assombração" para incutir o medo.

 

NADA MAIS IDEOLÓGICO QUE "ESCOLA SEM PARTIDO"

Cleomar Manhas. Assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC) e doutora em educação pela PUC-SP.

Afirma que a pauta que devemos fazer é a da qualidade da educação, não de discussões falaciosas em torno da ideologia de professores ou da escola. Também aponta a autoria de projetos conservadores que insistem na questão do assédio ideológico, como o de Rogério Marinho (PSDB/RN) e de Victório Galli (PSC/MT), que proíbem a distribuição de livros que mencionem sobre diversidade sexual. Lembra bem que a primeira ação do ESP foi contra o INEP, por ter colocado o tema da violência contra as mulheres no ENEM de 2015 — tema que julgaram doutrinador [ora!]. Segundo a autora, o tema da violência contra as mulheres é reconhecido internacionalmente como um grave problema e foi aprovado na ONU em 1979 já o CEDAW — Convenção Sobre Eliminação de todas as Formas de Descriminação contra as Mulheres. Por que deveríamos retroceder nisso ao negarmos o debate?

 

CONHEÇA O DEPARTAMENTO DE DESIDEOLOGIZAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO DA NOSSA EDITORA

Paulo Candido. Doutor em Psicologia do Desenvolvimento, professor universitário e especialista em tecnologia educacional.

Mostra, por meio de um diálogo, como o ESP quer ensinar as pessoas, os professores, a ensinar. Quase tudo pode ser considerado "esquerdista"...

 

14 PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE O "ESCOLA SEM PARTIDO"

Rodrigo Ratier. Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e editor executivo da Revista Nova Escola.

Faz 14 perguntas com 14 respostas sobre o "Escola Sem Partido". Muito interessante, pois trata-se do artigo que investiga cada uma das inquirições do ESP. O autor responde e desmonta todas.

Entre as mais importantes:

1.A doutrinação é um grave problema? Irrelevante e sem sentido, mas o ESP quer tornar isso um grande problema;

2.A doutrinação esquerdista está de fato acontecendo? Segundo pesquisas do DataFolha há mais gente afinada com as ideias de direita (45%) do que com as de esquerda (35%). Então qual o medo?

3.Qual o poder dos professores sobre os alunos? Para o ESP é imenso. Mas é um equívoco tratar o problema assim. Alunos são questionadores, não são uma caixa vazia para receber ideias;

4.Os professores formam um "exército de militantes"? Não. A verdade é que a sociedade está mudando de opinião e o ESP quer provocar a confusão e retroceder;

5.O ESP é apartidário? Não. Isso não existe — ademais, há legisladores do PMDB, PSDB e PSC, entre outros, por trás dele. Como considerar isso apartidário?

6.As propostas do movimento defendem a pluralidade no ensino? Não. Invocam descontextualizadamente uma cláusula (4) da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos — que diz sobre o direito dos pais a que seus filhos recebam "educação moral e religiosa" que esteja de acordo com suas próprias convicções — para justificar praticamente todo o movimento reacionário, indo contra a LDB, inclusive, e a CF no que diz respeito à laicidade da Escola Pública;

7.É correta impedir a discussão de gênero, como quer o ESP? Vai contra toda a recomendação dos órgãos internacionais, especialmente a da UNESCO;

8.Discutir diversidade cultural pode levar à doutrinação? Outro ponto que vai contra a maré do mundo inteiro, contando com a UNESCO, novamente. Experiências de discussão da diversidade são bem-sucedidas em países como a Noruega, por exemplo, que discute o povo Sami, originário do Norte da Noruega;

9.É justo que a Base Nacional passe pela aprovação do Congresso, como defende o Escola sem Partido?

Não. Para votar a BNCC — Base Nacional Comum Curricular seria necessário mudar o que está no Plano Nacional de Educação — PNE, já votado anteriormente (2015) e que já foi amplamente discutido com milhões de sugestões e milhares de debates entre professores e educadores? Ora, mudar tudo isso na base de um pensamento recém-saído de uma cabeça de advogado?

10.O marxismo é um método de doutrinação esquerdista? O tema em si é controverso. Não há uma conexão necessária entre uma coisa e outra — conforme já demonstrado por intelectuais de peso como Norberto Bobbio;

11.Sim, mas o marxismo domina as universidades e a formação de professores? Evidências apontam para o contrário; para mais informações há o ótimo texto "O lugar do marxismo na formação do educador", vários autores e "O refluxo de uma tradição: o marxismo, o ensino de História e a ditadura empresarial-militar (1964-1975);

12.Há base para dizer que Paulo Freire faz "proselitismo ideológico" e "doutrinação marxista"? Não. Trata-se de uma leitura distorcida de Paulo Freire, cujos temas convidavam ao diálogo, ao pacifismo e a um socialismo não radical nem violento; segundo a autora, para Paulo Freire "...a Educação, como prática da liberdade, é um ato de conhecimento, uma aproximação crítica da realidade." (p.40);

13.O "Escola Sem Partido" propõe judicializar a Educação. Processar professores resolve? Evidentemente que não. A saída para qualquer problema é o diálogo — entre alunos, pais e professores.

14.Faz sentido ter essa discussão? Nas ditaduras os debates são sufocados. Na democracia, acolhidos e estimulados. Portanto, não faz sentido um debate armado, nestes termos; faz sentido sim, ouvir as partes, inclusive o ESP, mas não nos seus próprios e únicos termos.

 

O PROGRAMA "ESCOLA SEM PARTIDO" QUER UMA ESCOLA SEM EDUCAÇÃO

Daniel Cara.

Mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Segundo o autor, o ESP exerce uma recusa à Educação, no seu sentido amplo de apropriação da cultura. "A leitura dos textos dos sites do Escola Sem Partido e de postagens em redes sociais mostra que os defensores dos projetos de lei desejam uma educação moral ultrapassada, completamente descontextualizada do mundo e incapaz de refletir a diversidade existente na sociedade brasileira. (p.45)

(..)

"O direito à educação é, portanto, o direito de todos se apropriarem da cultura, tornando-se sujeitos autônomos, capazes de ler, compreender e participar verdadeiramente do mundo..." (p.46)

Se a proposta do ESP vingar o que teremos é um paradoxo: emergirá uma escola sem voz e sem liberdade, uma escola sem educação.

 

O QUE O DIREITO À EDUCAÇÃO TEM A DIZER SOBRE "ESCOLA SEM PARTIDO"?

Salomão Ximenes.

Professor do bacharelado e do programa de pós-graduação em Políticas Públicas da UFABC, doutor em Direito do Estado (USP) e mestre em Educação Brasileira (UFC), membro da Rede Escola Pública e Universidade e do Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES).

Para o autor, o ESP tolhe a liberdade de ensinar. Possui uma agenda que representa um segundo ciclo conservador estabelecendo um projeto de controle do trabalho docente, escondido sob a forma e o nome da "neutralidade".

 CONTRA ESCOLA SEM SENTIDO

Fernando Abrucio.

Doutor em Ciência Política pela USP e coordenador do curso de Administração Pública da FGV-SP.

É sem sentido, pois é contra todas as experiências que deram certo, tanto aqui como em outros países — o ESP só quer retroceder, não avançar.

"O projeto em questão não só está distante dos verdadeiros problemas da educação do país e da experiência internacional bem sucedida. Ele também atrapalha a busca das soluções. [onde]... O professor é a figura-chave do processo educativo." (p.61)

"...o Escola Sem Partido só reforça o radicalismo e a incapacidade de diálogo. (...) se os valores dos pais não podem, em hipótese alguma, ser colocados em questão pelos professores e pelo coordenador pedagógico, os quais não podem expressar suas visões de mundo nem fomentar o debate para além do aprendizado adquirido no universo familiar, o resultado final disso vai ser a morte da escola como instituição viva e essencial na formação de pessoas de pessoas livres e autônomas, dois ideais da modernidade e que serão ainda mais essenciais no século XXI." (p.63)

 

ESCOLA SEM PARTIDO?

Frei Betto.

Assessor de movimentos sociais e autor de 58 livros, editados no Brasil e no exterior. Estudou jornalismo, antropologia, filosofia e teologia.

Para Frei Betto o movimento representa a recusa do ensino crítico e a própria crítica. Velha artimanha da direita, já que não convém mudar a realidade (para ela), acobertando-a com palavras.

 

UM PONTO NA REDE: O "ESCOLA SEM PARTIDO" NO CONTEXTO DA ESCOLA DO PENSAMENTO ÚNICO.

Eduardo Girotto.

Doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo. Foi professor da Educação Básica e atualmente é professor do Departamento de Geografia da USP, na área de Estágio Supervisionado e Ensino de Geografia.

O autor relembra o Projeto de Reorganização da Rede Estadual de Educação de São Paulo, em 2015, que previa o fechamento de 94 escolas e remanejamento de mais de 300 mil alunos; e mais recentemente o projeto de reforma da educação atentamente acompanhada por grupos empresariais como o Itaú, Fundação Lemann, SESI e outros, que desejam o aumento da relação entre educação e mercado de trabalho, a fim de promover uma concepção tecnicista de educação. Desse modo, diz o autor, transformamo-nos em estatística, não em agentes que constroem e mudam a história — pois o que interessa a esses grupos é primordialmente a produtividade. Tal repertório consolida o pensamento único, de que a Escola só deve formar profissionais. É preciso romper com essa lógica, pois ela destrói toda a base educacional em que a Escola se formou, ainda que não idealmente.

 

A ESCOLA, O AUTORITARISMO E A EMANCIPAÇÃO

Joana Salém Vasconcelos.

Doutora em Histórica Econômica pela Universidade de São Paulo, atua na Rede Emancipa de Educação Popular e trabalha no Instituto Vladimir Herzog.

A autora nos faz lembrar que o sistema brasileiro de educação pública se inspirou no que surgiu da Revolução Francesa, como parte essencial do projeto iluminista. A nobreza educava e instruía seus filhos em casa, com professores particulares, filósofos, padres, etc. Um dos lemas da Revolução era justamente contra esse modelo que restringia o acesso à cultura e, portanto, aos cargos e carreiras. O modelo brasileiro, embora ali inspirado e criado no final do XIX [quanto tempo depois...], exibia suas contradições, dado que mantinha hierarquias e restrições — não atingia a todos. Lentamente avançou para o ensino universal e gratuito. A escola pública no decorrer do XX sofreu um revés evolucionário:

"...no Brasil a escola pública tornou-se o lugar de socialização dos mais pobres e dos mais negros. As classes médias e altas, predominantemente brancas, retiram seus filhos da realidade desagradável da gente comum e os protegem dentro das escolas particulares, nas quais provavelmente encontrarão maridos e esposas." (p.79)

O autoritarismo da escola pública pode ser visto nas avaliações das Escolas, pelo SARESP, atrelando a nota dos alunos ao salário do professor, sob a égide de um currículo com conteúdos impostos, pois as questões não estão sob controle dos professores.

Há projetos de lei tramitando no Congresso e outros Parlamentos que estabelecem controles rígidos aos professores, determinando o que o ensino seja exercido baixo o princípio da "neutralidade" política, ideológica e religiosa do Estado. Tratam os estudantes como tabula rasa: que reproduzem apenas o que é ensinado. Nada mais equivocado, pois:

"Subestimam radicalmente a capacidade dos alunos pensarem por conta própria e desenvolverem raciocínios autônomos a partir de suas experiências na escola..." (p.81)

Contrariamente ao que desejava Paulo Freire, que entendia a educação como prática da liberdade e não subestimava os alunos.

 

A CRIMINALIZAÇÃO IDEOLÓGICA DOS LIVROS DIDÁTICOS: A QUEM SERVE?

Roberto Catelli Jr.

Doutor em educação pela Universidade de São Paulo e coordenador da unidade de Educação de Jovens e Adultos da Ação Educativa.

Conforme o autor, sob a acusação de que o livro didático veicula ideologia de esquerda ou como sai expresso nas revistas "distorções ideológicas", esconde-se uma disputa pelo mercado editorial de vendas de livros didáticos. É um mercado rico que atualmente movimenta mais de 500 milhões de reais. A pergunta: quais mídias dão voz ao ESP? Não estariam elas ligadas aos grupos editoriais em disputa? Para o autor, é certo que sim. Livros distribuídos pelo PNLD (Plano Nacional do Livro Didático) são desqualificados com exemplos pontuais; por trás da disputa do mercado de livro esconde-se uma disputa por modelos de sociedade; também uma disputa pelos recursos públicos por agentes privados.

 

ÓDIO AOS PROFESSORES

Fernando Penna.

Doutor em educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, é professor adjunto da Universidade Federal Fluminense.

Aponta que o ESP trabalha imagens para demonização das políticas avançadas, especialmente o debate crítico e a discussão de gênero. Na verdade, quer impedir o avanço democrático que obtivemos nas décadas anteriores, sob o rótulo acusatório de "paulo-freirianismo"; veiculam imagens que estimulam o ódio aos professores e a referências teóricas legítimas no campo de pesquisa educacional.

São chavões, palavras grosseiras e vazias, mas carregadas de simbolismo negativo, a fim de desqualificar e demonizar aquilo que representa avanço [diálogo, consenso democrático, respeito, tolerância, aceitação da diversidade].

 

JOVENS, ESCOLA DEMOCRÁTICA E PROPOSTA DO "ESCOLA SEM PARTIDO"

Maria Virgínia de Freitas.

Mestre em educação pela USP, autora de publicações relativas ao tema da juventude e coordenadora da área de Juventude da Ação Educativa.

Lembra bem quando menciona o Estatuto da Juventude — fruto de 10 anos de tramitação, promovido pelo Conjuve (Conselho Nacional da Juventude) envolvendo um sem fim de audiências públicas, debates e conferências, consolidando o resultado num código, que define os princípios que regem as políticas públicas de juventude (pessoas de 15 a 29 anos).

O primeiro princípio é o da promoção da autonomia e emancipação dos jovens; o segundo, a valorização e promoção da participação social e política, de forma direta e por meio das suas representações.

Ora, o que quer o ESP? Não quer a autonomia, pois imagina serem os jovens desprotegidos moralmente (o que já vimos que é equivocado); quer o silêncio à força dos professores, pois imagina serem eles deturpadores da educação familiar. Convenhamos, a vivência juvenil não se restringe à família e à escola. Há um mundo de outras vivências que levam os alunos já com bagagem para escola e esta precisa considerar isso, abrindo-se ao diálogo, não ao silêncio.

 

 

O ESP SOB O OLHAR DA JUVENTUDE

Denise Eloy.

Jornalista da Ação Educativa, especialista em Educomunicação: Comunicação, Mídias e Educação. Tem experiência em políticas públicas de juventude, comunicação e direitos humanos.

Juliane Cintra.

Coordenadora de Comunicação da Ação Educativa, especialista em mídias digitais. Tem experiência em comunicação e direitos humanos, atuando com ciberativismo e relações étnico-raciais.

Colhem depoimentos, desfavoráveis e negativos, de alunos com relação ao que veicula o ESP (v. resumo pg. 115). Algumas delas percebem a proposta tecnicista que está por trás desse movimento, que se esconde sob o título autodenominado de "apartidário".

Enfim, os princípios do ESP desconsideram o aluno em si, como se ele fosse uma tabula rasa (já o dissemos), onde os professores possuiriam pleno domínio sobre o aluno — o que é falso, já que o aluno, qualquer aluno, é um ser complexo, portador de suas próprias demandas; a escola é um local onde a diversidade se instala e ela não pode ignorar isso, homogeneizando o ensino e impondo normas de conduta não condizentes com essa pluralidade. Portanto, a escola deve ser plural para lidar com a diversidade real dos alunos.

 

GÊNERO E LGBTFOBIA NA EDUCAÇÃO

Toni Reis.

Pós-doutor em Educação e secretário da Educação da ANGLT - Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais.

O autor nos assevera para o profundo conservadorismo do ESP com relação às questões e demandas LGBT. Revela ainda que o ESP surgiu em 2004 e desde lá vem querendo interferir no cenário educacional — fato que se expressa no PL do Senado 193/2016, intitulado "Programa Escola Sem Partido", cujo título não esconde sua inspiração, e apresentado pelo senador Magno Malta (PR/ES), conhecido por suas convicções conservadoras religiosas e evangélicas; o projeto inclui a vedação do que chamam de "ideologia de gênero". Igualmente, há muitos projetos municipais circulando para serem aprovados nas Câmaras. Segundo Toni Reis:

"Desde a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, o Brasil vem ratificando tratados e acordos internacionais no âmbito da Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos voltados para a eliminação das desigualdades entre os gêneros, inclusive na educação (UNICEF, 1979; UNESCO, 2001; OEA, 1994; UNFPA, 1995, entre outros), sendo que mais recentemente foram estabelecidos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para serem alcançados até 2030." (p.121).

Estão previstas, entre outras coisas, a meta de "eliminação das disparidades”, alcançar a "igualdade de gênero" e empoderamento de meninas e meninos, pois há uma percepção de que a violência contra o gênero é também resultados dessas desigualdades.

A proposta ou propostas baseadas no ESP são nocivas para o alcance dos objetivos da Educação estipulados pela Constituição Federal, art. 205, que almeja o pleno desenvolvimento da pessoa, preparo para o exercício da cidadania além da qualificação para o trabalho.

 

NO CHÃO DA ESCOLA: CONVERSANDO COM FAMÍLIAS E PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO SOBRE O ESCOLA SEM PARTIDO

Denise Carreira.

Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo e coordenadora-adjunta da Ação Educativa. Feminista, foi coordenadora da Campanha Nacional de Educação e Relatora Nacional de Educação da Plataforma DHESCA Brasil.

Responde bem e quase extensamente diversas questões importantes, quais sejam:

Quem defende uma "escola com partido"?

Por que é tão ameaçadora uma escola que questione as desigualdades?

Discutir política é algo ruim?

O "Escola Sem Partido" defende os interesses das famílias?

Ser religioso não é ser fundamentalista! [tal como se comportam alguns parlamentares...]

A autora responde a essas questões (p.126 e segs.) de forma objetiva e contundente; a própria questão, de tal forma colocada, já é um questionamento esclarecedor.

A seguir, fala sobre um ponto interessante: o financiamento, como uma conquista para a educação de qualidade. Por outro lado, o ESP se articula a setores do governo federal [do golpista Temer, principalmente agora] e setores privados, ciosos de diminuir o orçamento para as políticas públicas — especialmente para a educação. Por exemplo: a PEC 241 [do teto, que acaba com as vinculações obrigatórias de recursos com a saúde e educação] inviabiliza a implementação do PNE (Plano Nacional de Educação).

Para a autora, uma escola de qualidade deve contar:

-Com profissionais da educação valorizados, com formação adequada e com salários dignos, bem como um bom ambiente de trabalho;

-Com menos crianças/estudantes por turma;

-Com infraestrutura;

-Com articulação com as políticas de saúde;

-Que tenha como base a gestão democrática;

-Que enfrente desigualdades educacionais e discriminações;

Tudo isso constitui o chamado CAQ - Custo Aluno Qualidade, previsto na legislação aprovada em 2014 (PNE). A PEC 241 inviabiliza a concretização do CAQ [a menos que o índice seja manipulado...]

 

REEDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES RACIAIS E ESP

Ana Lúcia Silva Souza

Doutora em Linguística Aplicada pela Universidade de Campinas, professora da Universidade Federal da Bahia e vice-coordenadora do Programa de Mestrado Profissional em Letras.

Ednéia Gonçalves.

Socióloga pós-graduada em Educação pela PUC-SP. Atua na formulação de propostas e formação de professores e gestores educacionais. É assessora das unidades de Educação de Jovens e Adultos e Diversidade, Raça e Participação da Ação Educativa.

As autoras trazem para o debate a questão do ensino e cultura afro-brasileira, um ponto de atrito com o ESP, que não aceita o avanço e a afirmação do movimento negro. Os autores lembram a Lei 10.639, que aprovou entre outras coisas o ensino de história da África, de 2003, fruto de um longo período de lutas e debates. O ESP quer apenas adensar o preconceito racial e a intolerância religiosa, a despeito de invocarem o artigo quarto da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos [

Pacto de São José da Costa Rica], que segundo os autores aqui supracitados, trata-se de uma interpretação equivocada e descontextualizada, além de enunciar apenas esse item, desconsiderando os três primeiros (p. 141/2 — veja na íntegra o Artigo 12). No todo, o que podemos depreender é que ninguém deve ser obrigado a receber a educação moral e religiosa em desacordo com a orientação dos pais ou da família. Mas a Escola é laica. E segundo este princípio ninguém está ensinando moral ou religião, ainda mais em desacordo. O que ocorre na realidade é que a Escola Pública está sendo preparada para o debate, para a diversidade religiosa e isso o ESP não aceita. Praticamente rejeita o laicismo. Para os autores, portanto:

"O desafio atual nesse campo é superar uma educação fortemente marcada pelo eurocentrismo e pelo racismo..." (p.143)

Neste sentido, é preciso fortalecer políticas e práticas para uma educação antirracista. O livro didático é mais uma vez alvo do ESP nesta questão. Referências à cultura negra são criticadas e apontadas como "ideologia".

Todo o avanço que se fez em todas essas áreas foi fruto de mobilização dos movimentos sociais organizados. Portanto, dizem os autores, a Escola deve sim ter partido — pelos direitos e pela vida digna. É preciso não calar sobre tudo isso.

 

A ESCOLA CIDADÃ FRENTE AO "ESCOLA SEM PARTIDO"

Moacir Gadotti.

Presidente de Honra do Instituto Paulo Freire e professor aposentado da Universidade de São Paulo.

Para o autor, houve um descuido com a educação política. Estamos sendo impedidos de avançar e o ESP é uma expressão desse retrocesso.

Primeiro, com a aceitação de uma escola de delatores, onde se busca castigar justamente aqueles que trabalham para a conscientização.

Segundo, a educação está sitiada:

"O Escola Sem Partido é apenas mais uma tentativa de destruir a Escola Democrática, a Escola Cidadã, uma conquista da Constituição de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996." (p.153)

O ESP é contra Paulo Freire porque este é um educador do diálogo, da crítica e da consciência democrática. O ESP só quer o silêncio, a omissão sobre a desigualdade. Estamos de volta ao passado, quando o PNA (Plano Nacional de Alfabetização de Paulo Freire) foi "cassado", isto é, extinto em abril de 1964, logo após o golpe.

Como fazer frente a essas ameaças? Estamos diante de dois modelos, dois projetos em disputa, que nos remete aos anos 1930 - entre liberais e católicos, por uma (ou não) escola laica. O professor precisa de liberdade, pois é o protagonista e devemos ter em mente que o fundamental é formar o cidadão. Então é preciso educar para e pela cidadania, o que nos remete ao Projeto da Escola Cidadã, cujas linhas fundamentais estão delineadas pelo Instituto Paulo Freire desde 1994, que entre outras coisas valoriza os Conselhos de Escola.

Para o autor, o que define a Educação Popular Cidadã é a opção política assumida na prática educativa e que deve ser democrática. E a democracia deve prevalecer sobre a insensatez do ESP, que ignora os Forum Mundial da Educação e outros fóruns pela educação.

 

[ANEXO]

OS PROTAGONISTAS DO ESP

Daniele Brait.

Formada em Letras pela Faculdade Editora Nacional, especialista em edição de livros didáticos e assessora editorial da Ação Educativa.

A autora aponta quais são as personagens envolvidas no ESP e quais os seus interesses — na sua maioria absoluta retrógrados.

Miguel Francisco Urbano Nagib. Coordenador do movimento; advogado e articulista do Instituto Millenium (desvinculou-se recentemente).

Os colaboradores políticos se espalham e elaboram seus projetos inspirados no Movimento ESP em todas as casas parlamentares, desde as municipais até o Congresso, com o conhecido PL 193/2016 proposto por Magno Malta (PR-ES).

Outros (todos eles envolvendo propostas inspiradas no ESP):

-PL 7180/2014; deputado Erivelton Santana (PSC-BA);

-PL 867/2015; deputado Izalci Lucas Ferreira (PSDB-DF);

-João Campos, Deputado federal (PSDB-GO), membro da banca evangélica, que propôs a "cura gay" pelo PLC 234/2011; defende o ESP;

-Orley José da Silva, mestre em Letras e Linguística pela UFG, é membro da Assembleia de Deus em Goiânia, mantém um blog para fins sectários: "De olho no livro didático".

-Rogério Marinho, deputado federal PSDB-RN, coordenador da comissão de educação do PSDB. Defende um ensino fundamental "focado na alfabetização e na matemática", um ensino médio "flexibilizado e diversificado", que qualifique os profissionais para o mercado, a fim de manter elevados os níveis de produtividade da mão-de-obra. Enfim, o suprassumo do discurso tecnicista. É autor do PL 1411/2015, que criminaliza o "assédio ideológico".

Outra figura atuante é Rodrigo Constantino, formado em economia, presidente do Conselho do Instituto Liberal e membro-fundador do Instituto Millenium. Olavo de Carvalho, pretenso filósofo que nem é formado em alguma coisa do tipo, também apoia o ESP.

E nas eleições municipais de 2016, uma página do Facebook anunciava os candidatos a vereador pelo ESP:

PMDB, PSDB, PMN, PSC, DEM, Solidariedade, PPL, PRTB, PP, PTN, e PV.

[Ora, onde está o "sem partido" nisso tudo? Só na escola é que não se quer o partido? Mas existe algum dentro da escola? E tomar partido do que?]

 

Comentário.

Um livro básico e essencial não só para compreender as diretrizes reacionárias do movimento Escola Sem Partido, mas para fazer lembrar que a Escola e os princípios educacionais que ainda nos restam é resultado de uma lenta evolução, onde se travaram debates e muita discussão, com ampla atuação de movimentos sociais democráticos, inclusive do movimento negro. Princípios e modelos consolidados no PNE, que nem avançou muito, mas se quer impedir qualquer progresso. A Reforma Educacional, recém promovida e sancionada pelo governo ilegítimo de Michel Temer (L13415 de Fev de 2017), é expressão máxima da atuação dessa facção que representa o ESP. Considerada amplamente, uma minoria, mas com apoio de políticos e empresários com muito poder e influência, com interesses os mais diversos no que diz respeito à educação — notadamente mercadológicos, como vimos com respeito ao livro didático. Devemos tentar obstar esse retrocesso e continuar mantendo nossa opinião firme sobre a Escola Democrática. E marcar posição, de preferência.

==========================================


Anexo: Convenção Americana sobre os Direitos Humanos - aprovação no Brasil no governo Itamar. Veja abaixo, com o artigo 12 em destaque:

DECRETO N° 678, DE 6 DE NOVEMBRO DE 1992 Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. O VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VIII, da Constituição, e Considerando que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), adotada no âmbito da Organização dos Estados Americanos, em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, entrou em vigor internacional em 18 de julho de 1978, na forma do segundo parágrafo de seu art. 74; Considerando que o Governo brasileiro depositou a carta de adesão a essa convenção em 25 de setembro de 1992; Considerando que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) entrou em vigor, para o Brasil, em 25 de setembro de 1992 , de conformidade com o disposto no segundo parágrafo de seu art. 74; DECRETA: Art. 1° A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), celebrada em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, apensa por cópia ao presente decreto, deverá ser cumprida tão inteiramente como nela se contém. Art. 2° Ao depositar a carta de adesão a esse ato internacional, em 25 de setembro de 1992, o Governo brasileiro fez a seguinte declaração interpretativa: "O Governo do Brasil entende que os arts. 43 e 48, alínea “d”, não incluem o direito automático de visitas e inspeções in loco da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, as quais dependerão da anuência expressa do Estado". Art. 3° O presente Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 6 de novembro de 1992; 171° da Independência e 104° da República. ITAMAR FRANCO Fernando Henrique Cardoso ANEXO AO DECRETO QUE PROMULGA A CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS (PACTO DE SÃO JOSE DA COSTA RICA) – MRE CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS PREÂMBULO Os Estados americanos signatários da presente Convenção, Reafirmando seu propósito de consolidar neste Continente, dentro do quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos essenciais do homem; Reconhecendo que os direitos essenciais do homem não deviam do fato de ser ele nacional de determinado Estado, mas sim do fato de ter como fundamento os atributos da pessoa humana, razão por que justificam uma proteção internacional, de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece o direito interno dos Estados americanos; Considerando que esses princípios foram consagrados na Carta da Organização dos estados Americanos, na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Declaração Universal dos Direitos do Homem e que foram reafirmados e desenvolvidos em outros instrumentos internacionais, tanto de âmbito mundial como regional; Reiterando que, de acordo com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, só pode ser realizado o ideal do ser humano livre, isento do temor e da miséria, se forem criadas condições que permitam a cada pessoa gozar dos seus direitos econômicos, sociais e culturais, bem como dos seus direitos civis e políticos; e Considerando que a Terceira Conferência Interamericana Extraordinária (Buenos Aires, 1967) aprovou a incorporação à própria sociais e educacionais e resolveu que uma convenção interamericana sobre direitos humanos determinasse a estrutura, competência e processo dos órgãos encarregados dessa matéria, Convieram no seguinte: PARTE I Deveres dos Estados e Direitos Protegidos CAPÍTULO I Enumeração de Deveres ARTIGO 1 Obrigação de Respeitar os Direitos 1. Os Estados-Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. 2. Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano. ARTIGO 2 Dever de Adotar Disposições de Direito Interno Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados-Partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades. CAPÍTULO II Direitos Civis e Políticos ARTIGO 3 Direitos ao Reconhecimento da Personalidade Jurídica Toda pessoa tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica. ARTIGO 4 Direito à Vida 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente. 2. Nos países que não houverem abolido a pena de morte, esta só poderá ser imposta pelos delitos mais graves, em cumprimento de sentença final de tribunal competente e em conformidade com lei que estabeleça tal pena, promulgada antes de haver o delito sido cometido. Tampouco se estenderá sua aplicação a delitos aos quais não se aplique atualmente. 3. Não se pode restabelecer a pena de morte nos Estados que a hajam abolido. 4. Em nenhum caso pode a pena de morte ser aplicada por delitos políticos, nem por delidos comuns conexos com delitos políticos. 5. Não se deve impor a pena de morte a pessoa que, no momento da perpetração do delito, for menor de dezoito anos, ou maior de setenta, nem aplicá-la a mulher em estado de gravidez. 6. Toda pessoa condenada à morte tem direito a solicitar anistia, indulto ou comutação da pena, os quais podem ser concedidos em todos os casos. Não se pode executar a pena de morte enquanto o pedido estiver pendente de decisão ante a autoridade competente. ARTIGO 5 Direito à Integridade Pessoal 1.Toda pessoa tem o direito de que se respeito sua integridade física, psíquica e moral. 2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano. 3. A pena não pode passar da pessoa do delinquente. 4. Os processados devem ficar separados dos condenados, salvo em circunstâncias excepcionais, a ser submetido a tratamento adequado à sua condição de pessoal não condenada. 5. Os menores, quando puderem ser processados, devem ser separados dos adultos e conduzidos a tribunal especializado, com a maior rapidez possível, para seu tratamento. 6. As penas privativas da liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados. ARTIGO 6 Proibição da Escravidão e da Servidão 1. Ninguém pode ser submetido à escravidão ou a servidão, e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as formas. 2. Ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório. Nos países em que se prescreve, para certos delitos, pena privativa da liberdade acompanhada de trabalhos forçados, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que proíbe o cumprimento da dita pena, importa por juiz ou tribunal competente. O trabalho forçado não deve afetar a dignidade nem a capacidade física e intelectual do recluso. 3. Não constituem trabalhos forçados ou obrigatórios para os efeitos deste artigo: a) os trabalhos ou serviços normalmente exigidos de pessoal reclusa em cumprimento de sentença ou resolução formal expedida pela autoridade judiciária competente. Tais trabalhos ou serviços de devem ser executados sob a vigilância e controle das autoridades públicas, e os indivíduos que os executarem não devem ser postos à disposição de particulares, companhias ou pessoas jurídicas de caráter privado: b) o serviço militar e, nos países onde se admite a isenção por motivos de consciências, o serviço nacional que a lei estabelecer em lugar daquele; c) o serviço imposto em casos de perigo ou calamidade que ameace a existência ou o bem-estar da comunidade; e d) o trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais. ARTIGO 7 Direito à Liberdade Pessoal 1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais. 2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas constituições políticas dos Estados-Partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas. 3. Ninguém pode ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários. 4. Toda pessoa detida ou retida deve ser informada das razões da sua detenção e notificada, sem demora, da acusação ou acusações formuladas contra ela. 5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, a presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condiciona a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. 6. Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura se a prisão ou a detenção forem ilegais. Nos Estados-Partes cujas leis preveem que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente a fim de que este decida sobre a legalidade de tal ameaça, tal recurso não pode ser restringido nem abolido. O recurso pode ser interposto pela própria pessoa ou por outra pessoa. 7. Ninguém deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar. ARTIGO 8 Garantias Judiciais 1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação pena formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. 2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por tradutor ou intérprete, se não compreender ou não falar o idioma do juízo ou tribunal; b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada; c) concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa; d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor; e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei; f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presente no tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos. g) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada; e h) direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior. 3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza. 4. O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá se submetido a novo processo pelos mesmos fatos. 5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça. ARTIGO 9 Princípio da Legalidade e da Retroatividade Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinquente será por isso beneficiado. ARTIGO 10 Direito a Indenização Toda pessoa tem direito de ser indenizada conforme a lei, no caso de haver sido condenada em sentença passada em julgado, por erro judiciário. ARTIGO 11 Proteção da Honra e da Dignidade 1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade. 2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação. 3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas. ARTIGO 12 Liberdade de Consciência e de Religião 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião. Esse direito implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em privado. 2. Ninguém pode ser objeto de medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças. 3. A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças está sujeita unicamente às limitações prescritas pelas leis e que sejam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou morais públicas ou os direitos ou liberdades das demais pessoas. 4. Os pais, e quando for o caso os tutores, têm direito a que seus filhos ou pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja acorde com suas próprias convicções. ARTIGO 13 Liberdade de Pensamento e de Expressão 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei a ser necessárias para assegurar: a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral pública. 3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões. 4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2. 5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência. ARTIGO 14 Direito de Retificação ou Resposta 1. Toda pessoa atingida por informações inexatas ou ofensivas emitidas em seus prejuízo por meios de difusão legalmente regulamentados e que se dirijam ao público em geral, tem direito a fazer, pelo mesmo órgão de difusão, sua retificação ou resposta, nas condições que estabeleça a lei. 2. Em nenhum caso a retificação ou a resposta eximirão das outras responsabilidades legais em que se houver incorrido. 3. Para a efetiva proteção da honra e da reputação, toda publicação ou empresa jornalística, cinematográfica, de rádio ou televisão, deve ter uma pessoa responsável que não seja protegida por imunidades nem goze de foro especial. ARTIGO 15 Direito de Reunião É reconhecido o direito de reunião pacífica e sem armas. O exercício de tal direito só pode estar sujeito às restrições previstas pela lei e que sejam necessárias, uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança ou da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral pública ou os direitos e liberdades das demais pessoas. ARTIGO 16 Liberdade de Associação 1. Todas as pessoas têm o direito de associar-se livremente com fins ideológicos, religiosos, políticos, econômicos, trabalhistas, sociais, culturais, desportivos, ou de qualquer outra natureza. 2. O exercício de tal direito só pode estar sujeito às restrições previstas pela lei que sejam necessárias, numa sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança ou da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral pública ou os direitos e liberdades das demais pessoas. 3. O disposto neste artigo não impede a imposição de restrições legais, e mesmo a privação do exercício do direito de associação, aos membros das forças armadas e da polícia. ARTIGO 17 Proteção da Família 1. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e deve ser protegida pela sociedade e pelo Estado. 2. É reconhecido o direito do homem e da mulher de contraírem casamento e de fundarem uma família, se tiverem a idade e as condições para isso exigidas pelas leis internas, na medida em que não afetem estas o princípio da não discriminação estabelecido nesta Convenção. 3. O casamento não pode ser celebrado sem o livre e pleno consentimento dos contraentes. 4. Os Estados-Partes devem tomar medidas apropriadas no sentido de assegurar a igualdade de direitos e a adequada equivalência de responsabilidades dos cônjuges quanto ao casamento, durante o casamento e em caso de dissolução do mesmo. Em caso de dissolução, serão adotadas disposições que assegurem a proteção necessárias aos filhos, com base unicamente no interesse e conveniência dos mesmos. 5. A lei deve reconhecer iguais direitos tanto aos filhos nascidos fora do casamento como aos nascidos dentro do casamento. ARTIGO 18 Direito ao Nome Toda pessoa tem direito a um prenome e aos nomes de seus pais ou ao de um destes. A lei deve regular a forma de assegurar a todos esses direitos, mediante nomes fictícios, se for necessário. ARTIGO 19 Direitos da Criança Toda criança tem direito às medidas de proteção que a sua condição de menor requer por parte da sua família, da sociedade e do Estado. ARTIGO 20 Direito à Nacionalidade 1. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade. 2. Toda pessoa tem direito à nacionalidade do Estado em cujo território houver nascido, se não tiver direito a outra. 3. A ninguém se deve privar arbitrariamente de sua nacionalidade nem do direito de mudá-la. ARTIGO 21 Direito à Propriedade Privada 1. Toda pessoa tem direito ao uso e gozo dos seus bens. A lei pode subordinar esse uso e gozo ao interesse social. 2. Nenhuma pessoa pode ser privada de seus bens, salvo mediante o pagamento de indenização justa, por motivo de utilidade pública ou de interesse social e nos casos e na forma estabelecidos pela lei. 3. Tanto a usura como qualquer outra forma de exploração do homem pelo homem devem ser reprimidas pela lei. ARTIGO 22 Direito de Circulação e de Residência 1. Toda pessoa que se ache legalmente no território de um Estado tem direito de circular nele e de nele residir conformidade com as disposições legais. 2. toda pessoa tem o direito de sair livremente de qualquer país, inclusive do próprio. 3. O exercício dos direitos acima mencionados não pode ser restringido senão em virtude de lei, na medida indispensável, numa sociedade democrática, para prevenir infrações penais ou para proteger a segurança nacional, a segurança ou a ordem pública, a moral ou a saúde pública, ou os direitos e liberdades das demais pessoas. 4. O exercício dos direitos reconhecidos no inciso 1 pode também ser restringido pela lei, em zonas determinadas, por motivos de interesse público. 5. Ninguém pode ser expulso do território do Estado do qual for nacional, nem ser privado do direito de nele entrar. 6. O estrangeiro que se ache legalmente no território de uma Estado-Parte nesta Convenção só poderá dele ser expulso em cumprimento de decisão adotada de acordo com a lei. 7. Toda pessoa tem o direito de buscar e receber asilo em território estrangeiro, em caso de perseguição por delitos políticos ou comuns conexos com delitos políticos e de acordo com a legislação de cada estado e com os convênios internacionais. 8. Em nenhum caso o estrangeiro pode ser expulso ou entregue a outro país, seja ou não de origem, onde seu direito à vida ou liberdade pessoal esteja em risco de violação por causa da sua raça, nacionalidade, religião, condição social ou de suas opiniões políticas. 9. É proibida a expulsão coletiva de estrangeiros. ARTIGO 23 Direitos Políticos 1. Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades: a) de participar da direção dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos; b) de votar e se eleitos em eleições periódicas autênticas, realizadas por sufrágio universal e igual e por voto secreto que garanta a livre expressão da vontade dos eleitores; e c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país. 2. A lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades e a que se refere o inciso anterior, exclusivamente por motivos de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal. ARTIGO 24 Igualdade Perante a Lei Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem discriminação, a igual proteção da lei. ARTIGO 25 Proteção Judicial 1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízos ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando nos exercícios de suas funções oficiais. 2. Os Estados-Partes comprometem-se: a) a assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal recurso; b) a desenvolver as possibilidades de recurso judicial; e c) a assegurar o cumprimento, pelas autoridades competente, de toda decisão em que se tenha considerado procedente o recurso. CAPÍTULO III Direitos Econômicos, Sociais e Culturais ARTIGO 26 Desenvolvimento Progressivo Os Estados-Partes comprometem-se a adotar providência, tanto no âmbito interno como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados. CAPÍTULO IV Suspensão de Garantias, Interpretação e Aplicação ARTIGO 27 Suspensão de Garantias 1. Em caso de guerra, de perigo público, ou de outra emergência que ameace a independência ou segurança do Estado-Parte, este poderá adotar disposições que, na medida e pelo tempo estritamente limitados às exigências da situação, suspendam as obrigações contraídas em virtude desta Convenção, desde que tais disposições não sejam incompatíveis com as demais obrigações que lhe impõe o Direito Internacional e não encerrem discriminação alguma fundada em motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião ou origem social. 2. A disposição precedente não autoriza a suspensão dos direitos determinados nos seguintes artigos: 3 (Direito ao Reconhecimento da Personalidade Jurídica), 4 (Direito à vida), 5 (Direito à Integridade Pessoal), 6 (Proibição da Escravidão e Servidão), 9 (Princípio da Legalidade e da Retroatividade), 12 (Liberdade de Consciência e de Religião), 17 (Proteção da Família), 18 (Direito ao Nome), 18 (Direitos da Criança), 20 (Direito à Nacionalidade) e 23 (Direitos Políticos), nem das garantias indispensáveis para a proteção de tais direitos. 3. Todo Estado-Parte que fizer uso do direito de suspensão deverá informar imediatamente os outros Estados-Partes na presente Convenção, por intermédio do Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos, das disposições cuja aplicação haja suspendido, dos motivos determinantes da suspensão e da data em que haja dado por terminado tal suspensão. ARTIGO 28 Cláusula Federal 1. Quando se tratar de um Estado-Parte constituído como Estado federal, o governo nacional do aludido Estado-Parte cumprirá todas as disposições da presente Convenção, relacionadas com as matérias sobre as quais exerce competência legislativa e judicial. 2. No tocante às disposições relativas às matérias que correspondem à competência das entidades componentes da federação, o governo nacional deve tomar imediatamente as medidas pertinentes, em conformidade com sua constituição e suas leis, a fim de que as autoridades competentes das referidas entidades possam adotar as disposições cabíveis para o cumprimento desta Convenção.

Fonte:

http://aidpbrasil.org.br/arquivos/anexos/conv_idh.pdf

Acesso em 02/04/2017

terça-feira, 19 de março de 2024

LAVA JATO EM PORTUGAL

O ex-primeiro-ministro José Sócrates, investigado (perseguido) na “operação Marquês”, há mais de dez anos, afirmou em entrevista ao jornalista Luís Nassif o mesmo que escreveu em curtíssimo artigo: “o Ministério Público venceu as eleições” ” (https://iclnoticias.com.br/o-dia-em-que-ministerio-publico-ganhou-eleicoes/). O agora ex-premiê, António Costa, foi citado numa investigação sobre corrupção, daquele órgão, fato que o levou a pedir demissão do cargo, prontamente aceita pelo Presidente Marcelo Rebelo de Souza. Os promotores estavam a investigar supostas irregularidades em concessões de duas minas de lítio, um projeto de central de produção de hidrogênio e um projeto de construção de um data center.

O caráter lavajatista é nítido: buscas, prisões e apreensões inclusive nas residências do ex-premiê, bem ao estilo, conforme informou a BBC News (https://www.bbc.com/portuguese/articles/crgpzxz3870o).

Essa onda Lava Jato faz parte de um projeto de empurrar a Europa para a direita, o mais possível. Qualquer governante que tentar sair dos trilhos, como o atual presidente da França, Emmanuel Macron, já o fez, sofre retaliações típicas da Guerra Híbrida, tal como no movimento dos “coletes amarelos”, que muitos ignoram e entendem ser apenas um movimento espontâneo. A Europa está assolada por vários tipos de crise, econômica, de energia, financeira: https://www.brasil247.com/blog/economia-de-guerra, o que favorece a ebulição desses movimentos, nada espontâneos.

Esse lavajatismo -- filho direto da cooptação dos MPs pela dita “Cooperação Internacional”, explicada muitas vezes pelo jornalista Luís Nassif (https://jornalggn.com.br/politica/as-anomalias-do-controle-da-pgr-sobre-a-cooperacao-internacional/) -- é acompanhado por forte operação psicológica (psyops), levada a cabo principalmente nas redes sociais (mas não só), por mãos de inúmeras instituições financiadas pelos vários órgãos dos EUA, inclusive Congresso.  Em alguns países, tal como já aconteceu com a Ucrânia, isso resultou em nítida operação de “regime change”. A ordem é empurrar a Europa para a extrema direita, o fascismo como limite. Descortina-se uma onde neoliberal no continente, seja arrochando países economicamente (tal como na Grécia) seja por reformas típicas dessa onda, como aconteceu na França, em seu regime previdenciário. O sistema de saúde ainda resiste, embora sob ataque (veja: https://pt.euronews.com/business/2023/12/14/em-que-paises-da-europa-as-despesas-medicas-estao-a-conduzir-a-pobreza).

Na outra ponta, mais diretamente, está a Rússia, declarada como “inimiga” pelo Partido Democrata nos EUA. A atual guerra entre Ucrânia e Rússia insere-se nesse movimento europeu de guinada à direita, onde a primeira, vista como um “pivot country” pela geopolítica norte americana, foi empurrada para o conflito. O objetivo é colocar a Rússia e seus aliados de joelhos, fragmentá-los e torná-los obedientes ao Império Norte Americano. Se alguém quiser ver nisso o interesse pelo corredor energético, petróleo e gás, não está errado. Os interesses, no entanto, vão mais longe, envolvendo inclusive a indústria bélica, que por sua vez tem uma certa importância na Ucrânia, um dos maiores exportadores de armas, afora a Rússia e EUA (SIPRI Arms Transfers Database, apud MONIZ BANDEIRA, A Desordem Mundial, p. 270)

Portanto, temos uma Europa cada vez mais arrastada economicamente para um embate que, pode sim, se transformar em uma guerra por procuração contra a Rússia, numa espécie de prenúncio de uma guerra mundial, se já não é assim. E todos podem e devem colaborar, segundo a política do Departamento de Estado norte americano. Ninguém escapará. 

quinta-feira, 7 de março de 2024

As incertezas do tempo, do lugar e do sujeito, em "O deserto dos tártaros", de Buzzati.

BUZZATI, Dino. O deserto dos tártaros. Trad. Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade. 6ªed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2017 (1940) 

O Jovem tenente Giovanni Drogo sai da academia militar e recebe sua primeira missão em um forte — o Forte Bastiani, numa fronteira localizada num deserto. Como militar, espera que essa seja uma grande tarefa, abrilhantando sua carreira. Em um forte,  geralmente em posição de fronteiras, aguarda-se, defensivamente, que ocorra alguma grande invasão e aconteça o que todo militar espera: a guerra. Ocorre que Giovanni se decepciona com o enorme marasmo da posição e o sensível abandono da edificação. Tenta se desligar dali, não consegue — uma vez sem poder optar, outra por sua própria vontade. Mas aos poucos vai se acostumando tanto ao lugar quanto à espera — dos invasores, que nunca chega. 

Comentário. [com spoiler]
Um local incerto, um tempo que nunca chega. É muito interessante como Buzzati conseguiu, neste romance, ilustrar como o sujeito pode preencher um vazio de tempo e de lugar, primeiro com uma fantasia e segundo com uma acomodação. O primeiro, a alimentar o segundo. Espera-se. Espera-se algo que nunca acontece — mas isso é só constatado no final da vida, ou melhor, da narrativa do personagem principal, Giovanni Drogo. A saúde se deteriora, provavelmente devido às condições insalubres do forte. O tempo passa e a realização de um acontecimento não chega a tempo, no tempo de vida útil do sujeito, Giovanni. Este morre sem ver a ação e sua posição no mundo termina por incerta — não pertenceu a lugar nenhum. Sua vida foi um deserto, como o próprio, que tantas vezes mirava. Quando a guerra chega está fraco e doente. Terá que ser transferido para algum hospital na cidade. Mas não chega nem nesta. Morre no caminho. 
Mas enfim, a guerra chega mesmo? As passagens não dão margem a certeza. Mesmo quando Drogo consegue sair da cama, ir ao pátio e observar pela luneta, não vê muito: vê o próprio exército em atividade, ao longe. O forte recebeu reforços, não quer dizer que haverá guerra, mas isso é suficiente para agitar as moléculas da ação no local. Drogo sente uma tontura quando usa a luneta e tem que voltar para a cama. Dali sai do forte e caminha para a morte. A narrativa do romance, onde o narrador onisciente  — falsamente onisciente, diga-se, devido à imposição de incertezas — se confunde com o personagem, ou seja, um narrador que exibe a introspecção do protagonista. E o personagem é todo incerteza.

Drogo ambicionava glória e reconhecimento, por isso viveu  e aceitou a vida ascética do forte, esperando que um dia pudesse mostrar suas habilidades, sua coragem. No final da vida, aguardando a morte, dentro de um quarto, espera pelo anoitecer, que possa ainda ter a imagem da lua diante de seus olhos. Neste momento final também cheio de incertezas, há uma esperança — mas a esperança aqui também é arrematada pela espera, a espera de uma morte rejuvenescedora, num outro mundo, embora carregando aquele corpo frágil. Mas ainda assim, a dúvida: não teria sido aquela esperança final tudo uma ilusão? A noite cai e Drogo consegue ao menos observar algumas estrelas... e sorri. 

Antonio Cândido fez uma resenha crítica, longa e interessante, sobre este romance, em O discurso e a cidade. Num dos artigos, a abordagem incide sobre o tempo, "Quatro esperas", onde a espera é analisada em quatro momentos de obras diferentes -- numa delas, a que aqui nos ocupa, é na fortaleza. A fortaleza onde Giovanni Drogo vai se instalar e permanecer. Vale a pena a reprodução de algumas conclusões (destaque meu): 


"O começo diz abertamente que Giovanni Drogo não tinha estima por si mesmo. Ora, o fim consiste na aquisição dessa autoestima que lhe faltava. Durante a vida inteira ele esperou o momento que permitiria uma espécie de revelação do seu ser, de maneira que os outros pudessem reconhecer o seu valor, o que o levaria reconhecê-lo ele próprio. Mas aqui surge a contradição suprema, pois esse momento acaba sendo o da morte. Portanto, é ela que define o seu ser e lhe dá a oportunidade de encontrar justificativa para a própria vida. De algum modo, uma afirmação por meio da suprema negação.

Assim, o romance do desencanto deságua na morte, que aparece como sentido real da vida e alegoria da existência possível de cada um. Como na de todos nós, ela esteve sempre na filigrana da narrativa. Primeiro, sob a forma de alvo ideal, sonhada na escala grandiosa. Depois, como realidade banal, nos casos de Lazzari e Angustina. Quando o tempo para, ela surge e o redime, justificando Drogo, que adquire então a ciência que não aprendera nos longos anos de esperança frustrada e que, se não tivermos medo do tom sentencioso, poderia ser formulada assim: o sentido da vida de cada um está na capacidade de resistir, de enfrentar o destino sem pensar no testemunho dos outros nem no cenário dos atos, mas no modo de ser; a morte desvenda a natureza do ser e justifica a vida.

Por isso O deserto dos tártaros é um romance desligado da história e da sociedade, sem lugar definido nem época certa. Nele não há dimensão política, não há organização social ou crônica de fatos. É um romance do ser fora do tempo e do espaço, sem qualquer intuito realista. Do ponto de vista ético é um livro aristocrático, onde a medida das coisas e o critério de valor é o indivíduo, capaz de se destacar como ente isolado, tirando o significado sobretudo de si mesmo, e por isso podendo realizar na solidão a sua mensagem mais alta. A morte coletiva e teatral dos sonhos militares, desejada como coroamento da vida, cede lugar à glória intransferível da morte solitária, sem testemunhas e sem ação em torno, significando apenas pela sua própria força. E nós lembramos Montaigne, quando diz que “a firmeza na morte é sem dúvida a ação mais notável da vida.” (CANDIDO, p. 160-1)



CANDIDO, Antonio. O Discurso e a Cidade. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2015 (texto original de 1990, publicado nos Cadernos Cebrap, Novos Estudos, nº26)